A angústia dos precários do Estado em época de eleições
É importante sublinhar que os precários do Estado são talvez o único grupo de profissionais duplamente amaldiçoados: para além da instabilidade económica e consequente impossibilidade de construção de uma carreira a longo prazo, estes trabalhadores têm de se sujeitar ao constante jogo de cadeiras do sector público.
Um trabalhador que exerça actividade de forma autónoma é chamado pelo Estado de “trabalhador independente”, pela sociedade de “recibo verde” ou ainda por alguns pseudo-empresários de “tarefeiro”.
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Um trabalhador que exerça actividade de forma autónoma é chamado pelo Estado de “trabalhador independente”, pela sociedade de “recibo verde” ou ainda por alguns pseudo-empresários de “tarefeiro”.
A própria definição deste tipo de actividade evidencia que, até a um determinado ponto, é expectável que estes trabalhadores tenham algum grau de instabilidade profissional. Contudo, nós sabemos que o buraco é bem mais em baixo. Principalmente para os recibos verdes que trabalham quase sempre de forma ilegal para o próprio Estado – os chamados “precários” ou “falsos recibos verdes”.
É certo que as más condições de trabalho em Portugal, os baixos salários e a escassa protecção social que o país oferece aos seus trabalhadores têm impactos negativos na vida de todos os tipos de profissionais. Nada obstante, é importante sublinhar que os precários do Estado são talvez o único grupo de profissionais duplamente amaldiçoados: para além da instabilidade económica e consequente impossibilidade de construção de uma carreira a longo prazo, estes trabalhadores têm de se sujeitar ao constante jogo de cadeiras do sector público.
E se nos focarmos na alternância política causada pelas eleições – imprescindível, aliás, para o bom funcionamento da nossa democracia – e no aumento do número de trabalhadores precários a trabalhar para o Estado, poderemos inferir que, sempre que existem mudanças no poder político, haverá sempre uma parcela significativa de precários despedidos. Mesmo que sejam trabalhadores exclusivamente técnicos e mesmo que tenham mais anos de casa do que muitos dos funcionários dos quadros, estes trabalhadores são frequentemente os primeiros a serem descartados – principalmente quanto mais próximo dos anteriores poderes tiverem trabalhado.
A título de exemplo, sempre trabalhei em paralelo para algumas entidades públicas e, mais recentemente, para uma das juntas de freguesia da capital, onde tive o desprazer de presenciar o despedimento e afastamento colectivo de uma equipa técnica, entre outros profissionais também precários.
Ora, na impossibilidade destas demissões serem oficialmente justificadas por “falta de confiança política”, como é possível fazer no caso dos cargos políticos (Ministros, Secretários de Estado, etc.), o argumento muitas vezes usado para a dispensa destes profissionais técnicos é sempre oco, arbitrário e um tanto tirânico. Percebe-se posteriormente o porquê das decisões infundadas, quando estes trabalhadores se vêem substituídos por pessoas próximas ou do mesmo partido dos novos eleitos.
Tratam-se, em suma, de despedimentos políticos de trabalhadores técnicos. E é assim que, em época de eleições, muitos dos que trabalham a recibos para o Estado passam a fazer parte do elenco de uma verdadeira anedota moral, que muitas vezes acaba em tragédia kafkiana. O sentimento de angústia é conduzido pela sensação de desemprego iminente, como uma espada que paira sobre a cabeça destes profissionais, presa ao tecto apenas por um fio de crina de cavalo.