Habitação: prioridade número... depois logo se vê

A campanha, reduzida ao espectáculo, falha a quem mais precisa de representação, falha em trazer para cima da mesa temas quotidianos, que afectam a vida e a saúde de tantas pessoas. Falha, por não sabermos, ou não existirem, as propostas de resolução para os problemas de habitação, um direito fundamental para o cumprimento de tantos outros.

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Léa B/Unsplash

O período que antecedeu estas eleições legislativas foi uma oportunidade perdida para falar de habitação. O problema da habitação desapareceu da agenda, não foi debatido publicamente e já não é bandeira de nenhuma campanha. Se nos debates para as eleições autárquicas nos fizeram acreditar que a habitação tinha chegado para ficar enquanto tema central, os debates para as legislativas deitaram por terra essa esperança. Não é por acaso: quem não tem verba fala do tema, quem tem prefere não ir por aí. Mas vejamos algumas propostas.

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O período que antecedeu estas eleições legislativas foi uma oportunidade perdida para falar de habitação. O problema da habitação desapareceu da agenda, não foi debatido publicamente e já não é bandeira de nenhuma campanha. Se nos debates para as eleições autárquicas nos fizeram acreditar que a habitação tinha chegado para ficar enquanto tema central, os debates para as legislativas deitaram por terra essa esperança. Não é por acaso: quem não tem verba fala do tema, quem tem prefere não ir por aí. Mas vejamos algumas propostas.

As políticas das últimas décadas construíram uma sociedade de proprietários. No entanto, mais de um terço dos proprietários vive com uma falsa sensação de segurança, pagando mensalmente, sob pena de perder a casa, uma prestação ao banco. Segundo os resultados preliminares dos Censos 2021, cerca de 57% dos agregados têm encargos mensais com a habitação, como renda ou pagamento de empréstimo, ou vivem de favor, não tendo garantido o direito à habitação. Isto é importante no sentido de enquadrarmos propostas como o apoio à compra da primeira casa, uma medida desenhada para os jovens, pelo CDS-PP, PSD e Livre. No entanto, num mercado desregulado e com o trabalho cada vez mais precarizado, o apoio à compra vai endividar muitos jovens, ao mesmo tempo que limita muitos mais que não conseguem aceder a esta medida. Principalmente, foram políticas como esta que nos trouxeram até aqui, individualizando o problema e permitindo a manutenção da habitação como um activo financeiro e especulativo.

Outra proposta tende a ser o aumento da verba para apoios à renda, como o Porta 65. Apesar de “aumento da verba” parecer, à partida, positivo, estes programas têm um papel fundamental na manutenção do problema de acesso à habitação digna. Ao pagarem ao senhorio uma parte da renda que o inquilino não tem capacidade de suportar, estão a garantir o seu lucro, ao mesmo tempo que não exigem contrapartidas, como condições de habitabilidade ou salubridade, nem contribuem para a diminuição dos preços das rendas. No mesmo sentido, políticas como o PAA, demonstram a contradição entre cumprir um direito constitucional e manter o estado actual das coisas. Estes programas não vão resolver o problema, porque praticam rendas de acordo com o preço de mercado e não de acordo com os rendimentos dos agregados, continuando a promover a expulsão dos mais vulnerabilizados. Principalmente, o Estado não pode tirar vantagem da sua existência para praticar estas rendas em habitação pública.

Tal como na educação ou na saúde, não se pode estar à espera de que quem tem a lucrar com a desgraça dos outros faça alguma coisa no sentido de garantir direitos. O Estado não pode estar à espera que sejam os bons senhorios a resolver o problema da habitação, não lhes compete nem estão interessados. Assim, é necessário um forte investimento em habitação pública – proposta transversal nos partidos à esquerda. Mas é preciso ir mais longe: as rendas praticadas devem ser calculadas em função dos rendimentos do agregado e o problema deve começar a ser resolvido para quem mais sofre com ele. Propostas como o aumento do parque público para rendas acessíveis não contribuem para a resolução do problema, sendo os resultados principais a manutenção da habitação enquanto mercadoria e a sua contínua especulação. Em suma, não se pode querer ter o bolo (manter as rendas elevadas) e comê-lo (cumprir um direito constitucional).

Parece que toda a esperança está depositada no PRR. Mas o PRR será insuficiente. No que toca à habitação, este Plano teria de extravasar os limites temporais da pandemia e estar assente na vontade de dar resposta a problemas que já têm décadas. A Recuperação poderia centrar-se no Estado recuperar para si os sectores estruturais da sociedade, deixando de ter um papel activo na manutenção dos lucros privados. A Resiliência, por outro lado, é a mais presente. São resilientes as famílias em sobrelotação, as crianças com problemas de saúde resultantes das condições da habitação, as famílias que foram expulsas das suas casas. São resilientes as famílias em lista de espera por habitação pública e as outras tantas que ainda não conseguiram entrar na lista, os portugueses que passam frio em casa, os que estão sob ameaça de despejo, os que gastam 40 ou 50% do seu rendimento na renda, os que não tem condições de salubridade. São resilientes os que se encontram em situação de sem abrigo. É essencial revogar a “Lei Cristas”, a lei dos despejos, acabar com os Vistos Gold, limitar o alojamento turístico e começar com os fundos do PRR a aumentar massivamente o parque público de habitação.

Nenhuma destas propostas concretas foi discutida no espaço público. A campanha, reduzida ao espectáculo, falha a quem mais precisa de representação, falha em trazer para cima da mesa temas quotidianos, que afectam a vida e a saúde de tantas pessoas. Falha, por não sabermos, ou não existirem, as propostas de resolução para os problemas de habitação, um direito fundamental para o cumprimento de tantos outros.