Excesso de pensamento parental

Desejar dar uma boa educação aos filhos é positivo. Mas, quando essa vontade de parentalidade esclarecida leva a pensar demasiado e retira a espontaneidade na relação com as crianças, será que é assim tão benéfica?

Foto
Adriano Miranda/Arquivo

Os pais, como é natural, querem o melhor para os seus filhos. Bem-intencionados e preocupados, leem, falam, refletem e preparam-se para serem bons pais. Até aqui tudo bem. É positivo desejar uma parentalidade esclarecida para dar uma boa educação às crianças. Para tal, é fundamental refletir no que é adequado para educar à luz dos valores de uma sociedade que se quer evoluída.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Os pais, como é natural, querem o melhor para os seus filhos. Bem-intencionados e preocupados, leem, falam, refletem e preparam-se para serem bons pais. Até aqui tudo bem. É positivo desejar uma parentalidade esclarecida para dar uma boa educação às crianças. Para tal, é fundamental refletir no que é adequado para educar à luz dos valores de uma sociedade que se quer evoluída.

A questão é que esse desejo de qualidade parental pode levar os pais a pensarem demais e a transformarem a educação dos filhos numa tarefa demasiado cognitiva. Parece que a educação se tornou um empreendimento difícil, com muitas questões complicadas. Estes níveis de exigência parental, talvez excessivos, retiram a espontaneidade e naturalidade ao ato educativo, fazendo com que os pais percam a confiança na intuição e no instinto parental que os une aos filhos. Por vezes, pensa-se demais e sente-se ou age-se de menos, o que gera um desequilíbrio entre a razão e a emoção, o pensamento e a ação, ambos binómios tão necessários na educação dos mais novos.

O problema começa quando este desejo de qualidade parental se transforma em insegurança, que as crianças, com a sua apurada intuição, pressentem à distância. Esta perceção da insegurança dos pais confere poder aos filhos, desequilibrando a balança da gestão familiar. Os adultos desejam ser amados pelas crianças, agradando-lhes e conquistando-as. Mas o amor das crianças não é assim tão frágil e dependente da satisfação das suas vontades. As crianças não são de vidro. As crianças tornam-se tão mais robustas quanto tiverem limites contentores que lhes deem segurança e as estruturem, ajudando-as na construção de valores de referência.

Quando a esta insegurança parental se junta a desígnio do politicamente correto, tudo se torna ainda mais complicado. Chega a um ponto que nos questionamos tanto que ficamos paralisados sem saber o que fazer, com receio de estar a afrontar a igualdade de género, de raça ou até mesmo os direitos dos animais. Na verdade, se dissecarmos as tradicionais brincadeiras de crianças ao mais ínfimo pormenor, de forma meticulosa, cuidadosa e crítica, não sobra nada, ou quase nada, que passe no crivo do politicamente correto!

É por todos estes motivos que, quando me dizem que, em sua casa, estão acima das questões de género, de raça, de geração e de tudo o mais que imaginar se possa, me pergunto silenciosamente em que momento foi perdida a espontaneidade, a naturalidade, a alegria e até a verdade na relação com a criança. De tão condicionados pela parentalidade esclarecida e pelo politicamente correto, os adultos ficam embotados e, de certa forma, paralisados para lidarem com os acontecimentos nas relações de afeto mais próximas. Com receio de falharem ou de não serem suficientemente bons nem de observarem todos os critérios eleitos para a educação dos filhos, tornam-se indecisos e inseguros, permitindo que as crianças ocupem o espaço que deixaram vazio pela sua incapacidade de reação.

Dantes, dizia-se que para educar uma criança era necessária uma aldeia. Agora, parece que se tornou preciso um batalhão: de pais, de professores, de explicadores, de pediatras, de enfermeiros, de psicólogos, de terapeutas, de pedopsiquiatras, de abordagens alternativas (cada qual com a sua solução para a educação, sempre melhor do que a anterior), e ainda de bloguers e de instagramers (sempre com posts de crianças lindas e maravilhosas que pousam para a fotografia como quem almeja e alcança a perfeição). É tal a parafernália de conselhos e conselheiros que deixa qualquer um com cabeça a andar à roda, sentindo-se naturalmente aquém de tal panóplia de teorias educativas!

P.S. Agora, aqui que ninguém nos ouve, posso confessar uma coisa? Então, aqui vai: eu bem sei que estamos todos a tentar fazer o nosso melhor e que a intenção é boa… mas não deixo de sentir saudades do tempo em que, para educar uma criança, era necessária uma aldeia. Apesar de essa aldeia – como todas as aldeias − ser, necessariamente, um lugar imperfeito.


A autora escreve com o novo Acordo Ortográfico