“É possível e desejável diminuir” o número de funcionários públicos
O presidente da CIP, António Saraiva, desafia o próximo governo a ter “coragem” de fazer três reformas essenciais, sendo uma dela a da administração pública para libertar verbas para a redução de impostos. E deixa também um apelo a Marcelo: que exija entendimento entre PS e PSD na próxima legislatura.
António Saraiva, presidente da CIP (Confederação Empresarial de Portugal), vai entregar esta semana aos partidos o caderno reivindicativo do Conselho Nacional das Confederações Patronais, que contém três reformas, a fiscal, a da Justiça e a da função pública. Em entrevista ao PÚBLICO-Renascença, que pode ouvir esta quinta-feira a partir das 23h, o patrão dos patrões critica ainda António Costa por ter sido “fundamentalista” na antecipação do fecho das centrais a carvão e defende a captação de mais imigração para resolver o problema da falta de mão-de-obra em Portugal.
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António Saraiva, presidente da CIP (Confederação Empresarial de Portugal), vai entregar esta semana aos partidos o caderno reivindicativo do Conselho Nacional das Confederações Patronais, que contém três reformas, a fiscal, a da Justiça e a da função pública. Em entrevista ao PÚBLICO-Renascença, que pode ouvir esta quinta-feira a partir das 23h, o patrão dos patrões critica ainda António Costa por ter sido “fundamentalista” na antecipação do fecho das centrais a carvão e defende a captação de mais imigração para resolver o problema da falta de mão-de-obra em Portugal.
Ouviram-se algumas promessas de alívio fiscal nesta campanha, mas são credíveis?
Têm de ser: a reforma fiscal, a par da reforma da Justiça e da administração pública. São três reformas que temos exigido e continuaremos a exigir em sede de Concertação Social. Se tivermos como política a redução de despesa e gerarmos com isso uma folga orçamental que permita o alívio fiscal, sim, é credível, mas não pode passar de promessa vã.
É preciso dar um sinal aos empresários. Que sinal seria esse?
Um sinal de alívio e previsibilidade fiscal. Tão importante quanto a diminuição da carga fiscal para famílias e empresas é que ela seja previsível. A reforma do IRC aprovada no tempo de Passos Coelho foi lamentavelmente interrompida. Não pedimos milagres. Não pedimos redução do IRC de 21% para 17% numa legislatura. Pedimos uma sinalização, como a eliminação de uma das derramas, quer a estadual, quer a municipal.
Fala numa poupança no Estado. Em que sectores acha que há desperdício?
Estamos a falar da reforma da administração pública. Nestas duas legislaturas, entraram para a administração pública 60 mil pessoas. Porque não dotamos a administração pública de maior eficiência, porque não compensar, com os departamentos onde temos pessoas a mais, os que têm pessoas a menos? Há que fazer este balanceamento onde existem funcionários a mais e funcionários a menos. Chegaremos seguramente à conclusão de que hoje, com as ferramentas digitais disponíveis, é possível e desejável diminuir a dimensão dos recursos humanos.
Dispensando funcionários públicos?
Se, depois da harmonização e equilíbrio dos recursos humanos através de toda a administração pública, chegarmos à conclusão de que temos recursos humanos públicos a mais, tal como nós temos feito nas nossas empresas, na iniciativa privada, temos de os optimizar, libertando o Estado. Nas empresas privadas, quando há excesso de colaboradores por redução da despesa, ou outros, faz-se despedimentos colectivos. O Estado não pode deixar de ser diferente. A despesa do Estado são os nossos impostos.
Mas é difícil despedir na administração pública.
Não houve até agora a coragem política de o assumir. No Governo de Passos Coelho, chegou a haver um guião da reforma do Estado, mas não passou disso, de um guião. Estamos, governo após governo, a carrear para a administração pública uma quantidade de recursos humanos que vão permanecendo, muitos deles até em cargos de confiança política que se vão sempre arranjando. Com isto, não estou a dizer que não existam sectores como a Saúde e a Educação com falta de pessoas. A reforma da administração pública tem de ser feita pelos próprios. Não vale a pena treinadores de bancada. Os serviços, melhor do que ninguém, têm conhecimento de como ela pode ser feita. É a isso que apelamos, a que haja uma racionalidade dos meios e que a administração pública seja repensada. Para isso, é exigível a coragem que até agora nenhum governo demonstrou ter, porque isso inevitavelmente custa votos. A solução está saturada, a carga de impostos é insustentável. Há que reduzir a despesa. Tenho comigo o trabalho que, nós, Conselho Nacional das Confederações Patronais, vamos entregar aos partidos políticos – aquilo que deviam ser os desafios a incorporar pelos partidos e pelo governo que se venha a formar. O conjunto de questões passa por tudo isto. O país tem de crescer e o crescimento não se gere com uma varinha mágica, mas com corajosas terapias.
Falou em corajosas terapias. Pode dar mais exemplos?
É isto que vos estou a dizer. Quando o Governo de Passos Coelho fez aquele brutal aumento de impostos, lembramo-nos bem de como o PS, que estava na oposição, dizia que “isto era impossível”, “era uma carga terrível, desumana”, “não era aceitável”. Surpreendentemente, quando chega ao Governo, o brutal aumento de impostos não teve uma brutal redução dos mesmos.
Uma das propostas que têm sido discutidas é a semana de quatro dias, que faz parte do programa eleitoral do PS. A CIP já disse frontalmente que é contra, mas algumas experiências feitas em empresas mostram que a produtividade dos trabalhadores até aumentou. Acha que as empresas portuguesas ainda não estão preparadas para discutir este assunto?
A legitimidade que a CIP tem para se opor hoje à semana de quatro dias advém de termos sido a única entidade em sede de Concertação Social que apresentou um estudo sobre a conciliação entre trabalho e família. Ao dia de hoje, essa medida é apenas uma medida com carácter eleitoral. O líder do PS já disse não estar convencido de que vai aplicar essa medida de imediato, se for governo. Há sectores de actividade, multinacionais nas áreas dos serviços e tecnológicas, que já hoje podem fazer isso e que têm teletrabalho. É útil até em algumas situações. Mas há diferentes dimensões no mundo do trabalho. Portanto, temos de ir incorporando essas dimensões, sem dúvida, mas adequando o tempo à realidade da vida. Uma coisa são serviços administrativos, outra uma fábrica. Um dos desafios que Portugal tem pela frente é a falta de mão-de-obra. Se temos falta, como é que vamos reduzir a carga horária? Vamos ser sérios.
Por causa da pandemia, o absentismo está a diminuir a produtividade das empresas. Que medidas podem ser postas em prática?
Hoje, há uma atitude perante o trabalho de algum laxismo, de algum medo de estar no trabalho, quando não é o local de trabalho que mais permite a contaminação.
Está a dizer que as pessoas têm medo de ir trabalhar? É por isso que fala em laxismo?
Há um medo, como se o local de trabalho fosse o único ponto de infecção desta pandemia. Arriscaria até dizer que aos postos de trabalho são dos locais mais seguros, pelas regras que têm de cumprir. Há um medo exagerado. Estamos a lutar contra um absentismo que não tem contornos palpáveis e, por isso, as terapias não são objectivas. Como noutros países, devia haver uma abertura maior [perante as exigências de combate à covid-19].
Já houve um alívio das regras.
Mas não comparado com outras geografias. Podíamos passar dos sete para cinco dias de isolamento, levantar mais as exigências, como o Reino Unido. Temos de encontrar formas diferentes de trazer ao mundo do trabalho aqueles que se estão a afastar com medo da pandemia e com uma atitude de maior laxismo. A falta de mão-de-obra indiferenciada é enorme, devíamos ter uma política de captação de imigração. O Estado devia encontrar uma legislação bem definida para captação de imigração. A falta de mão-de-obra é um problema para a retoma e para o crescimento económico que desejamos.
A solução não é aumentar o salário? É ir buscar imigrantes?
É aí que eu quero chegar. Temos de ter uma política salarial sustentável e por isso defendemos em sede de Concertação Social um acordo de competitividade e rendimentos, que assente em factores concretos, como ganhos de produtividade, crescimento económico, inflação, e não por decreto. Os salários não podem ser definidos por decreto.
Em Portugal, sabemos que vai haver perda de poder de compra, porque não vamos ter um aumento dos salários superior à inflação.
Na administração pública, admito que essa afirmação seja verdadeira, porque o Governo tem dois pesos e duas medidas. Diz que os indicadores macroeconómicos não lhe permitem subir os funcionários públicos mais do que os 0,9% da inflação, mas aumenta o salário mínimo por decreto em 6%. E esse aumento tem um efeito de arrastamento das tabelas salariais das empresas; por isso, a massa salarial será superior à inflação. O poder de compra será compensado pelos aumentos salariais. Os salários estão a evoluir de uma forma que os sindicatos não querem reconhecer, mas que a realidade concreta demonstra.
As regras do teletrabalho entraram em vigor a 1 de Janeiro. Como é que as novas regras estão a ser aplicadas pelas empresas? Quais os principais problemas identificados?
Não temos identificado grandes problemas. O teletrabalho já estava regulamentado. Já tínhamos esse instrumento à disposição das empresas, aquelas que podem utilizar essa figura. Só é possível em trabalhos administrativos. É impossível em ambiente fabril. A pandemia veio exponenciar a sua utilização. Não podemos é permitir abusivas utilizações de uma e de outra parte. Esta questão de as empresas terem de suportar acréscimos de custos é mais ideológica do que prática – as empresas já vinham fazendo isso, por exemplo, até disponibilizando cadeiras ergonómicas para casa.
Mas é bom haver regras claras para todos.
É bom que, por bom senso e em diálogo entre trabalhadores e empregadores, se encontrem as melhores práticas.
Há empresas que, para evitar a conflitualidade, estão a pagar um valor fixo acordado com os trabalhadores. Tem havido mais conflitualidade?
Não, não temos esse registo. O bom senso impera.
Em Outubro, alertava que os critérios exigidos às empresas para recorrerem à linha Retomar iriam abranger apenas 10% dos CAE [códigos de actividade económica]. Isso tem-se vindo a confirmar?
Confirmou-se. Lamentavelmente, o Governo nas ajudas à economia sai muito mal na comparação com outros Estados-membros. França e Grécia disponibilizaram 7% e Portugal 3%. As ajudas, que vieram tarde, foram insuficientes na dimensão e com formulários tão complexos que a tipologia de empresas que temos precisavam de ter uma ou duas pessoas dedicadas à leitura, interpretação e preenchimento dos formulários para puderem aceder. Quando conseguiam fazer isso, já levavam com dois ou três meses de perda de receita. A burocracia asfixia-nos. Neste caso, devíamos agir primeiro e exigir depois.
Podemos estar à beira de uma crise energética, devido ao conflito entre a Rússia e a Ucrânia? Os partidos portugueses estão a passar ao lado desta questão?
Nesta campanha, não ouvi até agora nenhuma preocupação nesse sentido da mesma maneira que não tenho ouvido nenhuma preocupação com a pressão inflacionista e o que isso pode trazer a acréscimo de juros e de dívida pública ao Estado, famílias e empresas – o que é pena e lamento. Nós estamos com a tempestade perfeita. Estas tensões geopolíticas – e não é apenas a Ucrânia, é também a guerra comercial China-EUA e China-Taiwan – vão condicionar todas as realidades das commodities, desde logo a energia, quer eléctrica, quer no gás natural. Este aumento brutal nestas duas componentes – estamos a falar de 400% de aumento de um contrato de um mês para o outro – não se consegue incorporar nas empresas, em termos dos preços que praticam nos seus produtos ou serviços.
Ao nível da energia temos medidas a muito curto prazo. Devíamos ter medidas pensadas a longo prazo?
Sim, devíamos. Temos duas realidades irreconciliáveis. Por causa da necessidade de descarbonização, fechámos o Pego e Sines sem cuidar de saber se o momento era o adequado. O mundo tem de ser mais verde, mas o mundo é assimétrico. Temos a China a apostar nas centrais em carvão, dentro do espaço europeu alguns países que as mantêm, temos a posição dominante da França, que assenta muito no nuclear e não permite que a nossa energia verde passe para além dos Pirenéus. Temos de ter cuidado nos timings de execução das nossas estratégias.
O Governo foi ingénuo ao antecipar o fecho dessas centrais a carvão?
Não, foi demasiado fundamentalista. As metas estão exageradas. Enquanto um bloco económico, a Europa, quer descarbonizar até 2050, a China pede mais x anos e a Índia também... Vamos lá racionalizar. Isto trata-se, no final, do jogo também de competitividade das nações. Quando tenho a energia eléctrica, fruto das minhas opções, a um determinado preço, e outros, fruto de outras opções, a têm a custos muito menores, isso é um factor de competitividade.
O nuclear deve ser uma opção para Portugal?
Não teremos condições para isso. Defendo uma progressão na descarbonização, não nego o nuclear, mas não podemos é ser fundamentalistas. Acabamos por comprar energia obtida por nuclear a França, quando não a queremos, e queremos energia eólica e das ondas do mar. Isto reflecte-se na nossa competitividade. As nossas empresas têm factores de produção comparáveis com outras geografias? Constato que assim não é por opções que não digo que sejam erradas – são é desfasadas no tempo em comparação com outras geografias.
É defensor de um bloco central, de um acordo de incidência parlamentar PS-PSD. Costa admitiu governar à Guterres. Ora isso é navegar à vista. Como viu essa declaração?
Curiosamente, vi como alguma alteração positiva da parte do secretário-geral do PS. Entre as primeiras afirmações de que não negociaria com o PSD e agora em que diz que vai governar à Guterres com aqueles que aceitem negociar esta ou aquela lei, já admite todos e não exclui nenhum. Vejo nisso um avanço. Gostava que próximo Parlamento tivesse condições para suportar um governo reformista para fazer as tais três reformas que referi. Defendo que o partido vencedor deve formar governo e que o segundo partido deve dar-lhe condições, um acordo de incidência parlamentar, para suportar as reformas que têm de ser feitas, e o Presidente da República deveria exigir esse acordo. O Parlamento tem de dar apoio e tempo a um governo que promova as reformas de que o país necessita.
Em termos políticos, isso não daria mais palco à extrema-direita para ser a principal oposição?
Não. Os que são contra o bloco central dizem isso. Mas o BE e o Chega cresceram com o bloco central? Não tivemos bloco central nestes últimos anos e, no entanto, os extremos cresceram. Crescimento por crescimento, prefiro então ter o bloco central.