O SNS tem doentes há quatro anos à espera de uma consulta de oncologia?
De acordo com informação oficial, não é correcto dizer que existe um doente à espera há quatro anos por uma consulta de oncologia no SNS. Existe, contudo, um caso que apresenta esse tempo de espera, mas por falha informática.
A frase
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
A frase
“[...] o ‘Manel’ que está há quatro anos à espera de uma consulta de oncologia e não tem no SNS [...]”
Francisco Rodrigues dos Santos no debate de líderes na RTP 1
O contexto
Foi no debate com todos os líderes dos partidos com representação parlamentar, que se realizou na segunda-feira na RTP 1, quando apresentava as propostas para a área da saúde, que o líder do CDS deu o exemplo de um doente, o ‘Manel’ que esperava há quatro anos por uma consulta de oncologia no SNS.
“Há uma diferença abismal entre as posições do CDS e da esquerda e da extrema-esquerda. É que nós não colocamos a ideologia à frente das pessoas em matéria de saúde, porque um doente, o ‘Manel’ que está há quatro anos à espera de uma consulta de oncologia e não tem no SNS, porque não tem mãos a medir, a esquerda o que lhe diz é: tens de continuar a esperar porque a única opção que tem é ter essa consulta no SNS, porque o ‘Manel’ é pobre e não tem outras opções de escolha”, disse Francisco Rodrigues dos Santos.
Factos
O PÚBLICO questionou a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) sobre se há doentes à espera há quatro anos por uma consulta de oncologia no SNS. A resposta é não. Mas devido a uma falha informática, a ACSS constatou que “no sistema Consulta a Tempo e Horas (CTH) existe um utente com registo de espera para primeira consulta de especialidade de oncologia médica há 1495 dias”. A referenciação foi feita pelo centro de saúde a 30 de Novembro de 2017, a doente teve consulta pouco depois e foi operada em Março de 2018.
“Devido a um registo incorrecto e ao facto de não se ter detectado e rectificado essa situação anteriormente, o processo desta pessoa no CTH manteve-se aberto e por isso surge com cerca de 4 anos de espera. Não obstante esse facto, os serviços de saúde deram a resposta adequada e a doente teve consulta de cirurgia a 12/12/2017, ou seja, num intervalo de tempo inferior a 15 dias após a referenciação do centro de saúde, tendo a mesma cirurgia sido realizada a 14/03/2018. A situação clínica da utente, relacionada com a oncologia médica, ficou assim concluída”, explica a ACSS, salientando que se tratou de “um lapso administrativo que está a resultar na contagem incorrecta para os tempos de espera desta especialidade, cuja resolução se está a diligenciar e que em nada afectou a resposta do SNS a nível hospitalar ou dos cuidados de saúde primários”.
“A especialidade de oncologia médica tem, a nível nacional, apenas 285 pedidos inscritos no CTH por resolver, dos quais 104 já estão agendados”, diz a ACSS, acrescentando que os dados acumulados a Novembro de 2021 “demonstram uma melhoria da percentagem de consultas realizadas dentro do Tempo Máximo de Resposta Garantido (TMRG) de 8,7 pontos percentuais face a 2019, e uma diminuição de 20% do número de pedidos de consulta não concluídos no âmbito do Consulta a Tempo e Horas”.
No Portal do SNS existe informação disponível sobre os tempos médios de espera para uma primeira consulta da especialidade de oncologia médica no SNS pedida pelos centros de saúde e entidades externas. Os dados são referentes ao período entre Setembro e Novembro do ano passado e a informação disponibilizada por vários hospitais reparte-se pelos três tipos de prioridades definidos: muito prioritário, prioritário e normal. Para cada um deles há um TMRG, ou seja, o tempo aconselhado em que o doente deve realizar a consulta. Para o caso dos doentes classificados como muito prioritários o TMRG é de 30 dias, para os prioritários 60 dias e para os de prioridade normal 150 dias. Numa consulta à informação disponibilizada por vários hospitais, os TMRG estão na generalidade a ser cumpridos. Apenas um hospital aparece com uma espera superior aos 60 dias para casos prioritários, mas por uma diferença mínima: o hospital de Beja reporta 66 dias de espera média para uma primeira consulta de oncologia médica.
Antes de a ACSS prestar este esclarecimento, o PÚBLICO questionou José Dinis, director do Programa Nacional para as Doenças Oncológicas da Direcção-Geral da Saúde (DGS), e Ana Raimundo, presidente da Sociedade Portuguesa de Oncologia, se tinham conhecimento de casos de espera com quatro anos. “Desconheço completamente. Já aconteceram situações de meses de atraso e as pessoas queixam-se para a DGS e nós actuamos”, disse José Dinis, questionando: “Se fosse muito grave, não se dirigia ao centro de saúde?”, questiona”, referindo que em oncologia o tempo mede-se por dias, semanas e meses.
“A nossa linguagem é dias, semanas e meses. Isso dito dessa maneira, se o caso é grave, é um absurdo. É preciso estudar o caso. Não sabemos se estamos a falar de uma pessoa já tratada ou não, se está em follow up, se foi tratada no estrangeiro, se está a ter assistência médica noutro lado”, disse, lembrando que as situações em oncologia variam muito e que pode uma situação clínica que não tem indicação para seguimento por parte de um oncologista, mas o doente não o perceba e considere que continua à espera de uma consulta.
“Nunca ouvi falar sobre tanto tempo de espera para uma consulta de oncologia”, afirmou Ana Raimundo, referindo que com um tempo tão prolongado de espera o doente já teria tido um desfecho negativo. A médica lembrou que nos últimos quase dois anos o problema foi a limitação da capacidade dos médicos de família para atender doentes e fazer novos diagnósticos, que resultam em novas referenciações para consultas nos hospitais. Quantos aos doentes que já estavam diagnosticados, “tiveram resposta quer para as consultas como para as cirurgias”.
Segundo a ACSS, a Novembro de 2021 observavam-se “já ligeiros aumentos de actividade assistencial realizada face a igual período de 2019, quer ao nível da consulta hospitalar, quer ao nível das cirurgias”.
Em Resumo
De acordo com informação oficial, não é correcto dizer que existe um doente à espera há quatro anos por uma consulta de oncologia no SNS. Existe, contudo, um caso que apresenta esse tempo de espera, mas por falha informática. A doente, para quem tinha sido pedido primeira consulta de oncologia médica, foi vista por um médico da especialidade no hospital menos de 15 dias depois da referenciação e foi operada três meses depois. O que significa que o seu processo teve resposta.