Mudam-se os tempos, mudam-se as cadeiras
Chega a Lisboa com a aura de espectáculo do ano e com o peso de uma despedida. Última criação de Tiago Rodrigues como director do Teatro Nacional D. Maria II, O Cerejal é mais do que a aventura que o encenador português teve com Isabelle Huppert: o derradeiro degrau da sua reconstrução como futuro senhor do Festival de Avignon, o corolário de uma obra política quando não politicamente correcta. E Tchékhov, no meio disto? Talvez pudesse reconhecer-se na fúria do seu alter-ego pós-colonial – e deixar-se embalar pelos Clã.
O Cerejal não é uma peça sobre o fim, vem insistindo Tiago Rodrigues desde que o projecto “Tchékhov com Isabelle Huppert”, como tende a ser empacotado em hashtags para sumária pesquisa no Google e exportação tão galopante quanto possível, se fixou na sua agenda para 2021. Foi, é certo, a última que o dramaturgo russo escreveu, já muito tuberculoso, na villa de Ialta onde nunca chegou a restabelecer-se; e nela pôs ao centro, certo é também, uma aristocrata arruinada e à toa na vida, Liubov Andréevna, condenada a desfazer-se da propriedade da família e a vê-la retalhada em lotes pelo ascensional empreendedor, talvez um pouco ressentido, que enche agora os bolsos onde outrora pai e avô serviram como escravos, sem direito sequer a entrar na cozinha. Et voilà, está justamente aí, nesse novo pé que se mete à porta, a chave para ler neste espectáculo que agora chegou a Lisboa não uma peça sobre o fim mas uma peça sobre o princípio: saem Liubov e o terminal feudalismo russo assente numa longa e penosa história de servidão, entram Lopakhine e a burguesia que há-de fazer (mesmo que Tchékhov já não sobreviva para contá-la) uma histórica revolução.