Líder hindu que apelou ao “genocídio” de muçulmanos acusado de incitamento à violência religiosa

Monge hindu defendeu massacre da comunidade muçulmana indiana num encontro de religiosos ultranacionalistas em Uttarakhand. Opositores de Modi criticam silêncio do BJP.

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Muçulmanos reunidos para uma celebração religiosa na mesquita Jama Masjid, em Deli (2018) RAJAT GUPTA/EPA

Um tribunal da cidade de Haridwar, no estado de Uttarakhand, na região Norte da Índia, acusou um conhecido líder religioso hindu local de incitamento à violência e discurso de ódio contra muçulmanos. O monge Yati Narsinghanand Giri tinha sido filmado num encontro de ultranacionalistas hindus, em Dezembro, a apelar ao “genocídio” da comunidade islâmica.

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Um tribunal da cidade de Haridwar, no estado de Uttarakhand, na região Norte da Índia, acusou um conhecido líder religioso hindu local de incitamento à violência e discurso de ódio contra muçulmanos. O monge Yati Narsinghanand Giri tinha sido filmado num encontro de ultranacionalistas hindus, em Dezembro, a apelar ao “genocídio” da comunidade islâmica.

É a primeira acusação judicial envolvendo os discursos proferidos no evento desde que o Supremo Tribunal indiano anunciou, na semana passada, que iria abrir uma investigação ao caso. Para além de Giri, foi detida uma segunda pessoa.

Citado pela Al-Jazeera, Swatantra Kumar, dirigente policial, explicou que a detenção do monge teve lugar no passado sábado e por denúncias relacionadas com comentários ofensivos proferidos contra as mulheres.

Segundo Kumar, o juiz que analisou o caso catalogou o líder hindu como “reincidente” e acusou-o de “promoção de inimizade entre diferentes grupos por motivos religiosos”. O monge permanecerá detido durante 14 dias e, caso seja condenado, pode enfrentar uma pena até cinco anos de prisão.

O discurso anti-islão subiu de volume e de tom nos últimos anos na Índia, particularmente desde a chegada ao poder, de Narendra Modi, do partido nacionalista hindu Bharatiya Janata (BJP), em 2014.

O primeiro-ministro e o seu partido são acusados de promover uma agenda contra os muçulmanos do país – cerca de 14% dos 1,4 mil milhões de indianos –, através de um discurso hindu fortemente identitário e de propostas legislativas como a polémica lei da cidadania, aprovada em 2019.

A legislação em causa oferece a nacionalidade indiana aos imigrantes das minorias religiosas hindus, cristãs e budistas de países como o Paquistão, o Bangladesh ou o Afeganistão (todos de maioria muçulmana), uma vez que os considera vítimas de perseguição. Mas exclui os milhões de muçulmanos que vivem na Índia em situação ilegal e outras minorias islâmicas perseguidas, como os ahmadis, no Paquistão, ou os rohingya, na Birmânia.

O debate em torno da lei provocou violentos confrontos em vários estados da Índia, e na capital, Deli, particularmente em 2019 e 2020. Milhares de cidadãos muçulmanos foram perseguidos, assediados, agredidos, muitos foram mortos, e foram realizados actos de vandalismo contra mesquitas e lojas muçulmanas.

Outras iniciativas legislativas estaduais, como a lei do Uttar Pradesh que ilegaliza os casamentos inter-religiosos nos casos em que seja considerado que há uma conversão forçada, também são vistas pelos críticos do BJP como ferramentas de perseguição aos muçulmanos, num país que sempre se caracterizou pela sua multietnicidade.

Eleições à vista

Apesar da violência e dos motins, os candidatos e os apoiantes do BJP nas várias eleições estaduais e regionais que se realizaram nos últimos anos não reduziram o ímpeto do discurso crítico contra os muçulmanos.

A realização do encontro religioso na cidade sagrada hindu de Haridwar vai ao encontro dessa onda anti-islão verificada um pouco por toda a Índia, e é particularmente significativa tendo em conta que Uttarakhand é um dos estados que realiza eleições legislativas em Fevereiro.

Denominado “Parlamento Religioso”, o evento durou três dias, e foi realizado à porta fechada. Ainda assim, vídeos do encontro, partilhados nas redes sociais, mostram vários oradores a apelarem à comunidade local para pegar nas armas e avançar para um massacre dos muçulmanos.

“Se 100 de nós estiverem preparados para matar dois milhões deles, então seremos capazes de vencer e de tornar a Índia numa nação hindu”, proclamou Pooja Shakun Pandey, líder ultranacionalista hindu, numa dessas gravações. A estas palavras, escreve a Associated Press, a assistência reagiu com aplausos.

Este tipo de discurso foi denunciado por líderes políticos opositores, antigos chefes militares e activistas de direitos humanos, que criticaram o “silêncio” do Governo de Modi e a falta de uma demarcação firme do BJP.

Apesar de firme no parlamento de Uttarakhand – detém 57 dos 70 lugares – o partido tem sofrido desaires e imprevistos em algumas eleições regionais dos últimos tempos, particularmente por causa da sua resposta errática à pandemia de covid-19. Em Maio, por exemplo, foi derrotado pelo Congresso Trinamool de Toda a Índia no estado de Bengala Ocidental.

Este ano há eleições em sete estados da Índia, com especial destaque para a votação em Uttar Pradesh, o mais populoso estado do país, e que será o principal teste ao BJP antes das legislativas nacionais, agendadas para 2024.