Les Misérables: Portugal, povo e pobreza

Para além da exclusão social, o desemprego está indelevelmente associado à falta de meios financeiros. No entanto, o emprego deixou de ser o garante de uma vida confortável e digna, uma vez que 9,5% da população empregada no nosso país é considerada pobre.

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Erik Witsoe/Unsplash

Corria a segunda metade do século XIX quando o conceituado romancista francês Victor Hugo verteu em prosa a realidade social de uma França que transitava para a era moderna: a pobreza, as desigualdades sociais e a miséria que oprimiam as classes mais baixas de um país socialmente polarizado foram eternizadas na obra Les Misérables, que a história fez questão de perpetuar.

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Corria a segunda metade do século XIX quando o conceituado romancista francês Victor Hugo verteu em prosa a realidade social de uma França que transitava para a era moderna: a pobreza, as desigualdades sociais e a miséria que oprimiam as classes mais baixas de um país socialmente polarizado foram eternizadas na obra Les Misérables, que a história fez questão de perpetuar.

Nunca como hoje, volvidos mais de 150 anos e na intenta de superar uma crise sanitária, a obra do escritor francês espelhou tão lealmente a sociedade.

Durante o primeiro ano de pandemia, a taxa de intensidade da pobreza em Portugal reverteu a tendência decrescente que vinha tendo ao longo dos últimos anos, alcançando valores semelhantes aos que se verificavam no princípio dos anos 90. Ainda durante o ano de 2020, segundo dados revelados pelo Instituto Nacional de Estatística, o risco de pobreza em Portugal aumentou para 18,4%. Uma subida de 2,2% quando em comparação com o ano anterior. Os dados revelam ainda que um em cada cinco portugueses se encontra em risco de pobreza, ou seja, tem rendimentos monetários líquidos inferiores a 554 euros mensais. Isto significa um aumento de 228 mil pessoas nestas condições no primeiro ano de pandemia, encontrando-se actualmente o valor global a rondar os 1,9 milhões de portugueses.

Tal como Fantine e Cosette na obra do gaulês, a pobreza e a miséria continuam a afectar principalmente mulheres, desempregados e famílias monoparentais. Destas famílias, um em cada três atravessam situação de pobreza.

Para além da exclusão social, o desemprego está indelevelmente associado à falta de meios financeiros. No entanto, o emprego deixou de ser o garante de uma vida confortável e digna, uma vez que 9,5% da população empregada no nosso país é considerada pobre.

Em consequência, desde o principiar da pandemia que o valor despendido em apoios sociais tem vindo a aumentar, tendo alcançado recentemente o triplo do valor que era alocado a estes apoios em Abril de 2020. Os especialistas afirmam que estas ajudas são eficientes, no entanto viram o seu efeito reduzir-se com a pandemia. Estudos alegam que, caso estes apoios não existissem, a percentagem de portugueses a viver abaixo do limiar da pobreza seria de 58%.

Num momento em que os preços dos combustíveis e da electricidade atingem máximos históricos, a previsão é que o ano de 2022 seja marcado pelo aumento de preços. Os bens alimentares, as telecomunicações e as portagens são exemplo desses aumentos.

“Chega sempre a hora em que não basta apenas protestar: após a filosofia, a acção é indispensável”, escreveu Victor Hugo sobre os miseráveis que habitavam a capital francesa naquele tempo. Que a acção popular e política que se avizinha devolva os rendimentos e a esperança à população, diminua as desigualdades e ajude o país a ultrapassar esta realidade quase medieval. Enquanto houver um “miserável”, seremos todos “miseráveis”.