Ghislaine Maxwell, de “bode expiatório” a “agressora”?

Depois de a acusação ter colado Ghislaine Maxwell aos abusos sexuais cometidos contra quatro jovens, duas menores de idade, a teoria da defesa de a socialite ser um “bode expiatório” para os crimes de Jeffrey Epstein poderá não ser o melhor caminho a explorar.

Foto
A acusação deu a apresentação do caso por terminada na última sexta-feira Reuters/JANE ROSENBERG

No arranque do julgamento, percebeu-se que a defesa de Ghislaine Maxwell assentaria sobretudo na teoria de a socialite britânica ser uma espécie de bode expiatório, já que a pessoa que o Ministério Público pretendia ver julgada, acusada de abusos sexuais a menores, morreu em Julho de 2019. No entanto, os testemunhos ouvidos nestas últimas duas semanas puseram Ghislaine Maxwell no centro dos abusos cometidos.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

No arranque do julgamento, percebeu-se que a defesa de Ghislaine Maxwell assentaria sobretudo na teoria de a socialite britânica ser uma espécie de bode expiatório, já que a pessoa que o Ministério Público pretendia ver julgada, acusada de abusos sexuais a menores, morreu em Julho de 2019. No entanto, os testemunhos ouvidos nestas últimas duas semanas puseram Ghislaine Maxwell no centro dos abusos cometidos.

O foco sobre a ex-namorada do financeiro só aumentou depois de quatro mulheres terem testemunhado sobre a forma como a arguida as recrutou e preparou para os encontros sexuais com Jeffrey Epstein quando eram ainda menores: duas já tinham idade (16 e 17 anos) de consentimento nos locais (Londres, Reino Unido; e Novo México, EUA) onde ocorreram os encontros e, deliberou a juíza a favor da defesa, apenas serviram para expor um padrão de comportamento; as outras duas tinham 14 anos.

Qualquer uma das quatro mulheres, três sob pseudónimo (Carolyn, Jane e Kate) e uma que informou a sua verdadeira identidade (Annie Farmer), retrataram Ghislaine Maxwell como uma figura central nos encontros de natureza sexual que tiveram com o magnata norte-americano. E a coerência entre os testemunhos podem vir a pôr em causa o argumento principal da defesa que tem como missão convencer o júri de que Ghislaine Maxwell não esteve envolvida directamente nos crimes de Epstein e que estará a ser usada como uma espécie de “bode expiatório”, consideram especialistas jurídicos ouvidos pela Reuters.

O Ministério Público “fez um bom trabalho ao manter o júri concentrado em [Ghislaine] Maxwell”, analisa Sarah Krissoff, sócia do escritório de advogados Day Pitney e antiga procuradora federal. “O governo argumentará que o facto de cada vítima ter uma história diferente — e não ter “exagerado o papel de Maxwell” nessa história — demonstra credibilidade”, acrescenta.

Os procuradores, que dizem que Maxwell recrutou e preparou quatro raparigas adolescentes para Epstein abusar sexualmente, de 1994 a 2004, finalizaram a apresentação do caso na sexta-feira no tribunal federal de Manhattan, Nova Iorque.

Maxwell, de 59 anos, declarou-se inocente dos oito crimes de que é acusada, incluindo de tráfico sexual, e os seus advogados argumentaram que Ghislaine é uma “substituta conveniente” de Epstein, que foi encontrado morto na sua cela de uma prisão de Manhattan em 2019, quando aguardava julgamento sobre acusações de abuso sexual. E não se coibiram de tentar minar a credibilidade das quatros testemunhas da acusação.

Os advogados de Ghislaine Maxwell argumentaram que as memórias das mulheres foram corrompidas pelo tempo que passou desde os acontecimentos, mas também que qualquer uma delas tinha o dinheiro como principal motivação para se apresentar em tribunal.

Três das quatro mulheres ficaram muito agitadas quando a defesa contestou a sua credibilidade, apontando aparentes inconsistências entre os seus testemunhos e as declarações anteriores feitas às autoridades policiais.

Laura Menninger, advogada da socialite, questionou Jane, a primeira testemunha a ser ouvida, sobre a razão pela qual inicialmente disse ao FBI que não se lembrava de estar numa sala sozinha com Epstein e Maxwell ou que Maxwell alguma vez lhe tivesse tocado. Jane começou por dizer que esses apontamentos estavam “incorrectos”, acabando por chorar e explicar o motivo pelo qual não partilhou, inicialmente, certos detalhes: “Estava sentada numa sala cheia de estranhos e a contar-lhes os mais vergonhosos e profundos segredos que carreguei comigo durante toda a minha vida.”

Carolyn, que recebeu 3,25 milhões de dólares de um fundo de compensação criado para as vítimas de Epstein, foi contra-interrogada por Jeffrey Pagliuca sobre esse dinheiro. “Porque é que essa questão continua a ser repetida?”, reclamou a mulher.

Jeffrey Cohen, professor associado da Faculdade de Direito de Boston e ex-procurador federal, refere que a defesa pode argumentar que as reacções das mulheres sob contra-interrogatório poderiam indicar “que estão simplesmente à procura de vingança” e ser “toldados pelas emoções”. No entanto, considera que, neste caso, os jurados poderão vir “a perdoar a indignação das vítimas”.

E nem o facto de as acções relatadas pelas duas testemunhas que tinham mais de 16 anos à data dos acontecimentos não estarem em julgamento deverá causar problemas à acusação. Ao “descreverem padrões de comportamento impressionantemente semelhantes por parte de Maxwell”, Kate e Annie Farmer terão dado força aos testemunhos de Jane e Carolyn, avalia Deborah Tuerkheimer, professora na Northwestern University School of Law. “O testemunho das mulheres que ultrapassaram a idade de consentimento durante as interacções sexuais corrobora fortemente o testemunho das duas alegadas vítimas”, sublinhou.