João Carlos Santos sobre o Museu do Tesouro Real: uma “caixa-forte” que é “quase uma caixa de jóias”
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No 24.º episódio do podcast No País dos Arquitectos, Sara Nunes, da produtora de filmes de arquitectura Building Pictures, conversa com o arquitecto João Carlos Santos. Através de uma viagem no tempo, ficamos a conhecer os 226 anos de história do Palácio Nacional da Ajuda, agora ampliado com a ala poente para acolher o Museu do Tesouro Real. Na exposição permanente vão estar cerca de mil peças da coroa portuguesa, nunca antes exibidas ao público.
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No 24.º episódio do podcast No País dos Arquitectos, Sara Nunes, da produtora de filmes de arquitectura Building Pictures, conversa com o arquitecto João Carlos Santos. Através de uma viagem no tempo, ficamos a conhecer os 226 anos de história do Palácio Nacional da Ajuda, agora ampliado com a ala poente para acolher o Museu do Tesouro Real. Na exposição permanente vão estar cerca de mil peças da coroa portuguesa, nunca antes exibidas ao público.
Logo no início da entrevista, o arquitecto João Carlos Santos, actual director-geral interino da Direcção Geral do Património Cultural (DGPC), recua no tempo para compreendermos a intrincada história que aconteceu num pequeno pedaço da cidade de Lisboa e os vários momentos pelos quais o tesouro foi passando, ao longo de mais de dois séculos. O primeiro acontecimento mais marcante acontece com o violento tremor de terra no dia 1 de Novembro de 1755. O sismo foi seguido de um maremoto que arrasou a cidade e, com ele, também a residência da família real no Paço da Ribeira. O rei e a família real foram poupados ao desastre. Receando um novo sismo, o monarca decide nunca mais residir num edifício de pedra e cal e muda a sua corte para o topo da colina mais ocidental de Lisboa, a Ajuda, uma zona menos propícia a fenómenos sísmicos.
Nesse contexto, cria-se um novo edifício, que por ser composto de madeira passa a ser conhecido como “Real Barraca”. Muita da técnica construtiva usada neste edifício foi aplicada, posteriormente, na Baixa Pombalina, para resistir melhor aos possíveis abalos sísmicos. Porém, a “Real Barraca” teve uma vida efémera. Não foi destruída por um terramoto, mas sim por um incêndio.
Após estes cataclismos, houve várias tentativas para a conclusão do novo Paço, que culminaram com os projectos apresentados nas décadas seguintes. Entre eles destacam-se os projectos dos arquitectos Manuel Caetano de Sousa (com uma “estética barroca”), José da Costa e Silva (“com uma estética neoclássica - a expressão arquitectónica dominante, naquela época, na Europa”), Francisco Xavier Fabri (que sugeriu a expansão do palácio para norte) e o arquitecto António Francisco Rosa (que adoptou formalmente um projecto reduzido do palácio). Mais tarde, houve várias tentativas de conclusão com projectos de Raul Lino, Gonçalo Byrne e João Seabra. Este último quase nunca é referido, e João Carlos Santos faz questão de mencioná-lo: “João Seabra é um colega da Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (DGEMN), que apresentou um projecto para a conclusão da sala poente. Esse projecto foi adjudicado, foi iniciado, mas na verdade não chegou a ser concluído porque houve um temporal, uma grua que caiu e o empreiteiro que abandonou a obra”.
Em suma, apesar das transições históricas e dos vários planos para os diferentes projectos, a verdade é que o palácio nunca foi finalizado. Em 2002, as jóias que pertenciam ao espólio do Palácio Nacional da Ajuda foram emprestadas pelo Estado português ao Museu de Haia, na Holanda, de onde foram roubadas.
Em 2006, Portugal recebeu uma indemnização de 6,1 milhões de euros pelo furto. A ministra da Cultura da época, Isabel Pires de Lima, decidiu que o montante deveria ser aplicado, na sua maioria, no Palácio Nacional da Ajuda. Desde então, parte da verba tem sido utilizada para o remate da fachada poente e a construção de uma nova ala com a instalação da Exposição Permanente do Tesouro Real.
Na sequência da criação de uma parceria entre o ministério da Cultura, através da DGPC, a Câmara Municipal de Lisboa e a Associação de Turismo de Lisboa (ATL), o projecto foi finalizado e, em diferentes momentos da entrevista, o arquitecto congratula o esforço e dedicação das pessoas que contribuíram para a conclusão do edifício. Após uma “investigação documental sobre a história”, João Carlos Santos realça um aspecto que mereceu especial atenção: “Quando iniciámos o processo, não imaginávamos as necessidades que uma infra-estrutura deste género tinha de ter. E isso está reflectido no conceito da própria arquitectura. A segurança, neste caso, começa, exactamente, no desenho da solução”.
Tendo em conta que não existe nenhum sistema de segurança que seja absolutamente infalível, a estratégia passou “por dificultar o acesso”. Ou seja, criando barreiras para atingir determinado objecto. Esses obstáculos traduzem-se em vários perímetros.
A par da segurança, um dos elementos principais neste projecto é a caixa-forte. No interior dessa caixa encontram-se três pisos, e é lá que os visitantes acedem à exposição permanente, “através de rampas”. A caixa-forte tem 40 metros de comprimento, 10 de altura e nove de largura; a museologia é da autoria da Providência Design: “Pensámos que a caixa-forte poderia ser tratada quase como uma caixa de jóias. Como se fosse um contentor que, no fundo, tem aquilo que queremos estimar e guardar muito”, descreve o arquitecto João Carlos Santos.
Enquanto os visitantes vêem a exposição, encontram-se sempre dentro da caixa-forte. Esta caixa foi revestida com espuma de alumínio retroiluminado, o suficiente para ser notado do exterior do palácio. Por motivos de segurança, essa caixa estará aberta ao público apenas durante o dia.
O edifício guarda a sumptuosidade necessária para acolher o tesouro real português, que nunca foi apresentado ao público. No piso 4, encontra-se uma cafetaria e um lounge para os visitantes. Para além disso, o edifício inclui ainda um laboratório de restauro, duas alas para exposições temporárias e uma zona para as reservas: “Quando pensámos trabalhar as pedras, os revestimentos, entre outros aspectos – em tudo isso existe uma grande escala. Penso que é interessante, quando se visita o edifício, perceber que a escala se mantém e perdura no projecto. E falo, inclusive, da escala dos próprios espaços. São espaços bastante amplos”, sublinha.
Lá de dentro, vê-se a paisagem que chega ao estuário do Tejo e, de fora, percebe-se que existe uma parte da construção que “aconteceu num tempo diferente”: “A Calçada da Ajuda é património e um dos aspectos que eu pensei que seria interessante era o de tentar conciliar estas duas realidades. Ou seja, manter, por um lado, a Calçada da Ajuda e, por outro lado, fazer um remate de todo aquele palácio para que se conseguisse resolver este conjunto de problemas. Refiro-me aqui não só aos problemas do edifício, mas também do edifício no contexto urbano. E foi isso que se fez. Portanto, o edifício não poderia deixar de ter esta expressão contemporânea”. O edifício com a exposição do Tesouro Real irá inaugurar este ano, ainda sem previsão de data.
No País dos Arquitectos é um dos podcasts da Rede PÚBLICO. Produzido pela Building Pictures, criada com a missão de aproximar as pessoas da arquitectura, é um território onde as conversas de arquitectura são uma oportunidade para conhecer os arquitectos, os projectos e as histórias por detrás da arquitectura portuguesa de referência.
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