O que percebemos quando regressamos ao papel de pais
Ficar com os avós a tempo inteiro tem vantagens às quais os filhos só terão acesso se os pais estiverem a mais de 100 km de casa.
Ana,
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Ana,
Estive uns dias a fazer de ti. E obtive praticamente os mesmos resultados: menos dois quilos de peso, a pele engelhada — há alguma mãe que tenha tempo para por um hidratante? —, o cabelo num novelo, a minha caixa de e-mails cheia, mas mais importante do que tudo uma sensação de felicidade (quase) constante.
Ah, que bom foi finalmente ter o “controlo” total dos netos (aqui deves imaginar um emoji de um sorriso triunfante)! Quase tão bom como rever com companhia os filmes do Harry Potter. São tão geniais.
Espera, vou acabar de ver este e já continuo esta carta...
...
Aqui estou de volta. Vamos então ao que descobri nesta semana em que voltei ao papel de mãe.
Espera, reparo que os meus neurónios estão um bocadinho em papa e não consigo alinhar duas ideias — será isto o que chamam de “cérebro de mãe”?
Acho melhor dormir primeiro uma sesta.
...
Regressei e, confesso-te que me soube maravilhosamente adormecer no sofá sem ter de me preocupar com nada, nem ninguém. Que bom ser só avó!
Desculpa, tinha ideia de que no decorrer destes últimos dias com os teus filhos tinha desenvolvido teorias pedagógicas brilhantes, mas se existiram, evaporaram-se. Ficou apenas a impressão de que pretendia expor-te as vantagens das rotinas — não necessariamente para benefício das crianças, mas pela saúde mental dos adultos que precisam de acalentar a esperança de “intervalos” mais ou menos previsíveis, sejam horários de mamadas ou de sestas e, acima de tudo, de uma hora certa de irem para a cama, deixando-nos uns momentos só para nós.
Só que aquilo que percebemos quando regressamos ao papel de pais é que até para fazer cumprir regras é necessária muita energia e que, na falta dela, é fácil irmo-nos fundindo com as próprias crianças, acordando e dormindo com elas, abdicando de vida própria, resumindo a conversa com a nossa cara-metade às questões práticas do dia-a-dia. E isso parece-me que não é bom para ninguém, mas preciso de uma noite bem dormida para ter a certeza absoluta do que afirmo. Entretanto, esta carta segue já.
Querida Mãe,
Uh... Retive da sua carta que acha a minha pele engelhada e o cabelo num novelo constante!!!! Vou precisar de uns minutos para recuperar... Ok... Primeiro, obrigada, por ter feito de mim – e tão bem – enquanto estive a.... ia dizer recuperar energias, mas não é o termo certo... Enquanto fui buscar um bocadinho de mim própria aos Pirenéus.
Sim, parece-me que foi isso que aconteceu. Tive 12 horas de viagem para remoer no processo mental pelo qual passa uma mãe que deixa os filhos por uns dias entregues a terceiros para ir fazer algo por prazer e não por obrigação de trabalho. O passo inicial é o de encontrar não só quem os acolha, mas um lugar onde fiquem bem. No meu caso tenho muita sorte, mas mesmo com esse item riscado da lista é difícil. Há a culpa. E a logística.
Os pensamentos intrusivos que nos garantem que vai acontecer qualquer coisa de mal, a nós ou a eles, enquanto cá não estamos. E não esqueçamos a pressão de aproveitar este tempo único para namorar, para dormir, para desfrutar, para postar fotografias lindas no Instagram, para rir, para nos sentirmos mesmo bem e adorarmos cada minuto. Para não falar na ressaca (e no pânico) que nos toma quando finalmente o carro está em silêncio absoluto, e subitamente tememos que no regresso não sejamos capazes de enfrentar o mesmo ritmo.
Não, decididamente não é fácil. Mas é bom! E se estivermos preparados para tudo isto, vale bem a pena. Se conseguirmos largar as expectativas, enfrentar as ansiedades vamos conseguir recuperar um bocadinho de nós próprias, do casal, e ganhar perspectiva — o mundo afinal não acaba por nos virmos embora. Como vamos ajudar os nossos filhos a perceber que ficam bem sem nós, que os irmãos se podem unir ainda mais, e de que ficar com os avós a tempo inteiro tem vantagens às quais só terão acesso se os pais estiverem a mais de 100 km de casa. Por isso obrigada por ter dado uns dias inesquecíveis aos meus filhos e nos ter permitido estas férias. Quanto às rotinas, falamos depois de eu voltar às minhas.
No Birras de Mãe, uma avó/mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, começaram a escrever-se diariamente, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. Mas, passado o confinamento, perceberam que não queriam perder este canal de comunicação, na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. Facebook e Instagram.