Campanha Eleitoral: 10 - Cultura: 0
Nada do que nos prometem nesta campanha eleitoral faz sentido sem um discurso sobre a cultura!
Depois de várias semanas de debates televisivos entre partidos e após uma primeira semana de campanha eleitoral em que o tema da cultura esteve totalmente ausente, é inaceitável que este permaneça um assunto completamente marginal ao debate eleitoral e, consequentemente, ao debate sobre o futuro do país. O que ainda é mais grave é que igualmente ausentes deste debate estejam a educação e a ciência, outros alicerces do nosso futuro e que, salvo raras excepções, não interessam aos actores políticos que nos ambicionam governar. Estes perdem-se em debates de estratégia, acusações sobre factos menores, sound bites sensacionalistas, e ausentam-se da discussão sobre o que importa: o modelo de país que queremos construir no enquadramento global desafiante em que estamos inseridos. Esta tem sido uma campanha sem sonho, sem devir.
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Depois de várias semanas de debates televisivos entre partidos e após uma primeira semana de campanha eleitoral em que o tema da cultura esteve totalmente ausente, é inaceitável que este permaneça um assunto completamente marginal ao debate eleitoral e, consequentemente, ao debate sobre o futuro do país. O que ainda é mais grave é que igualmente ausentes deste debate estejam a educação e a ciência, outros alicerces do nosso futuro e que, salvo raras excepções, não interessam aos actores políticos que nos ambicionam governar. Estes perdem-se em debates de estratégia, acusações sobre factos menores, sound bites sensacionalistas, e ausentam-se da discussão sobre o que importa: o modelo de país que queremos construir no enquadramento global desafiante em que estamos inseridos. Esta tem sido uma campanha sem sonho, sem devir.
Como se pode reduzir o debate a pouco mais do que a economia, quando, num tempo de acelerada digitalização e conhecimento, esta está totalmente dependente da qualificação do factor humano? O futuro está na qualificação do utilizador e não na distribuição da ferramenta tecnológica – a máquina mais perfeita e complexa é a nossa mente e a sua leveza, tal como Italo Calvino nos lembra nas suas Seis Propostas para o Próximo Milénio.
Considero a cultura como um fim em si mesmo, a nossa matriz identitária. Aproxima-nos, eleva-nos, e ajuda-nos a cruzar as nossas diferenças – é a cola de que necessitamos num mundo fracturante. Mas devemos entender que, num país pleno de oportunidades, só as conseguiremos aproveitar e, consequentemente, construir o nosso desenvolvimento, se tivermos uma população culta e qualificada, e esta deveria ser uma das maiores preocupações de um debate eleitoral que pretende ser o debate sobre o nosso futuro.
É justamente nesta qualificação do potencial humano que a cultura profundamente actua. Na assertividade do cidadão e no estimular da iniciativa. Na apetência pelos valores da cidadania e pela coragem civil. Na capacidade de argumentação, na escuta activa e no respeito pelo outro. Na capacidade de antevisão dos problemas, chave de qualquer boa gestão, bem como na eficaz solução dos mesmos. E, em geral, na descodificação da complexidade de uma sociedade, onde a economia é uma teia inteligente e onde apenas o conhecimento de pouco serve sem uma componente criativa.
É aqui que reside o grande problema da cultura, pois, enquanto esta não se constituir como pilar do discurso político, nunca será respeitada, e este facto perpetuará o nosso atraso endémico. Algo que a generalidade dos países de Leste, que têm vindo a ultrapassar o nosso nível económico, cedo entenderam, representando quase todos eles os maiores investimentos na cultura ao nível europeu, sendo Portugal o terceiro mais baixo, a seguir a Chipre e à Grécia (dados do Eurostat).
Não querendo perpetuar o eterno lamento sobre os escassos apoios para a cultura, sinto-me, no entanto, impelido a deixar alguns pensamentos prospectivos sobre o futuro, seja qual for o partido ou partidos que venham a formar governo. Desde já, e pelo que acima referi, é urgente um orçamento muito mais significativo para a cultura, considerando-a objectivo estratégico nacional, e que nos alinhe, pelo menos, com a média europeia.
É essencial valorizar o papel do artista na sociedade, levando até às últimas consequências a implementação plena do Estatuto dos Profissionais da Cultura, uma necessidade premente e posta a nu pelo enorme sofrimento do meio cultural durante a pandemia. Qualquer que seja a cor política da futura governação, este deve ser um desígnio incontornável, um diploma que, inclusivamente, necessita de ser revisto e aperfeiçoado.
É igualmente premente a implementação, avaliação e reforço da actual linha de apoio à Rede de Teatros e Cineteatros Portugueses, autêntica mudança de paradigma no apoio às artes, lançada no passado ano, pondo finalmente a funcionar o maior investimento público na cultura das últimas décadas, uma gigantesca intervenção em mais de 100 equipamentos reconstruídos ou concebidos de raiz. É nestes equipamentos que deve assentar uma boa parte da política cultural das nossas cidades de pequena e média dimensão. O seu impacto na qualidade de vida, desenvolvimento económico e coesão social dos territórios, sobretudo do interior do país, representa uma imensa oportunidade.
É essencial que o próximo executivo, seja ele qual for, mantenha a estabilidade nas políticas culturais, compreendendo que são conquistas de um sector e não apenas do executivo A ou B. Na realidade, até temos um sistema de apoio às artes que é relativamente equilibrado, com procedimentos legais que o enquadram, mas que frequentemente é alterado pelas sucessivas governações. Para além de um enorme subfinanciamento que gera salários e condições de criação deploráveis, o maior problema é a sua implementação, a começar pelos prazos de concursos, que o Estado raramente respeita, e a sua carga burocrática. Em todas estas áreas foram feitos importantes progressos, de que é exemplo a possibilidade de os apoios sustentados às artes serem renovados (o que responsabilizará as estruturas mais sólidas perante as mais frágeis), pelo que, na hora da mudança legislativa, estes progressos não devem ser postos em causa.
Muito haveria para dizer, desde uma profunda revisão da Lei do Mecenato, que a tornasse efectiva para os que dela necessitam. Ou sobre a importância da mediação cultural e da relação regular da cultura com o ensino. Ou sobre as ferramentas para a internacionalização, não só nos grandes circuitos de difusão mundial, mas também nos países de língua oficial portuguesa. Ou ainda sobre a autonomia dos museus, a recuperação do património, dotando-o de projectos dinâmicos, a utilização dos fundos do PRR, etc..
A lista é interminável e a tarefa hercúlea, mas, para que haja mudança, é essencial escutar profundamente cada sector, ouvir os seus anseios e entender as suas propostas. algo que possibilitará orientar os recursos para onde eles são mais pertinentes.
Nada do que nos prometem nesta campanha eleitoral faz sentido sem um discurso sobre a cultura!