Preciso mesmo de beber um litro e meio de água por dia?
Como existe sempre uma grande quantidade de pessoas com vontade de perder peso, é normal a preocupação em saber se beber água ajuda a emagrecer ou até uma culpabilização pelo peso actual ser uma das consequências de beber pouco.
Se perguntarmos a alguém qual a quantidade de água que deve beber diariamente, uma boa parte das respostas será o clássico “litro e meio de água por dia”. É mais um mito urbano sobre a alimentação ou é um valor razoável?
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Se perguntarmos a alguém qual a quantidade de água que deve beber diariamente, uma boa parte das respostas será o clássico “litro e meio de água por dia”. É mais um mito urbano sobre a alimentação ou é um valor razoável?
Durante muitos anos, ouviu-se a máxima “se só beberes quando tens sede, já estás desidratado”, o que, de facto, não deixa de ser verdade. Tem de existir um aumento da “concentração” sanguínea correspondente a alguma desidratação para que o nosso hipotálamo desencadeie a sensação de sede. O que também é verdade é que isso ocorre com mudanças ténues de 1 a 2 % de aumento da “concentração” do sangue e tal não acarreta grande prejuízo de nenhum indicador de saúde, o que leva a que beber apenas em resposta a sede seja perfeitamente admissível. Aliás, mesmo a nível cerebral, não retiramos nenhum prazer do acto de beber quando este é feito sem sede.
Mas existem outros factores a considerar. Uma das formas mais práticas de avaliar a nosso estado de hidratação é através da cor da urina, que deverá estar idealmente num amarelo muito claro. Se bebe em resposta à sede e constata que urina poucas vezes ao dia (idealmente, deveria andar nas 5-7 micções diárias, com dois a três litros de volume de urina diário) e numa cor mais escura, então aí já pode ser necessário “forçar” a ingestão de água ou infusões. Isto pode ser particularmente relevante em idosos, dado que o reflexo da sede se vai deteriorando ao longo da idade, tal como a massa muscular e função renal, tendo a desidratação, nesta idade, um impacto muito severo na mortalidade e performance cognitiva.
De resto, a ingestão diária de água também parece estar ligada a uma menor frequência/severidade de dores de cabeça, sendo uma boa prática a adoptar por quem de mais delas se queixa e o mesmo raciocínio se pode aplicar ao risco de cálculos renais, infecções urinárias e à obstipação, onde a junção água + fibra também possui um efeito positivo.
No que diz respeito à hidratação e elasticidade da pele, mesmo que as provas não sejam de grande qualidade, um aumento na quantidade de água parece ser positivo.
As recomendações europeias existentes para a ingestão de fluidos (água como “bebida”, mais a presente nos alimentos) rondam os dois litros para mulheres e 2,5 litros para homens e, se acha que muito dificilmente chega a esses valores diariamente, é importante fazer o seguinte exercício: se comer 500 mililitros de sopa por dia, 300 gramas de legumes e 300 gramas de fruta (equivalente a duas peças), logo aqui já poderá ter quase um litro de água. Mesmo que isto pareça algo ambicioso, se consumir 500 mililitros de leite/bebida vegetal/iogurtes, também aqui terá cerca de 90% de água, o que faz com que grande parte do objectivo diário possa ser atingido, mesmo sem grande ingestão de água isoladamente.
Como existe sempre uma grande quantidade de pessoas com vontade de perder peso, é normal a preocupação em saber se beber água ajuda a emagrecer ou até uma culpabilização pelo peso actual ser uma das consequências de beber pouco. Não tendo calorias, é certo que a água não engordará (não esquecer que “águas com sabores” são, na realidade, refrigerantes), mas poderá diminuir o apetite? De facto, pode. Existem estudos que demonstraram que a ingestão de 300 e 500 mililitros de água antes de uma refeição diminuiu a ingestão calórica subsequente, mas o peso e a idade dos intervenientes pode interferir nos resultados.
Do ponto de vista prático, há dois ensinamentos a retirar daqui: comer sopa (que é basicamente água e legumes) antes das refeições continua a ser um ótimo conselho para perder peso; para quem não tem muita motivação para ingerir água, saber que beber uma boa quantidade antes do almoço e jantar poderá ajudar no emagrecimento é um bom pretexto/estímulo para o começar a fazer. Por outro lado, a preocupação com a água ingerida pode começar a ter um efeito perverso quando:
— se culpabiliza em demasia por não beber a água que deveria;
— bebe demasiada água e começa a ter sintomas de hiponatremia — baixos níveis de sódio — como tonturas, desmaios, desorientação, náuseas e vómitos;
— acorda várias vezes durante a noite para urinar, prejudicando assim a qualidade do sono;
— bebe em demasia durante as refeições e prejudica a qualidade sensorial da refeição;
Por isso, à pergunta “quanta água devo beber por dia”, a resposta será sempre: depende. Nomeadamente do sexo, peso, altura, idade, volume de exercício praticado, estação do ano e respectiva temperatura e humidade.
Beber em função da sede e produzir uma urina amarelo-claro, sem historial de cálculos renais, infecções urinárias recorrentes, dores de cabeça e obstipação é o objectivo a atingir. Esperar benefícios extras na qualidade da pele e emagrecimento poderá não ser tão evidente, mas, dos principais desequilíbrios alimentares com impacto na nossa saúde, a quantidade de água é dos menos importantes e dos mais fáceis de resolver.