BE quer “acordo escrito” com PS, mas dispensa que seja Marcelo a exigi-lo
A líder do Bloco de Esquerda espera ver o partido crescer nas eleições de Janeiro e recuperar os entendimentos feitos à esquerda, em 2015. Em entrevista ao PÚBLICO e à Rádio Renascença, Catarina Martins diz que estes dois anos somaram erros que não devem ser repetidos e que cabe à esquerda voltar a sentar-se à mesa para um novo ciclo.
À frente do Bloco de Esquerda, Catarina Martins quer que o partido mantenha a terceira maior bancada parlamentar e travar o crescimento da extrema-direita, com propostas que resolvam os problemas do país, para que os portugueses não se sintam esquecidos. Confiante na possibilidade de renovar a “geringonça” de 2015, a coordenadora bloquista pede um “acordo escrito” que seja claro sobre os objectivos para os próximos quatro anos. Em entrevista ao PÚBLICO e à Rádio Renascença no programa Hora da Verdade, a líder do BE acusa ainda o PS de “agitar” o “papão” do Bloco Central e diz que um voto nos socialistas é um voto na incerteza.
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À frente do Bloco de Esquerda, Catarina Martins quer que o partido mantenha a terceira maior bancada parlamentar e travar o crescimento da extrema-direita, com propostas que resolvam os problemas do país, para que os portugueses não se sintam esquecidos. Confiante na possibilidade de renovar a “geringonça” de 2015, a coordenadora bloquista pede um “acordo escrito” que seja claro sobre os objectivos para os próximos quatro anos. Em entrevista ao PÚBLICO e à Rádio Renascença no programa Hora da Verdade, a líder do BE acusa ainda o PS de “agitar” o “papão” do Bloco Central e diz que um voto nos socialistas é um voto na incerteza.
Nas legislativas de 2019, o BE teve um resultado de 9,52%. O que seria um bom resultado em Janeiro? O BE pode chegar mais longe, pode aumentar a representação. É importante que possa crescer e consolidar-se como terceira força política, porque isso significaria três coisas: que tínhamos derrotado uma hipótese de governo de direita, que teríamos derrotado uma hipótese de maioria absoluta e teríamos afastado perigos da extrema-direita. Com estes três objectivos estávamos em condições de abrir um novo ciclo no país para discutir salários, trabalho, como reformular o Serviço Nacional de Saúde (SNS) e a escola pública ou como responder à crise climática.
Ficar atrás do Chega seria uma afronta? A questão é saber que país queremos ser. A extrema-direita é problema, não é solução. O BE acredita num país em que as pessoas se respeitam, num país de liberdades, de democracia e num país mais exigente. O Chega é o pior do regime. Tem em si os interesses imobiliários, das offshores, dos vistos gold, de tudo aquilo que faz o assalto de milhões ao nosso país. Tenta disfarçar isso com uma cortina de fumo de discurso de ódio, o que representa uma fractura social permanente inaceitável. Por isso é que as soluções do nosso país se devem fazer com uma esquerda exigente, que não esqueça nunca o que é fundamental: responder pelos salários, pelos serviços públicos, pelo clima e pelo futuro.
Um resultado que fique aquém desses objectivos põe em causa a direcção do BE? Estas eleições são sobre o país e a resposta ao país. Aquilo que estamos a disputar é se no dia a seguir às eleições vai haver força à esquerda para mexer na legislação do trabalho, para acabar com o fado triste do nosso país. Sinto uma certa tentação de que se fale de tudo para que não se fale do que se vai fazer para o país. Nós vamos fazer esta campanha focados em soluções.
Falar na possibilidade do regresso do BE a partido de protesto é um cliché? É uma falsa questão. O que é um partido de protesto ou um partido de propostas? O BE não é um partido de protesto, quando está nas comissões de inquérito e explica aos portugueses o que é o saco azul do GES, como Mariana Mortágua fez. Estamos a protestar ou a defender o país? E quando somos capazes de fazer um acordo que diz que as pensões devem ser descongeladas e que é preciso acabar com cortes em salários? Estamos a fazer propostas e construir alternativa. O BE sempre foi capaz de transformar o protesto numa proposta alternativa para o país. Essa separação entre uma coisa e outra é que é errada. É tributária de uma lógica de Bloco Central.
Acha que o Bloco Central está a ser preparado? O PS quer uma maioria absoluta e decidiu agitar o papão do Bloco Central para tentar uma espécie de voto útil. É absurdo, porque na verdade acabamos por não saber o que é que vale um voto no PS. É um voto para que os salários se mantenham congelados? É um voto para que o salário mínimo não possa mais subir, como quer o PSD? Ou é um voto para que seja possível fazer progressões de salários com acordos à esquerda? Não se sabe. E é estranho. O país está num impasse, precisa de clareza. Precisa de um novo ciclo. E é por isso que dizemos que cada partido deve dizer precisamente ao que vem. O BE explica ao que vem. Com o BE não haverá nenhum acordo à direita.
Com o BE serão trabalhadas soluções que acabem com este país em que os salários médios são cada vez mais iguais ao salário mínimo. É preciso alterar estas regras. É preciso aplicar a lei do trabalho, mesmo sendo fraca. Conseguimos uma lei que não é má para combater os falsos recibos verdes, por exemplo, mas a Autoridade para as Condições do Trabalho simplesmente não fiscaliza. Há lei e não há meios, não há fiscalização.
Esta ideia de deixar que Portugal seja uma economia desqualificada, em que encolhemos os ombros e dizemos que não há nada a fazer, em que achamos normal que mesmo quando a economia cresce o fim do mês seja cada vez mais difícil, tem de acabar. E para acabar é preciso uma esquerda forte.
Os eleitores vão compreender essa disponibilidade, tendo em conta que não houve um entendimento no Orçamento do Estado para 2022 (OE2022)? Estas negociações orçamento a orçamento que o PS quis são um erro e toda a gente já percebeu isso. Em 2019 dissemos que era importante haver um acordo de legislatura, o PS não quis e fez mais leis com a direita do que com a esquerda durante este tempo. O BE tinha vindo a denunciar esta situação como insustentável. Não foi o primeiro OE que votámos contra. Já tínhamos votado no anterior. Mas estas eleições não devem ser sobre cada um destes passos entre 2019 e 2021, que as pessoas percebem terem sido de uma enorme desorientação. Precisamos é de olhar para o futuro.
Caso o PS ganhe com maioria relativa, o BE vai reivindicar que exista um acordo escrito como fez em 2019? Não há nada como a clareza do que se vai fazer. Quando há clareza, podemos dizer que temos determinado objectivo, que pode ser alcançado em x anos, de uma determinada forma. E isso é muito importante até para o país ter uma estratégia.
Ouço o PS falar muito da questão da estabilidade. Não há nenhuma estabilidade na saúde, quando os profissionais de saúde fazem 20 milhões de horas extraordinárias, não há nenhuma estabilidade nos salários, quando os salários não chegam aos 1000 euros. Há estabilidade, quando há resposta para a vida das pessoas.
Esses termos deviam ficar num acordo? Entre 2015 e 2019 houve estabilidade política, porque houve metas que todo o país percebeu e partilhou. E isso deu confiança e capacidade de crescimento e resposta às questões. Quando o PS decidiu começar a patinar, a navegar à vista, a fazer acordos permanentes, ainda que informais, do Bloco Central... o país ficou sem rumo. É essencial discutir o que vamos fazer. Queremos um programa de rejuvenescimento do corpo docente, porque é fundamental que as nossas escolas tenham os professores de que precisam. Se não tivermos um programa determinado para a escola e para garantir professores para todos os níveis de ensino, em todas as áreas, estaremos a desproteger uma das principais condições de qualificação da nossa economia e democracia.
Em 2015 houve um acordo escrito, porque houve um Presidente da República que o exigiu. O actual Presidente da República devia fazer o mesmo? O BE não faz o que é necessário porque um Presidente da República o exige. Achamos que a clareza é importante, independentemente do que pensa o Presidente da República. O que importa é qual a responsabilidade que cada partido assume e o BE assume a responsabilidade de abrir um novo ciclo em Portugal, que resolva prioridades que têm estado por resolver e que se vão agravando e, para o fazer, está disponível para soluções que sejam claras e, se houver acordos parlamentares, eles devem ser escritos, com metas, com objectivos que todo o país perceba.
É uma responsabilidade que não caberá a Belém? O Presidente da República fará o que entender, com toda a autonomia institucional que tem. Estas eleições são legislativas. Não podemos ir às eleições dizer que não sabemos o que queremos e que depende do Presidente da República. O BE sobre isso não tem nenhuma dúvida.
Falava dos assuntos que serão importantes nos próximos anos. O líder do PS disse que estas seriam as eleições mais importantes dos últimos anos. É um cenário assim tão dramático? É porque desta vez o PSD tem hipótese de ser governo? Nós temos é problemas graves para resolver no país neste momento. A Saúde é o mais óbvio, porque a pandemia criou uma enorme pressão sobre o SNS e os seus trabalhadores, que estão absolutamente exaustos, ao mesmo tempo que há um sector privado da saúde que é financeiramente muito potente e que está à espera dos cacos do SNS para fazer uma privatização da saúde em Portugal, em que o privado ficará com o dinheiro público para fazer o que bem lhe apetecer. Isso seria o cenário mais perigoso. Veja-se o que aconteceu no Algarve. Andámos a engordar um sistema privado que deixou os utentes da mão quando mais precisavam.
Preferia disputar as eleições legislativas com Pedro Nuno Santos à frente do PS, para evitar possíveis entendimentos entre o PS e a direita? Ouvi António Costa dizer uma vez que me teria referido à liderança do PS e, como sabem, nunca o fiz. Nem farei. Não teria nenhum sentido. Estamos aqui para discutir quais são as soluções para o país. Mas gostaria de perceber porque é que o PS não há-de aceitar retirar da legislação do trabalho as medidas que lá foram postas pela troika, quando até o líder dos sindicalistas do PS vem dizer, já depois do OE ter sido chumbado, que esse é um passo fundamental para reconstituir direitos do trabalho.
Um PS mais à esquerda era preferível para o BE? O que é fundamental é que haja soluções para o país e elas dependem da força da esquerda. Foi assim em 2015, quando o PS apresentou o programa mais à direita de sempre. Queria congelar as pensões e descapitalizar a Segurança Social com borlas aos patrões. Esse era o programa de Mário Centeno. Esse programa económico não foi para a frente, felizmente. E até os socialistas agradecem que tenha sido diferente e orgulham-se disso. Foi a força dos votos à esquerda que o permitiu. Se aprendemos com o passado, não nos enganemos. Os desafios que temos pela frente são diferentes.
O PS tem-se queixado que o BE chumbou o OE mais à esquerda dos últimos anos. Qual é a garantia de o BE viabilizar um próximo OE socialista? É preciso negociar soluções maioritárias com rumos para o país. É isso que fazem todas as democracias na Europa. É normal que se façam programas de governo que vêm de negociações que têm que ver com relações de forças dos vários partidos e que garantam um horizonte de legislatura. Temos de sair de um ciclo de impasses. É preciso direcção para o país. Querer repetir o que é impossível não vale a pena. E não é impossível por causa do BE não querer, o PS não querer ou o PCP não querer. Não é possível, porque não resolve nenhum problema do país. O que é preciso fazer depois das eleições é, com a força dos votos que cada partido tiver, encontrar um programa de governo.
Receia que a futura composição parlamentar possa alterar a votação do texto da eutanásia? Ainda que o BE tenha começado bastante sozinho a fazer esse percurso, é uma matéria que tem uma ampla maioria no Parlamento. Não há nada que indique que a composição parlamentar mude isso, pelo contrário. Foi uma matéria em que houve um amplo consenso, da esquerda à direita, sobre essa necessidade solidária, empática, fraterna de nos respeitarmos e respeitarmos as escolhas até ao fim da nossa vida.
A prazo, admite que a lei possa ser alterada e incluir, por exemplo, o alargamento a crianças ou a jovens? Não é isso que está na proposta de nenhum dos partidos, não é isso que é defendido por nenhuma força política em Portugal.
Falou de várias batalhas prioritárias. Se pudesse escolher uma, qual seria? Vamos ter de ir à habitação muito rapidamente, até pela forma como estão a ser canalizados os dinheiros do Plano de Recuperação e Resiliência, deixando a resposta à habitação de fora. Os preços da habitação continuam a disparar, uma boa parte do rendimento das famílias vai para a habitação, as pessoas com menos rendimento não conseguem uma casa. É preciso mudar as regras, acabando com os “vistos gold” ou com o regime fiscal dos residentes não habituais. E são precisas alterações à lei do arrendamento, que permanece com a lei feita por [Assunção] Cristas.
Tem-se falado muito na possibilidade de Edite Estrela ser indicada para presidente da Assembleia da República, numa próxima legislatura, caso o PS ganhe as eleições. É um nome que o BE admitiria votar? Tenho muito gosto em que se debatam nomes de mulheres para a presidência da Assembleia da República, mas tem pouco sentido debater nomes, em vez de debatermos as razões e os programas que nos levam a votos. Depois veremos as votações e decidiremos isso mesmo.