Pandemia covid: Qual é o mal menor?
Mais mortos covid e não-covid? Desemprego? Sofrimento ético quando se chega à “escolha de doentes”? Fome e sem-abrigo? Liberdades individuais? Exaustão dos profissionais de saúde? Festas, alegrias? Beijos e Abraços? Nós temos de fazer escolhas.
Tenho ando à volta desta questão, até porque a questão das vacinas dos 5 aos 11, me parece que não merece a celeuma a que assistimos. A vacina é segura, mas o vírus também raramente é uma preocupação. Logo está longe de ser uma decisão importante. Eu sou a favor, claro. Já o era, quando a norte-americana Food and Drug Administration (FDA, na sigla inglesa, o equivalente ao Infarmed) se pronunciou, mais fiquei com a recomendação da Agência Europeia do Medicamento (EMA, na sigla ingleasa), e tenho plena confiança nos peritos da Direcção-Geral da Saúde (DGS) que decidiram em unanimidade.
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Tenho ando à volta desta questão, até porque a questão das vacinas dos 5 aos 11, me parece que não merece a celeuma a que assistimos. A vacina é segura, mas o vírus também raramente é uma preocupação. Logo está longe de ser uma decisão importante. Eu sou a favor, claro. Já o era, quando a norte-americana Food and Drug Administration (FDA, na sigla inglesa, o equivalente ao Infarmed) se pronunciou, mais fiquei com a recomendação da Agência Europeia do Medicamento (EMA, na sigla ingleasa), e tenho plena confiança nos peritos da Direcção-Geral da Saúde (DGS) que decidiram em unanimidade.
Há quem diga que a pandemia já “acabou”, ou então que já não é uma pandemia, mas sim uma endemia. Eu acho que as definições importam, mas neste caso, entro numa certa contradição, porque acho que o termo endemia talvez seja mais correcto para descrever o que vivemos, neste momento. Mas não consigo dizer que a pandemia acabou quando temos países ao nosso lado em confinamento, e alguns a reforçar as medidas de protecção e que estão mais avançados que nós na terceira dose. Acho que só no futuro é que conseguiremos olhar para o passado, e concluir em que momento a pandemia “acabou”, nunca agora.
Olho com atenção e preocupação para o que se passa pelo mundo fora. Eu estarei sempre mais do lado dos doentes, mas acompanho com proximidade organizações não-governamentais (ONGs) que fizeram um trabalho incrível com a pobreza que explodiu com a pandemia, e tenho amigos de todas as áreas de negócio, inclusive bares, restauração, cultura que ou foram ao fundo, ou não sabem se se conseguem agarrar à bóia para se salvar. E preocupo-me com o mundo à minha volta, e esforço-me para que o meu pensamento seja alimentado pela aspiração do bem comum, ou um conceito que eu chamo de Taxa de Felicidade Global.
Mais mortos covid e não-covid? Desemprego? Sofrimento ético quando se chega à “escolha de doentes”? Fome e sem-abrigo? Liberdades individuais? Exaustão dos profissionais de saúde? Festas, alegrias? Beijos e Abraços? Nós temos de fazer escolhas. E entre o mau e o péssimo, o mau passa a ser a melhor opção. Tantas e tantas vezes na nossa vida, que a escolha é por um mal menor. Já vários países tinham declarado obrigatória a vacinação para profissionais de saúde e trabalhadores de lares. Parece-me sensata a decisão. A vacina diminui em média 50/60% a transmissão, e logo não me parece que um profissional de saúde possa andar a brincar com as probabilidades.
Agora temos a decisão polémica da Alemanha e da Áustria que decretaram que a vacinação será obrigatória. Esta ideia arrepia muitos princípios éticos, mas o confinamento e as suas consequências também. O facto é que na Alemanha, mesmo o partido liberal já concorda com a vacinação obrigatória. Qual é o mal menor? Na Grécia, acima dos 60 anos, quem não se vacinar vai pagar uma multa de 200 euros por mês, como se fosse um seguro de saúde, que “cobre” a maior probabilidade de gastar recursos do Estado, digo eu. Já sabemos que há muitos locais onde os governos estão a pagar para as pessoas se vacinarem. A relação custo/benefício desta atitude é enorme, porque cada internamento covid, mesmo que em enfermaria geral custa milhares de euros a todos nós, mas também é eticamente estranho. No Vietname houve uma altura em que a falta de ajuda nos hospitais era tão grande, que todas as pessoas recuperadas de covid, iam, por decreto, trabalhar nos covidários durante um mês, por ser também um período de tempo, sem risco de reinfecção. E ainda falta a solução do povo quando está maldisposto “quem não se vacinasse, não devia ter direito a ser tratado!”... Claro que isto seria eticamente inaceitável. Mas parece que todas as soluções o são.
Nunca andamos tanto à volta com a ética, e no meio disto a democracia a funcionar, em que uns acham que a sociedade é um colectivo de indivíduos e outros que acham que é um indivíduo colectivo. A luta entre as liberdades individuais e o bem comum para a sociedade é uma luta muito controversa, e eu confesso que tenho muito mais perguntas que respostas.
Em Portugal parece ser uma não-questão, quando temos 97% das pessoas vacináveis, vacinadas, e quando as pessoas cumprem as recomendações estas não precisam de ser regras. Somos mais felizes assim. Mas eu nunca fecho o meu pensamento apenas ao nosso rectângulo, até porque a pior aceitação da ciência noutros países, pode ser a nossa realidade a qualquer momento.
Há dias, um intensivista português que trabalha na Alemanha, confessava-me que depois de ter visto um rapaz saudável de 39 anos, não-vacinado, a morrer de covid, e de estar exausto depois de quase dois anos de trabalho árduo, mostrava-se decidido a desistir de ser intensivista pela revolta e frustração. Eu fico feliz por não ser essa a nossa realidade, mas não posso dizer o que pensaria se estivesse numa situação semelhante. E atenção, dilemas éticos não são propriamente uma novidade na nossa profissão. Já passei noites a fio a trabalhar, a tentar salvar vítimas de tentativa de suicídio. E não há qualquer julgamento moral da nossa parte. Damos tudo o que temos para tentar salvar uma vida, a quem por sua decisão a quis terminar. Damos tudo por um alcoólico que nunca parou de beber, damos tudo por um fumador que fumou até ao fim, damos tudo por vítimas de overdose com vidas totalmente destruturadas, damos tudo por reclusos independentemente do crime. E sei, sem margem para dúvidas, que todo o SNS sempre dará tudo pelos não-vacinados que lá apareçam com covid.
Mas se as pessoas, em grandes quantidades, insistirem em não se vacinar vamos ter que tomar opções entre: mortos, exaustão dos hospitais, liberdades individuais, desemprego, pobreza... Temos que fazer escolhas, não podemos proteger todos os ângulos desta equação complexa, e eu pergunto sem saber a resposta: Qual é o mal menor?