Programa Pegasus usado para espiar mulheres activistas no Bahrein e na Jordânia
A activista pró-direitos humanos do Bahrein Ebtisam Al-Saegh e a advogada de direitos humanos da Jordânia Hala Ahed Deeb temem não ter um espaço seguro – nem sequer a sua casa, já que o programa Pegasus permite usar os telefones como microfones.
O programa de espionagem israelita Pegasus foi usado para espiar duas activistas de direitos humanos, Ebtisam Al-Saegh, do Bahrein, e Hala Ahed Deeb, da Jordânia, segundo a organização Front Line Defenders, que sublinha como a vigilância através de um software que permite ter não só acesso a tudo o que está num telefone como transformá-lo num microfone que transmite conversas para quem está a espiar tem um impacto especialmente gravoso quando as vigiadas são mulheres.
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O programa de espionagem israelita Pegasus foi usado para espiar duas activistas de direitos humanos, Ebtisam Al-Saegh, do Bahrein, e Hala Ahed Deeb, da Jordânia, segundo a organização Front Line Defenders, que sublinha como a vigilância através de um software que permite ter não só acesso a tudo o que está num telefone como transformá-lo num microfone que transmite conversas para quem está a espiar tem um impacto especialmente gravoso quando as vigiadas são mulheres.
A NSO, empresa que comercializa o Pegasus, não comentou o caso. A empresa tem afirmado sempre que o software se destina apenas a ser usado em operações de contraterrorismo ou investigação a criminalidade organizada.
Mas já há provas de que foi usado até em disputas pessoais, como quando o líder do Dubai e vice-primeiro-ministro dos Emirados Árabes Unidos, o xeque Mohammed bin Rashid al-Maktoum, mandou espiar a sua ex-mulher, a princesa Haya bint al-Hussein da Jordânia, na altura a viver em Londres, quando decorria uma batalha judicial pelos filhos de ambos num tribunal britânico.
O telefone de Ebtisam Al-Saegh tinha rasto de pelo menos oito acessos de um cliente do programa Pegasus entre Agosto e Novembro de 2019. Por causa do seu trabalho de activismo, Al-Saegh já esteve presa no Bahrein no passado. Segundo a Front Line Defenders e a Access Now, o ataque informático ao telefone seguiu-se a vários problemas de Al-Saegh com as autoridades, incluindo um interrogatório numa esquadra de polícia em que sofreu agressões físicas e sexuais e foi ameaçada de violação se não terminasse o seu trabalho de activismo.
Já o telefone da advogada de direitos humanos da Jordânia Hala Ahed Deeb estava infectado com o Pegasus desde Março de 2021, segundo a Front Line Defenders. Deeb é não só uma importante activista pelos direitos as mulheres, como foi também a responsável da comissão legal do Sindicato das Mulheres Jordanas.
Al-Saegh diz que desde que soube que foi espiada através do telefone está num estado de “medo e terror diários” e que a sensação de segurança que lhe restava dentro de sua casa desapareceu. “A minha casa costumava ser o único lugar seguro, o único espaço de segurança pessoal onde posso tirar o véu e ter a minha liberdade religiosa e social sem limites”, descreveu, numa declaração partilhada pela Front Line Defenders.
Além disso, há o medo pelas outras pessoas com quem teve contacto. “O medo significou restrições ao meu trabalho. Estou constantemente ansiosa e com medo de que possa ter posto outras pessoas em risco por causa do seu contacto comigo”, disse.
Deeb disse sentir-se “violada, nua, sem dignidade”. “Disse muitas vezes que não tenho nada a esconder, mas apercebi-me de que a privacidade é só por si um direito”, declarou a jordana. “Não comunico com amigos e evito o mais que posso falar ao telefone. Às vezes noto que estou a autocensurar-me, a pensar que tipo de comportamentos poderiam provocar quem espiou o meu telefone?”, disse Deeb, citada pelo diário britânico The Guardian.
No relatório, Mohammed Al-Maskati, da Front Line Defenders, sublinhou que as mulheres espiadas com este software enfrentam riscos diferentes dos homens. “As capacidades que o Pegasus disponibiliza a quem espia significam que as mulheres ficam despidas de privacidade, que a vigilância também destrói a inviolabilidade das suas casas e ambiente onde se movem. Amigos e familiares distanciam-se com medo de também sofrerem ou serem vigiados”, disse Al-Maskati, citado pelo diário hebraico Haaretz.
“Para as mulheres, a vigilância digital é uma bomba-relógio. Vivem num estado de medo sobre como a sua informação pessoal, incluindo fotografias privadas, vídeos, e conversas, possam ser usadas contra elas em qualquer altura, abrindo a porta a assédio e abuso.”
O programa Pegasus foi ainda usado por governos para espiar activistas pró-democracia, jornalistas, e até responsáveis políticos de outros países, segundo uma investigação de um consórcio de jornalistas (em que participaram o Haaretz e o Guardian, entre outros) com apoio da Amnistia Internacional que fez a verificação de rasto de uso do programa em alguns telefones encontrados numa lista da NSO.
A NSO nega que os telefones nessa lista estivessem a ser vigiados, e tem defendido que apenas permite o uso do software para operações antiterrorismo ou de luta contra criminalidade grave organizada.
Algumas das pessoas que se suspeita que tenham sido vigiadas com o software Pegasus, ou pessoas próximas delas, estão mortas, como o jornalista mexicano Cecilio Pineda ou o saudita Jamal Khashoggi. Outras foram raptadas, como a princesa Latifa, do Dubai, que tentava fugir do país.
A empresa NSO foi incluída, em Novembro do ano passado, numa lista negra de comércio dos Estados Unidos, por ter levado a cabo acções “contrárias à política externa e ao interesse nacional dos EUA”.