O liberalismo entre as margens do Bloco
A inteligência táctica (e a boa preparação) de Catarina Martins, por um lado, e o conformismo diletante de Cotrim, por outro, mataram as expectativas sobre o debate.
À partida, o debate na SIC Notícias entre Catarina Martins, do Bloco de Esquerda, e João Cotrim de Figueiredo, da Iniciativa Liberal, tinha todos os ingredientes para entusiasmar quem gosta da política com substância ideológica. Frente a frente poderiam estar noções opostas sobre o papel do Estado, sobre o individualismo e a sociedade, sobre a dinâmica económica, sobre a liberdade, sobre o equilíbrio ou desequilíbrio no debate nacional entre a criação de riqueza e a redistribuição, e por aí fora. A inteligência táctica (e a boa preparação) de Catarina Martins, por um lado, e o conformismo diletante de Cotrim, por outro, mataram as expectativas. O debate foi previsível, monótono e com pouca substância.
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À partida, o debate na SIC Notícias entre Catarina Martins, do Bloco de Esquerda, e João Cotrim de Figueiredo, da Iniciativa Liberal, tinha todos os ingredientes para entusiasmar quem gosta da política com substância ideológica. Frente a frente poderiam estar noções opostas sobre o papel do Estado, sobre o individualismo e a sociedade, sobre a dinâmica económica, sobre a liberdade, sobre o equilíbrio ou desequilíbrio no debate nacional entre a criação de riqueza e a redistribuição, e por aí fora. A inteligência táctica (e a boa preparação) de Catarina Martins, por um lado, e o conformismo diletante de Cotrim, por outro, mataram as expectativas. O debate foi previsível, monótono e com pouca substância.
A expectativa estava mais do lado do líder da IL. Porque é um novato nestas andanças dos debates. Porque tinha estado bem a desmontar o discurso básico de Francisco Rodrigues dos Santos. E também porque, ao final de seis anos de um governo de esquerda no qual o Bloco (e o PCP) teve droit de regard, alguns dos seus princípios sobre as virtudes do liberalismo começaram a ganhar lugar na cidade – principalmente os que se associam à economia.
Nem esta dinâmica ajudou Cotrim. Catarina Martins percebeu melhor a lógica redutora dos debates, mais propensa à simplificação do que à densidade reflexiva, mais acolhedora do soundbite do que da análise profunda de temas complexos. E, percebendo-a, foi mais competente a elaborar uma teia na qual João Cotrim de Figueiredo se enrodilhou.
Quando se fala de uma taxa única de IRS de 15%, mata-se a conversa convidando os telespectadores a pensar sobre quem mais ganha com ela, se um assalariado que recebe 800 euros por mês, se um milionário que ganha 250 mil. Quando se acusa o oponente de ter votado contra todos (excepto o primeiro) os estados de emergência, não chegam três minutos para contra-argumentar que, apesar desse sentido de voto, a IL apoiou o grosso das medidas restritivas de combate à pandemia. Quando se acusa várias vezes um partido por não ter programa a 24 dias das eleições, não vale a pena avisar que essa lacuna acabará no sábado. No boxe é sempre mais difícil de reagir quando se chega às cordas.
Num ponto, Catarina Martins bateu Cotrim de Figueiredo sem ser por bondade da táctica: quando o confrontou com as propostas sobre o salário mínimo. Cotrim enrolou-se numa resposta através da qual tentava negar ser contra o salário mínimo, mas apenas contra o salário mínimo nacional – ou seja, admitia o salário mínimo municipal desde 2019. Porquê? Para permitir que municípios e regiões o pudessem usar como instrumento para a sua competitividade. Ou seja, se Penedono quisesse aumentar a sua capacidade de atrair empresas, estabelecia um salário mínimo mais baixo do que o da Pesqueira. Uma proposta legítima, claro, tão legítima como as fábricas das multinacionais no Bangladesh ou na Etiópia antes da guerra do Tigré.
Lá para o final, depois de equilibrar a discussão sobre os perigos que pendem sobre o SNS, Cotrim teve finalmente uma iluminação. Lembrou-se da economia. E lançou uma pergunta retórica, mas paradoxalmente difícil. Quis saber que propostas tinha o Bloco para estimular o crescimento económico.
Se a pergunta fosse feita mais cedo, talvez a conversa pudesse derivar para as causas prováveis do atraso português, que ajuda a explicar os baixos salários, a dívida, a ameaça do défice, a emigração dos mais jovens, a falta de oportunidades, a desigualdade, etc. Talvez se pudessem então perceber as diferenças doutrinárias entre liberais e bloquistas. Em vez de escaramuças, um confronto saudável de visões do país e do mundo.
Era tarde de mais. O tempo estava a acabar. E quem gosta do debate de ideias lá teve de mudar de canal entre o bocejo e a sensação da oportunidade perdida.