A Imprensa como Fonte para a História da Interpretação Musical recorre a quanto se escreveu sobre música na imprensa para, através dela, escrutinar a aspectos da vida musical. O género de revisitação intensa que aqui se faz, se fosse hoje aplicado a Portugal, e às primeiras décadas do século XXI, encontraria matéria bem escassa e árida, já que a música deixou ter nos jornais uma presença quotidiana, atenta e complexa, como neste livro se evidencia para eras passadas. Aqui os autores servem-se do que sobre música se escreveu na imprensa especializada no fim do séc. XIX e início do séc. XX para nos oferecerem uma visão de alguns aspectos da vida musical daqueles anos. Depois do 25 de Abril, a presença de críticas e de artigos sobre música foi diminuindo progressivamente, deixou de merecer atenção regular na imprensa diária e os periódicos musicais deixaram de existir. Está-se a perder o registo histórico de quanto se ouviu e de como foi recebido, tendo a imprensa deixado de ser, para futuros historiadores, uma fonte de interpretação musical. E é um dano grave. Não só para o futuro, mas para já, pois interrompe uma forma de diálogo fundamental entre quem seguiu os concertos ao vivo e quem deles tem notícia pela leitura de comentários na imprensa. Para bem se medir as consequências da ponte que está a ruir, basta pensar no que seria a vida desportiva sem a avalanche de comentários que a acompanham. Esta ausência da música como escolha redactorial é quase inexplicável, embora se possa aceitar que uma das causas esteja na abundância de crónica política, que veio agora a ocupar todas as páginas. Multiplicaram-se os concertos, a educação musical e a formação artística consolidaram-se e expandiram-se por todo o país, nas universidades e nos politécnicos os estudos musicais cresceram, as escolas profissionais de música são uma realidade viva, pode supor-se mais elevado o nível cultural da população, implicando maior interesse pela artes, ou seja, foram criadas as condições para a emergência de um público de leitores potencial, que fica frustrado por não encontrar na imprensa um espelho da intensa vida musical que se vai construindo, e não só em Lisboa e no Porto. Dir-se-ia que os jornais não precisam destes leitores. Para já pode afirmar-se que esta menor atenção escamoteia a importância da música na nossa sociedade. Enquanto não se encontra uma resposta, debrucemo-nos sobre este livro, que consagra a imprensa como fonte imprescindível para a história da vivência musical de uma cidade, de um país. O livro inclui estudos de casos em Portugal, em Espanha e no Brasil. Por razões de brevidade, concentro-me sobre Portugal. A primeira imagem que os artigos nos dão é a de uma intensa actividade musical, apesar dos anos turbulentos, incluindo duas guerras mundiais. O título do texto de Luís M. Santos é o seguinte: “Essas mãos são elas próprias, um poema sinfónico: o discurso sobre a direcção de orquestra em Lisboa nas décadas de 1910 e 1920.” Nesses anos, os concertos das orquestras dirigidas por Pedro Blanch e David de Sousa geraram grandes entusiasmos entre os lisboetas, que tomavam forte partido por uma ou por outra orquestra, passando mais tarde a disputa a ser entre os adeptos de Blanch e os de Viana da Mota. Sucessivamente, a partir de 1928, os concertos dirigidos por Pedro de Freitas Branco geraram idênticas adesões fervorosas. Todo este empenho na vida musical era bem reflectido na imprensa. Esta abundância de concertos sinfónicos é seguida pelo autor para evidenciar a conquista progressiva do público de Lisboa pela música sinfónica, então até pouco seguida, mostrando como a crítica se adaptou na formulação dos seus juízos, renovando a linguagem de então de que se servia para a recensão dos espectáculos operáticos, que eram até aí o principal objecto dos seus comentários.
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A Imprensa como Fonte para a História da Interpretação Musical recorre a quanto se escreveu sobre música na imprensa para, através dela, escrutinar a aspectos da vida musical. O género de revisitação intensa que aqui se faz, se fosse hoje aplicado a Portugal, e às primeiras décadas do século XXI, encontraria matéria bem escassa e árida, já que a música deixou ter nos jornais uma presença quotidiana, atenta e complexa, como neste livro se evidencia para eras passadas. Aqui os autores servem-se do que sobre música se escreveu na imprensa especializada no fim do séc. XIX e início do séc. XX para nos oferecerem uma visão de alguns aspectos da vida musical daqueles anos. Depois do 25 de Abril, a presença de críticas e de artigos sobre música foi diminuindo progressivamente, deixou de merecer atenção regular na imprensa diária e os periódicos musicais deixaram de existir. Está-se a perder o registo histórico de quanto se ouviu e de como foi recebido, tendo a imprensa deixado de ser, para futuros historiadores, uma fonte de interpretação musical. E é um dano grave. Não só para o futuro, mas para já, pois interrompe uma forma de diálogo fundamental entre quem seguiu os concertos ao vivo e quem deles tem notícia pela leitura de comentários na imprensa. Para bem se medir as consequências da ponte que está a ruir, basta pensar no que seria a vida desportiva sem a avalanche de comentários que a acompanham. Esta ausência da música como escolha redactorial é quase inexplicável, embora se possa aceitar que uma das causas esteja na abundância de crónica política, que veio agora a ocupar todas as páginas. Multiplicaram-se os concertos, a educação musical e a formação artística consolidaram-se e expandiram-se por todo o país, nas universidades e nos politécnicos os estudos musicais cresceram, as escolas profissionais de música são uma realidade viva, pode supor-se mais elevado o nível cultural da população, implicando maior interesse pela artes, ou seja, foram criadas as condições para a emergência de um público de leitores potencial, que fica frustrado por não encontrar na imprensa um espelho da intensa vida musical que se vai construindo, e não só em Lisboa e no Porto. Dir-se-ia que os jornais não precisam destes leitores. Para já pode afirmar-se que esta menor atenção escamoteia a importância da música na nossa sociedade. Enquanto não se encontra uma resposta, debrucemo-nos sobre este livro, que consagra a imprensa como fonte imprescindível para a história da vivência musical de uma cidade, de um país. O livro inclui estudos de casos em Portugal, em Espanha e no Brasil. Por razões de brevidade, concentro-me sobre Portugal. A primeira imagem que os artigos nos dão é a de uma intensa actividade musical, apesar dos anos turbulentos, incluindo duas guerras mundiais. O título do texto de Luís M. Santos é o seguinte: “Essas mãos são elas próprias, um poema sinfónico: o discurso sobre a direcção de orquestra em Lisboa nas décadas de 1910 e 1920.” Nesses anos, os concertos das orquestras dirigidas por Pedro Blanch e David de Sousa geraram grandes entusiasmos entre os lisboetas, que tomavam forte partido por uma ou por outra orquestra, passando mais tarde a disputa a ser entre os adeptos de Blanch e os de Viana da Mota. Sucessivamente, a partir de 1928, os concertos dirigidos por Pedro de Freitas Branco geraram idênticas adesões fervorosas. Todo este empenho na vida musical era bem reflectido na imprensa. Esta abundância de concertos sinfónicos é seguida pelo autor para evidenciar a conquista progressiva do público de Lisboa pela música sinfónica, então até pouco seguida, mostrando como a crítica se adaptou na formulação dos seus juízos, renovando a linguagem de então de que se servia para a recensão dos espectáculos operáticos, que eram até aí o principal objecto dos seus comentários.