O “farol” Maus Hábitos chega a Lisboa e Vila Real: modelos diferentes, o mesmo ADN
Quando só os restaurantes podiam funcionar na noite, o Maus Hábitos, casa de culto do Porto, repensou-se: não cessou a actividade cultural, aliou-a antes à mesa. Esse é um projecto para manter e levar a outras paragens: novos (maus) hábitos acendem-se este sábado no Selina Secret Garden, em Lisboa, e no Café-Concerto do Teatro de Vila Real.
Há alguns maus hábitos e vícios da pandemia que vieram para ficar – e expandir-se. É o caso do Maus Hábitos, o espaço multidisciplinar portuense que aproveitou o tempo de “confinamento” para se repensar e fazer-se à estrada. “Com tudo” – intervenção artística e cultural, restauração e bar/coquetelaria –, chegam a Lisboa e a Vila Real. Os modelos são diferentes, mas o ADN está lá. A âncora é a restauração e o Vícios de Mesa, o restaurante que abriu no espaço original, torna-se Vícios à Mesa, uma marca que vai assentar arraiais mais permanentes no Selina Secret Garden (Lisboa) e incorporar-se no Café-concerto do Teatro de Vila Real.
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Há alguns maus hábitos e vícios da pandemia que vieram para ficar – e expandir-se. É o caso do Maus Hábitos, o espaço multidisciplinar portuense que aproveitou o tempo de “confinamento” para se repensar e fazer-se à estrada. “Com tudo” – intervenção artística e cultural, restauração e bar/coquetelaria –, chegam a Lisboa e a Vila Real. Os modelos são diferentes, mas o ADN está lá. A âncora é a restauração e o Vícios de Mesa, o restaurante que abriu no espaço original, torna-se Vícios à Mesa, uma marca que vai assentar arraiais mais permanentes no Selina Secret Garden (Lisboa) e incorporar-se no Café-concerto do Teatro de Vila Real.
Do topo do edifício da Rua de Passos Manuel, mesmo em frente ao Coliseu do Porto, o Maus Hábitos é, desde há quase 21 anos, (cumprem-se a 1 de Abril) uma espécie de farol de uma certa noite portuense – uma que não cede a modas e que cedo definiu um conceito que, apesar das bifurcações, nunca abandonou o seu cerne. É um território cultural, aberto a várias expressões artísticas – da música, a mais óbvia, às artes plásticas. Ao bar, que faz parte do projecto desde o início e é o espaço aglutinador por excelência, juntou, entretanto, um restaurante, que durante a pandemia ganhou preponderância e alargou o seu raio de intervenção com programação artística “à mesa”. Foram mais de 200 os eventos nos últimos dois anos, “mais do que em anos normais”, nota Daniel Pires, o mentor do Maus Hábitos. “Quando só os restaurantes podiam trabalhar, tínhamos programação de segunda-feira a sábado”, conta.
Há, portanto, “males que vêm por bem”, ironiza Daniel e esta foi uma oportunidade “de pensar não fora da caixa, mas noutra caixa”. Com “os desafios e receios que a pandemia colocou”, a reacção foi “de sobrevivência, como qualquer organismo vivo”. No caso dos Maus Hábitos a sobrevivência passou, primeiro, pela aceitação de uma nova realidade: “Todo este processo pandémico ainda está para durar e vai continuar-se a ter mais liberdade à mesa do que na pista de dança” - a exigência de testes, por exemplo, permanece um obstáculo à actividade normal destas, apesar da crescente abertura; e essa é também uma “liberdade para cruzar públicos diferentes e trabalhar com outros públicos que não os da pista de dança”.
E, depois, pela procura de novos espaços para acolher a tipologia do trabalho que vêm desenvolvendo, uma combinação de programação cultural e artística (com curadoria da Saco Azul, a associação cultural do Maus Hábitos) com actividades conexas de bar e restaurante que se alimentam mutuamente.
Lisboa: entre o rooftop e o jardim secreto
É neste contexto que chegam as duas “extensões” do Maus Hábitos. A Lisboa já chegou em Agosto, por convite do grupo Selina para integrar a programação, tendo-se instalado numa espécie de regime pop up no rooftop do Selina Secret Garden. A partir de sábado, dia 15, ganha “alguma autonomia” em “espaço de rua mesmo” – deixa de estar reservado a hóspedes do hotel e passa a abrir-se a todos. É num “espaço grande, muito bonito e bem localizado” (entre Santos, Bairro Alto e Cais do Sodré) que uma versão do Vício à Mesa vai instalar-se, com “rubricas específicas e regularidade para criar novos hábitos”.
À carta desenvolvida ao longo dos últimos sete anos (em torno da cozinha do Mediterrâneo e de um especial destaque dado às pizzas) e apurada segundo as novas tendências (mais oferta vegetariana e vegana para dar resposta à maior procura), servida com cocktails de autor, vão aliar-se os momentos musicais e artísticos “em dias mais calmos”, nota Daniel Pires, “em princípio de segunda a quinta-feira”. Além destes “vícios” vão existir outros “momentos maiores” com programação a condizer.
Por agora, no dia 15, as portas abrem-se com o ciclo de “concertos exploratórios e experimentais” Oscilador Gráfico (apoiado pelo Garantir Cultura, com a direcção artística conjunta da Saco Azul Associação Cultural), em que Miguel Carvalhais e Henrique Fernandes vão dar som ao trabalho gráfico de Serafim Mendes. Destaque ainda para a série “Sons à Mesa” que apresentará concertos de Venga Venga (dia 19 de Janeiro) e Osso Vaidoso, projecto de Ana Deus e Alexandre Soares (dia 26 de Janeiro). E até ao final do mês estão já alinhados uma série de DJ sets que reflectem a “diversidade do que se vai ouvindo pela capital e não só”: Nuno Rabino, Trafulhice, DJ Dingo, Death Disco Disaster, Paolo Dionisi e Radio Safari passarão pela cabine do Selina Secret Garden.
Vila Real: no teatro do parque
A Vila Real, o Maus Hábitos chega por outras vias (e com outra roupagem). “Concorremos ao concurso público de concessão do café-concerto do teatro”, explica Daniel Pires. Ganharam e a estreia no espaço localizado diante do Parque do Corgo faz-se no dia 15 a meio-gás. “Meio” apenas porque o restaurante só abre a 30 de Janeiro, uma vez que a programação que arranca já no sábado tem já a identidade bem vincada.
Desde logo pela versatilidade temática até proporcionada pelo próprio local – “aqui temos um espaço expositivo bastante interessante”, sublinha Daniel Pires, além de 80 lugares sentados que no Verão se tornam em muitos mais mercê de “uma esplanada absolutamente brutal” –, que é um pouco mais à imagem do quarto andar ocupado pelo Maus Hábitos original no Porto (uma matrioska de salas com diferentes funções – mas não ortodoxas: tudo pode ser modelado consoante a programação).
No sábado, o café-concerto vai receber a inauguração da exposição de Leonel Moura, Arte Robótica (o artista estará presente), e a apresentação de um concerto do ciclo Oscilador Gráfico – Angélica Salvi e Pedro Tudela sonorizam a partitura gráfica de Inês Nepomuceno. Isto a par com a festa de abertura, que já será apoiada pelo bar.
O resto do mês no café-concerto do Teatro de Vila Real também já tem a programação definida. Na terça-feira, dia 18, há “Palavra à mesa”, poesia dita acompanhada por vídeo arte e música pela voz de Ana Deus, a 25 estreia o Cabaré à Mesa, com o espectáculo “Cabarex”, do encenador e performer Filipe Moreira, e no dia 20 regressa o Oscilador Gráfico (Sarnadas e Lorr No dão som à partitura gráfica de Avelino Resende). As quartas-feiras ficam reservadas para Sons à Mesa, que é como quem diz, palco para bandas, emergentes e consagradas, nacionais e internacionais - dia 19 com Aurora Pinho, dia 26 com Pedro Tróia.
Se no Maus Hábitos já havia, mesmo antes da pandemia, a “ideia de sair [do Porto]”, estes dois passos podem ser os primeiros de uma caminhada mais longa. “Correndo bem este processo, queremos dar continuidade”, afirma Daniel Pires, “acreditamos que é absolutamente necessária a descentralização das actividades culturais”. Aproveitando, diz, o “know-how” e a capacidade de programação acumulados em duas décadas, recorrendo a fundos da DGArtes e outros que existam para programação e criação cultural, o futuro vai ser de atenção “a outras regiões que necessitem e tenham massa crítica para receber estas iniciativas”.