Detenções em Hong Kong precipitam encerramento do jornal independente Stand News

Duzentos agentes prenderam seis pessoas e apreenderam “material jornalístico relevante” em nome da segurança nacional. Detidos serão julgados por “conspiração para publicar notícias sediciosas”.

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O jornal digital independente Stand News anunciou nesta quarta-feira, através do Facebook, o “fim das operações” e a “dispensa de todos os funcionários”, na sequência de uma operação policial de larga escala em Hong Kong, que culminou com a detenção de seis pessoas, incluindo actuais e antigos editores e jornalistas, suspeitas de “conspiração para publicar notícias sediciosas”.

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O jornal digital independente Stand News anunciou nesta quarta-feira, através do Facebook, o “fim das operações” e a “dispensa de todos os funcionários”, na sequência de uma operação policial de larga escala em Hong Kong, que culminou com a detenção de seis pessoas, incluindo actuais e antigos editores e jornalistas, suspeitas de “conspiração para publicar notícias sediciosas”.

Duzentos agentes da polícia de segurança nacional levaram a cabo buscas em diferentes locais da região administrativa especial chinesa. Para além das detenções, foram congelados todos os bens do jornal e apreendidos computadores, telemóveis, cartões bancários e “33 caixas de provas” de “material jornalístico”.

“Não estamos a apontar aos jornalistas. Estamos a apontar aos crimes de segurança nacional”, garantiu Steve Li, responsável pelo departamento de segurança nacional da polícia, em conferência de imprensa, citado pela Reuters.

Os detidos – com idades compreendidas entre 34 e 73 anos – foram interceptados nas respectivas casas. Entre eles estão o chefe-de-redacção, Lam Shiu-tung – que anunciou a sua demissão pouco depois –; o ex-chefe-de-redacção e fundador do Stand News, Chung Pui-kuen; e a antiga deputada pró-democracia Margaret Ng Ngoi-yee.

Segundo o South China Morning Post, um sétimo suspeito já se encontrava detido, acusado de “conspiração com forças estrangeiras”. Trata-se de Chan Pui-man, ex-editora do jornal Apple Daily, blogger e mulher de Chung. Ronson Chan Ron-sing, presidente da Associação de Jornalistas de Hong Kong, foi levado para interrogatório, mas não foi detido.

No seu comunicado, o Stand News revelou que deixará de actualizar o seu site e que vai remover todo o conteúdo das suas redes sociais “dentro de um dia”. Entre as publicações das últimas horas estão vídeos em directo do momento da operação na sede do jornal.

Depois do encerramento do Apple Daily, em Julho, o Stand News era um dos poucos projectos jornalísticos lidos, seguidos e promovidos pelo movimento pró-democracia, que vê nesta operação policial mais uma ingerência do Governo da República Popular da China no território semi-autónomo e, particularmente, mais um episódio de perseguição à imprensa livre.

“Quando uma publicação livre é rotulada de “sediciosa”, isto simboliza bem a rapidez com que esta antiga grande cidade internacional aberta [Hong Kong] se transformou em pouco mais do que um Estado policial”, lamenta Benedict Rogers, director-executivo da organização de direitos humanos Hong Kong Watch, em comunicado.

“[Trata-se de um] verdadeiro assalto à já dilacerada liberdade de imprensa de Hong Kong”, acusa Steven Butler, coordenador do programa para a Ásia da Comissão de Protecção de Jornalistas, citado pela Reuters.

Transformações estruturais

As transformações no território denunciadas por Rogers têm como pano de fundo a imposição, em Julho de 2020, da nova lei de segurança nacional na antiga colónia britânica – cuja soberania foi transferida em 1997 para a China –, concebida pelo Partido Comunista Chinês para pôr fim à onda massiva de protestos pró-democracia de 2019.

A lei tipifica os crimes de “secessão”, “subversão”, “terrorismo” e “conspiração com forças estrangeiras” e atribui-lhes penas até prisão perpétua. Para além disso, autoriza a nomeação política de juízes, incluindo da China continental, para decidirem sobre eles. É, por isso, entendida pelos críticos do governo de Hong Kong, pró-Pequim, como uma ferramenta de perseguição da dissidência.

Ao abrigo da nova lei, dezenas de activistas políticos, jornalistas, candidatos a cargos públicos e antigos deputados foram detidos, julgados e condenados nos últimos meses. Outros foram obrigados a abandonar o território.

As detenções desta quarta-feira, porém, foram levadas a cabo recorrendo a legislação diferente – apenas o congelamento dos bens do Stand News foi feito de acordo com a lei de segurança, por suspeitas de “conspiração com forças estrangeiras”.

Uma vez que o crime de sedição não consta da legislação em causa, foi aplicada uma lei dos tempos coloniais, à qual as autoridades policiais e judiciais de Hong Kong têm recorrido com cada vez maior frequência.

Certo é que a lei de segurança abriu caminho a várias mudanças estruturais em Hong Kong, incluindo mudanças no sistema eleitoral, de forma a reservar aos “patriotas” chineses o direito de se candidatarem ao Conselho Legislativo – com apenas 30,2% de participação, as eleições do passado dia 18 foram as menos concorridas de sempre.

União Europeia, Reino Unido, Estados Unidos, Austrália e Japão, entre outros, acusam a República Popular da China de estar a dinamitar o princípio “um país, dois sistemas”, a pôr em causa a independência judicial de Hong Kong e a violar o estatuto de semiautonomia consagrado pela Lei Básica (Constituição).