As pouco conhecidas baleias-de-bryde já visitam a costa portuguesa

Equipa da Associação para a Investigação do Meio Marinho registou o primeiro avistamento das baleias-de-bryde ao largo da costa algarvia em Agosto de 2020. Um outro indivíduo da mesma espécie foi avistado no Verão de 2021. Presença habitual na Madeira e nos Açores, não havia, antes disto, registo destas baleias na costa continental portuguesa.

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No Verão de 2021, a equipa da AIMM registou a presença de uma segunda baleia-de-bryde ao largo do Algarve AIMM

Era 7 de Agosto de 2020 e a equipa da Associação para a Investigação do Meio Marinho (AIMM) estava a bordo do semi-rígido Ketos, para mais um dia de trabalho no mar ao largo da costa algarvia. Pelas 10h52, seguiam um grupo de golfinhos-roazes (Tursiops truncatus) quando perceberam que, entre eles, estava algo diferente. Era uma baleia-de-bryde (Balaenoptera brydei) e isso não é dizer pouco. Ainda envolta em muito desconhecimento, a espécie tem sido presença comum nas águas da Madeira e nos Açores, desde os primeiros avistamentos, já neste século, mas nunca tinha sido registada a sua presença na costa continental portuguesa. Em 2021, a equipa da AIMM encontrou outro indivíduo na mesma zona.

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Era 7 de Agosto de 2020 e a equipa da Associação para a Investigação do Meio Marinho (AIMM) estava a bordo do semi-rígido Ketos, para mais um dia de trabalho no mar ao largo da costa algarvia. Pelas 10h52, seguiam um grupo de golfinhos-roazes (Tursiops truncatus) quando perceberam que, entre eles, estava algo diferente. Era uma baleia-de-bryde (Balaenoptera brydei) e isso não é dizer pouco. Ainda envolta em muito desconhecimento, a espécie tem sido presença comum nas águas da Madeira e nos Açores, desde os primeiros avistamentos, já neste século, mas nunca tinha sido registada a sua presença na costa continental portuguesa. Em 2021, a equipa da AIMM encontrou outro indivíduo na mesma zona.

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Em Julho, quando participou numa expedição da Ocean Alliance no Faial, Açores, no âmbito do projecto SnotBot, a bióloga Joana Castro, da AIMM, já tinha revelado ao PÚBLICO: “No Algarve, tivemos o primeiro avistamento de sempre no ano passado.” Falava-se das baleias-de-bryde, que durante anos foram confundidas com as baleias-sardinheira (Balaenoptera borealis), com quem partilham muitas semelhanças. A presença das Bryde no Faial entusiasmara a experiente equipa da Ocean Alliance, já que lhes permitiu recolher, pela primeira vez, amostras do muco desta espécie.

Agora, a descoberta da AIMM ao largo de Albufeira, no Verão de 2020, chegou ao domínio público, com a publicação de um artigo na edição de Dezembro de 2021 da revista especializada Journal of Cetacean Research and Management, da Comissão Baleeira Internacional. Com o título “Um novo registo da baleia-de-bryde na costa continental de Portugal” (tradução portuguesa, do original em inglês), o artigo assinado pelos investigadores da AIMM Joana Castro, André Cid e Marina Laborde descreve esse encontro pouco usual.

“O avistamento ocorreu em águas com uma profundidade de 50,6 metros e uma temperatura à superfície entre os 19 e os 20,4 graus Celsius”, lê-se no artigo. A visibilidade não era muita - “menos de um quilómetro” -, mas não impediu a descoberta do intruso no meio do grupo de oito a dez golfinhos-roazes. “Foi avistado apenas um indivíduo adulto, com cerca de 15 metros de comprimento. (...). A baleia emergiu subitamente no meio do grupo enquanto este estava à superfície e continuou a movimentar-se no sentido oeste, enquanto o grupo de golfinhos continuou a dirigir-se para sul. O segundo sopro da baleia foi a mais de 50 metros de distância do grupo de golfinhos. Foi seguida durante uma hora e 32 minutos ao longo de oito milhas náuticas [cerca de 14,8 quilómetros] no sentido oeste, a aproximadamente seis milhas náuticas [cerca de 11 quilómetros] de terra. Deslocava-se a uma velocidade média de cinco nós [cerca de nove quilómetros por hora] com um padrão de mergulho de um minuto e 30 segundos. O animal soprava apenas uma vez depois de cada mergulho”, pode ler-se no artigo.

Segundo indivíduo avistado

Foi uma descoberta emocionante, mas Joana Castro mostra-se ainda mais entusiasmada com o segundo avistamento, no Verão do ano passado, e que ainda não é referido no artigo. “Quando só tens um avistamento, pode sempre ser um animal que se desorientou e foi parar ali. Quanto tens um segundo ano com o avistamento de um animal diferente da mesma espécie, já não é isso. Claro que foi interessante ter uma primeira espécie avistada no Continente e que voltou a aparecer no ano seguinte, confirmando a presença ali. Temos de estar atentos, porque pode estar a haver uma alteração [das rotas migratórias]”, diz a bióloga.

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A baleia-de-bryde, com a costa algarvia bem visível ao fundo AIMM

O registo da presença das baleias-de-bryde ao largo da costa portuguesa ocorre em dois anos que foram atípicos para os avistamentos de cetáceos na zona. Os investigadores referem no artigo publicado há poucas semanas que o Verão de 2020 foi aquele com o maior número de avistamento de baleias de barbatanas (grupo a que pertencem as baleias-de-bryde) na costa Sul de Portugal dos últimos cinco anos - 22, comparando com a média de dez por ano no período referido. Joana Castro refere que 2021 não foi muito diferente: “Tivemos 21 avistamentos. Continua a ser um número bastante elevado tendo em conta a média dos últimos cinco anos”, refere.

E por que é que isto acontece? Os elementos da AIMM avançam com duas hipóteses no artigo agora publicado, que Joana Castro sintetiza: “Pode ter que ver com alterações climáticas e com outra coisa curiosa, que, embora sem grandes provas, não se pode excluir: o efeito da pandemia.” Ou seja, o aumento da temperatura da superfície do oceano e da correspondente disponibilidade de alimentos pode estar a causar alterações nas rotas migratórias destas baleias. Por outro lado, admite-se também que a diminuição do tráfego marítimo e da presença de embarcações turísticas nas águas causadas pela pandemia, nos meses de Verão, tenha contribuído para a maior presença destes animais perto da costa. “Há vários relatos de animais que foram vistos mais frequentemente em áreas de onde tinham desaparecido previamente e foi sugerido que os animais marinhos podem estar a movimentar-se mais através dos oceanos, devido aos baixos níveis de tráfego marinho e da poluição sonora”, citam os investigadores no artigo.

Joana Castro junta a tudo isto - e em particular no caso das baleias-de-bryde - um terceiro factor: “Pode acontecer que não seja propriamente uma presença nova na costa portuguesa, mas que, como há tão poucos estudos sobre esta espécie, ainda não tivesse acontecido um registo. Quando há mais investigação presente, por vezes surgem estas descobertas”, diz.

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É preciso mais investigação, para perceber melhor se as baleias-de-bryde sempre cá estiveram e só não tinham sido registadas, ou se há alterações no seu comportamento AIMM

As baleias-de-bryde continuam entre as mais desconhecidas entre os cetáceos. Em parte porque durante anos foram confundidas com as baleias-sardinheira, com quem partilham muitas parecenças. A marca mais distintiva das primeiras são três listas na cabeça, e que são bem visíveis em algumas das imagens captadas pela AIMM.

Considerada uma espécie tropical, por gostar de águas mais quentes, sabe-se muito pouco sobre a sua presença em áreas como o Atlântico Norte, embora já tenha havido registos da sua presença em locais como a Dinamarca ou a Alemanha. Por cá, tem sido presença frequente no mar ao largo da Madeira e, pelo menos desde 2004, também nos Açores, durante a Primavera e o Verão. Até há poucos anos, o desconhecimento sobre a espécie era tal que não era sequer possível classificar o seu estado de conservação. Mais recentemente, está classificada a nível global como “pouco preocupante”, embora a situação não seja idêntica em todos os pontos e “a tendência da população global continue desconhecida”, referem os autores do artigo.

Estando incluída no grupo das maiores baleias do mundo - o macho pode atingir 15 metros de comprimento e a fêmea 16,5 metros -, deslocam-se geralmente sozinhas, embora já tenham sido avistados grupos em momentos de alimentação.

A presença de dois indivíduos diferentes nos dois últimos anos ao largo do Algarve deixa no ar mais questões do que certezas sobre esta espécie, o que leva os investigadores da AIMM a defenderem que é “essencial desenvolver mais pesquisas científicas na região, para se perceber melhor a diversidade dos cetáceos na área”.