Indústria: da nova estratégia europeia à prática
A Europa nunca teve dificuldades em delinear boas estratégias. Onde por vezes fica aquém das expetativas é na sua concretização.
A tentação de deslocalizar a produção para o exterior, ou simplesmente de comprar feito em vez de produzir, teve um impacto significativo na indústria europeia ao longo das últimas décadas. Desapareceram muitos postos de trabalho no setor, que foi ultrapassado pelo comércio e serviços no estatuto de maior empregador, perderam-se competências e perdeu-se autonomia.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
A tentação de deslocalizar a produção para o exterior, ou simplesmente de comprar feito em vez de produzir, teve um impacto significativo na indústria europeia ao longo das últimas décadas. Desapareceram muitos postos de trabalho no setor, que foi ultrapassado pelo comércio e serviços no estatuto de maior empregador, perderam-se competências e perdeu-se autonomia.
A pandemia de COVID-19, com os problemas que desta resultaram ao nível das cadeias de abastecimento, do acesso a matérias-primas e a componentes essenciais, como foi o caso dos microprocessadores, veio deixar bem claros os riscos da excessiva dependência externa para a qual nos deixámos arrastar. Uma dependência particularmente acentuada em países como Portugal, onde a revolução industrial nunca chegou verdadeiramente a acontecer.
A globalização não foi em si mesma negativa. Pelo contrário: contribuiu para retirar milhões de pessoas da pobreza em todo o mundo e para, de uma forma geral, facilitar o acesso de toda a população a bens e serviços essenciais. Contudo, também criou uma excessiva interdependência entre as diferentes regiões, deixando-nos a todos mais expostos ao impacto de crises de diversas ordens.
Fragilizada por este contexto, e confrontada com desafios adicionais como a descarbonização da economia, a transição digital e a adaptação a um novo ciclo de inovação que se caracteriza pelo seu ritmo acelerado, a indústria europeia precisa de um impulso para recuperar e prosperar. E nós precisamos dela, porque só com o seu imprescindível contributo alcançaremos a transição climática, mais criação de emprego e desenvolvimento económico.
A estratégia industrial europeia, assente num conjunto de 14 ecossistemas verticais, abrangendo atividades que vão do digital à energia e aos transportes, é um documento bem delineado e com vários méritos, o principal dos quais a sua adaptabilidade aos requisitos concretos de cada fileira da indústria. Também tem fragilidades, como a escassa atenção dada a determinados setores, como a indústria transformadora, e a ausência de alguns princípios orientadores mais horizontais, que reflitam as ambições europeias em termos de crescimento sustentável, assente na capacidade científica e na inovação.
O verdadeiro desafio, contudo, não está neste documento, coordenado pelo comissário Thierry Breton, um homem com ampla experiência no setor privado, nomeadamente na indústria. A Europa nunca teve dificuldades em delinear boas estratégias. Onde por vezes fica aquém das expetativas é na sua concretização.
Para concretizarmos esta transição industrial, temos de proporcionar as condições facilitadoras desse processo, criando ecossistemas favoráveis à inovação – apostando na investigação científica, na transferência de tecnologia para a sociedade, em políticas fiscais e quadros legais que sejam potenciadores do investimento. De assegurar as competências necessárias, desde os técnicos aos engenheiros e especialistas. Precisamos de recuperar capacidade de produção e de resolver problemas como o acesso a componentes e matérias-primas. E temos de conjugar os esforços da iniciativa pública e privada em torno dos grandes objetivos.
Nesse sentido, as parcerias do programa-quadro Horizonte Europa, das quais fui relatora no Parlamento Europeu, serão particularmente importantes. Desde a parceria EuroHPC, na área da supercomputação, que inclui a instalação de um supercomputador em Portugal, no Minho, a um conjunto alargado de iniciativas, agregadas num ato único, que abrangem áreas como a aviação limpa, o hidrogénio, a economia circular para o ambiente, a ferrovia, os medicamentos inovadores e a saúde global.
Estas parcerias, principalmente quando reforçadas por sinergias com os planos de recuperação e resiliência nacionais, bem como os restantes fundos públicos e privados, têm um enorme potencial para responder a alguns dos principais desafios dos nossos tempos, desde a transição digital ao combate às alterações climáticas, criando em simultâneo riqueza e emprego.
A transição industrial europeia não afeta apenas os protagonistas do setor. É importante – decisiva – para todos nós.
A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico