Dívidas que o fisco já não consegue cobrar dispararam 130% em quatro anos

Tribunal de Contas alerta para aumento da dívida incobrável junto dos contribuintes e considera esse crescimento um risco para a sustentabilidade das finanças públicas.

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A AT, dirigida por Helena Borges, criou uma nova funcionalidade para acompanhar os processos incobráveis evr enric vives-rubio

A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) tinha por cobrar de forma coerciva cerca de 22 mil milhões de euros no final de 2020 e, desse valor, um terço é dívida já considerada “incobrável” — é praticamente dada como perdida por ser de muito difícil execução pela administração fiscal.

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A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) tinha por cobrar de forma coerciva cerca de 22 mil milhões de euros no final de 2020 e, desse valor, um terço é dívida já considerada “incobrável” — é praticamente dada como perdida por ser de muito difícil execução pela administração fiscal.

Este montante tem vindo a aumentar nos últimos anos e é considerado pelo Tribunal de Contas (TdC) como um “factor de risco de sustentabilidade das finanças públicas” portuguesas.

Em apenas quatro anos, a dívida incobrável disparou 130%, passando de cerca de 3.200 milhões de euros em 2016 para 7.400 milhões no último ano, como assinala o tribunal no parecer à Conta Geral do Estado de 2020, entregue esta quarta-feira no Parlamento.

Como lembra o tribunal, a “dívida incobrável” corresponde à “dívida declarada em falhas” porque um contribuinte que está a enfrentar um processo de execução já não tem bens que possam ser penhorados ou quando isso também se verifica relativamente aos seus sucessores e aos seus responsáveis solidários ou subsidiários.

Uma dívida incobrável ainda pode passar a ser considerada dívida activa enquanto não prescreve, caso o fisco detecte bens a penhorar, mas, pelo menos olhando para os últimos anos, esse montante não parou de crescer. Não por acaso o Tribunal de Contas volta a assinalar esse facto, lembrando que os valores em causa são “elevados” e chamando a atenção para a circunstância de o montante ter crescido pelo terceiro ano seguido. Já tinha crescido antes da pandemia e continuou a aumentar em plena crise económica no país e a nível global.

De 2019 para 2020, a dívida incobrável passou de 6.423 milhões de euros para 7.401 milhões, uma subida de 15% (978 milhões de euros). De acordo com o TdC, destes 7.401 milhões, cerca 2.900 milhões são dívidas de IVA, outros 1.400 milhões são dívida de IRC, 935 milhões são valores de IRS, 98 milhões dizem respeito a outros impostos e cerca de 2.000 milhões juntam outras dívidas, incluindo as que são cobradas por entidades terceiras.

Aos 7.401 milhões da dívida considerada incobrável somam-se 6.189 milhões de dívida activa e 8.437 milhões de dívida que está suspensa.

Os 22 mil milhões de euros que o fisco tinha por cobrar no final do ano passado na fase da cobrança coerciva equivalente a metade de toda a receita em impostos arrecadada pelo Estado nesse mesmo ano. O tribunal presidido por José Tavares reconhece que a dívida da cobrança coerciva tem vindo a diminuir — em 2020 isso aconteceu em parte por causa das “medidas de adiamento das execuções fiscais para atenuar os efeitos da pandemia” —, mas, por outro lado, isso “conduz ao aumento, cada vez maior, da dívida por cobrar”.

Nova funcionalidade

O tribunal explica que a partir de 2019 a administração fiscal passou a ter uma interpretação diferente sobre o “efeito duradouro da interrupção da prescrição” das dívidas tributárias e isso fez com que as prescrições baixassem (em regra, uma prescrição ocorre ao fim de oito anos após o ano em que ocorreu o facto gerador da obrigação de imposto, embora haja as suspensões) e, ao mesmo tempo, o número de processos considerados incobráveis aumentasse.

Com base nas explicações da AT, o tribunal refere que essa mudança veio permitir que, “não ocorrendo desde a data da citação do executado para pagamento das respectivas dívidas, qualquer acto, ou decisão que ponha fim ao processo de execução fiscal, este possa estar indefinidamente parado sem que o respectivo prazo de prescrição se encontre a decorrer” e refere que, “atendendo a que a AT considera que o prazo de prescrição, após interrupção por via da citação, só se inicia com a declaração em falhas, implicará, naturalmente, uma maior permanência dos processos na referida fase, protelando no tempo a sua prescrição”.

Apesar de reconhecer que essa alteração se reflecte no número de processos, o tribunal verificou que a AT não tinha instruções sobre este assunto, mas, entretanto, já no segundo semestre deste ano, divulgou orientações sobre o assunto.

O tribunal recomendou que a instituição dirigida por Helena Borges criasse mecanismos de controlo internos para detectar se a situação de um devedor de uma dívida incobrável (ou dos outros responsáveis por essa dívida) sofria alterações, o que permitiria reactivar o processo em causa e cobrar os valores em causa, e em Julho deste ano a AT criou uma nova funcionalidade para identificar os processos e “um conjunto de dados relacionados”.

Em 2020, o valor associado à instauração de dívida nova caiu 11%, menos 345 milhões de euros, resultado de uma quebra nos processos de IRC e IRS (em sentido contrário ao que se passou no IVA, onde se registou um aumento de 17%).