Como está a ser o caminho da Ómicron na África do Sul
Quando apareceu a Ómicron na África do Sul? De que forma tem sido mais transmissível? Ou qual a protecção dada pelas vacinas em relação a esta variante? Neste momento, os casos de infecções do SARS-CoV-2 na África do Sul têm diminuído, mas a Ómicron domina-os.
No final de Novembro de 2021, a África do Sul informava o mundo que tinha detectado uma nova variante do SARS-CoV-2 com muitas mutações genéticas. Na mesma semana do anúncio, a Organização Mundial da Saúde (OMS) já estava a classificá-la como variante de preocupação e a denominá-la de “Ómicron”. Depressa se espalhou pelo planeta e tem sido imparável a substituir a tão transmissível Delta. Como tem sido o caminho da Ómicron num dos países que a detectou inicialmente, a África do Sul? Guia-nos por esse caminho uma das primeiras pessoas a detectar a sua presença: Raquel Viana, responsável pela ciência da área de patologia molecular no Lancet Laboratories, um grupo privado de laboratórios na África do Sul.
O percurso da variante
A “linha do tempo” da Ómicron na África do Sul é descrita num artigo científico publicado esta semana na revista científica Nature e que já tinha sido disponibilizado na plataforma medRxiv (nesta última ainda sem revisão por outros cientistas). “Vimos que houve uma rápida passagem de informação dos laboratórios [como o seu], para as autoridades, depois para a comunidade global e para a OMS”, nota Raquel Viana, uma das autoras do artigo.
A conquista da Ómicron é inegável. Nesse artigo, mostra-se que teve uma rápida disseminação e que em apenas quatro semanas se tornou a variante dominante no país. Também se mostra que a variante passou da província de Gauteng para as províncias vizinhas e duas regiões no Botswana – país que disponibilizou sequências genéticas da Ómicron na mesma altura da África do Sul.
Neste momento, os casos de infecções do SARS-CoV-2 na África do Sul têm diminuído, mas a Ómicron domina.
Quando pode ter surgido
É difícil de saber quando, onde e como terá surgido esta variante. Uma análise filogenética incluída no artigo mostra como a Ómicron é distinta de outras variantes de preocupação conhecidas e é diferente de qualquer outra linhagem identificada a circular no Sul de África. “No artigo, prevemos que a altura do surgimento do antepassado comum mais recente [da Ómicron] no Sul de África seja a 9 de Outubro”, indica Raquel Viana. Análises filogenéticas e espácio-temporais sugerem que a variante se espalhou do Sul de Gauteng para outras províncias na África do Sul e outras regiões vizinhas no Botswana entre o final de Outubro e o início de Novembro de 2021.
Porque é mais transmissível?
Até agora, a Ómicron é a mais transmissível de todas as variantes do SARS-CoV-2. “Estimamos que a Ómicron teve uma vantagem de crescimento de 0,24 por dia em relação à Delta na província de Gauteng”, refere Raquel Viana. Isto corresponde a um aumento semanal de casos 5,4 vezes mais em relação à Delta. Também se tem vindo a verificar que tem uma taxa de replicação maior do que outras variantes nas vias aéreas superiores.
Esta variante tem mais de 30 mutações na proteína da espícula (responsável pela entrada do vírus nas células) e prevê-se que isso influencie a funcionalidade dessa proteína e a neutralização de anticorpos. A cientista refere que, na África do Sul, se tem suspeitado de que o aumento em transmissibilidade da Delta poderá estar (entre outras razões) associado a uma fuga imunitária parcial nas pessoas, nomeadamente da resposta dos anticorpos neutralizantes.
Qual a protecção dada pelas vacinas?
Raquel Viana indica que estudos têm vindo a sugerir que a imunidade protectora contra a Delta era muito alta na África do Sul e que a fuga imunitária parcial terá então sido a maior condutora do rápido aumento da Ómicron no país. “Também se tem vindo a argumentar que os anticorpos neutralizantes [envolvidos nessa fuga parcial] são apenas um dos componentes da protecção imunitária das vacinas e de infecções prévias”, nota a cientista.
Prevê-se que a resposta imunitária celular (como a de linfócitos T) seja menos afectada pelas mutações na Ómicron. “A vacinação é essencial para proteger as pessoas do elevado risco de doença grave e morte”, apela Raquel Viana.
Na semana passada, um estudo de cientistas da África do Sul mostrava que a maioria da resposta de linfócitos T se mantinha em relação à Ómicorn. “Os resultados mostram que mesmo com o elevado número de mutações na Ómicron e da susceptibilidade reduzida a anticorpos neutralizantes, a maioria da resposta dos linfócitos T se mantém tanto induzida pela vacinação como pela infecção natural”, lê-se no artigo ainda sem revisão pelos pares e disponível na plataforma medRxiv.
Indo um pouco a outras geografias: um estudo que envolveu cerca de 12 mil agregados na Dinamarca também mostrou que a Ómicron é melhor a contornar a imunidade de pessoas vacinadas do que a Delta. Na investigação divulgada esta semana, viu-se que a Ómicron era entre 2,7 e 3,7 vezes mais infecciosa do que a Delta. Um outro estudo feito nos EUA revelou que há uma efectividade mais reduzida dos anticorpos de pessoas vacinadas e com uma infecção prévia do que noutras linhagens. Mesmo assim, o trabalho recentemente publicado na Nature indica que os indivíduos anteriormente infectados podem ter vantagens com a vacinação.
Qual a sua gravidade
As informações sobre a gravidade estão a aumentar. Dados preliminares da África do Sul, do Reino Unido ou da Dinamarca sugerem um risco reduzido de hospitalizações da Ómicron em relação à Delta. Raquel Viana especifica que, na África do Sul, os casos associados à Ómicron têm sido associados a sintomas ligeiros e a números mais baixos de hospitalizações em relação à vaga anterior dominada pela Delta. “Dados recentes da vigilância genómica mostram que a Ómicron dominou em Novembro e Dezembro na África do Sul com um baixo número de hospitalizações a serem registados, embora se tenha detectado um grande número de infecções”, transmite a cientista. Também se tem vindo a referir que esta linhagem possuirá uma menor capacidade para se multiplicar nos pulmões.