Thich Nhat Hanh não morreu
Autor, professor e activista da paz, o monge budista vietnamita escreveu cerca de sete dezenas de livros. Foi um dos mestres Zen mais influentes do mundo, morreu no sábado, tinha 95 anos.
Thich Nhat Hanh (pronuncia-se tik nyaht hahn), um monge budista vietnamita que se tornou um dos mestres Zen mais influentes do mundo, cumpriu, no passado sábado, a grande transição dos budistas, comummente designada como “morte”.
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Thich Nhat Hanh (pronuncia-se tik nyaht hahn), um monge budista vietnamita que se tornou um dos mestres Zen mais influentes do mundo, cumpriu, no passado sábado, a grande transição dos budistas, comummente designada como “morte”.
Para os budistas, a morte é, mais do que uma ocasião natural da vida, uma experiência muito importante e sobre a qual reflectem, confrontando-se a si próprios com a perspectiva da mesma, minimizando o sofrimento que daí advém. Contudo, sendo a morte inevitável, os budistas nenhuma utilidade encontram em preocuparem-se com o epílogo da vida. Até porque não o encaram como um epílogo, mas uma transição para a reencarnação.
Sua Santidade, o XIV Dalai Lama, designa, no prefácio do The Tibetan Book of Living and Dying (O Livro Tibetano do Viver e do Morrer), no tom descontraído que o caracteriza, a morte como uma “troca de roupas velhas e usadas e não um destino final”. Neste mesmo livro, o autor, Sogyal Rinpoche, escreve, logo na página 24 de um manuscrito com 446, uma frase que abre espaço a uma reflexão profunda sobre o que fazemos a cada dia: “O que quer que tenhamos feito com as nossas vidas faz de nós aquilo que somos quando morremos. E tudo, absolutamente tudo, conta.”
Thich Nhat Hanh tinha 95 anos, foi autor, professor e activista da paz. Escreveu cerca de sete dezenas de livros, pelo que é impossível resumir o seu contributo enquanto pensador. Todavia, temos a possibilidade de homenageá-lo e à sua obra dedicando alguns momentos a reflectir sobre dois dos temas mais proeminentes da sua obra: a morte e a atenção no momento presente.
“Nascimento e morte são apenas noções”, escreveu Thich Nhat Hanh no livro No Death, No Fear (Sem Morte, Sem Medo). E justifica: “Não são reais. O Buda ensinou-nos que não há nascimento, não há morte, não há vinda, não há ir, não há o mesmo, não há diferente, não há eu permanente, não há aniquilação. Só pensamos que existe.”
Este entendimento, acrescentou, pode libertar as pessoas do medo e permitir-lhes “desfrutar da vida e apreciá-la de uma nova forma”. Como? Através da atenção, dirigindo “a energia de estar consciente e desperto para o momento presente”.
O presente. A única coisa, além das memórias — sendo que estas nunca são uma réplica do momento original, mas uma reconstrução que acontece, lá está, no presente —, que verdadeiramente temos. Tudo o resto não existe.
Podemos tentar prever, planear, imaginar, o que quisermos, mas não existe. Só existe o que temos. Hoje, agora, no instante em que lê estas linhas. Esquecemo-nos disto até ao momento em que um susto nos mostra como tudo é precário e instável, e que apesar disso vivemos obcecados com o que não podemos controlar, pouco valorizando o que temos, queixando-nos a toda a hora do que não temos. Valerá a pena?
“Se não somos nós próprios plenamente, verdadeiramente no momento presente, sentimos falta de tudo”, diz-nos Thich Nhat Hanh no livro A Paz é Cada Passo.
Jornalista, palestrante e autor dos livros O Sofrimento Pode Esperar (2016, Ed. Albatroz) e Quantas vidas temos? (2019, Coolbooks)