Peter Handke: arrancar da mudez a escrita

Uma reflexão sobre a linguagem e as dificuldades da escrita e da narrativa.

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O absurdo, por Peter Handke Rui Soares/arquivo

Começamos a ler Um Adeus Mais-Que-Perfeito, de Peter Handke (n. 1942) — Nobel 2019 —, e é inevitável que não nos lembremos das primeiras frases de O Estrangeiro, de Albert Camus: “Hoje, a mãe morreu. Ou talvez ontem, não sei bem. Recebi um telegrama do asilo: ‘Sua mãe falecida. Enterro amanhã. Sentidos pêsames.’ Isto não quer dizer nada. Talvez tenha sido ontem.” Handke inverte a situação e coloca primeiro a notícia da morte, que apareceu num jornal regional, para depois prosseguir: “Passaram entretanto quase sete semanas desde a morte da minha mãe e seria bom que metesse mãos ao trabalho antes que a necessidade de escrever sobre ela (...)”. As semelhanças formais ficam-se por aqui. E este facto seria despiciendo, resultado talvez de uma coincidência, se um dos temas fortes do romance de Camus não fosse a ideia de “absurdo”, assim nomeada pelo próprio. Mas deixemos isto lá mais para diante neste texto.

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Começamos a ler Um Adeus Mais-Que-Perfeito, de Peter Handke (n. 1942) — Nobel 2019 —, e é inevitável que não nos lembremos das primeiras frases de O Estrangeiro, de Albert Camus: “Hoje, a mãe morreu. Ou talvez ontem, não sei bem. Recebi um telegrama do asilo: ‘Sua mãe falecida. Enterro amanhã. Sentidos pêsames.’ Isto não quer dizer nada. Talvez tenha sido ontem.” Handke inverte a situação e coloca primeiro a notícia da morte, que apareceu num jornal regional, para depois prosseguir: “Passaram entretanto quase sete semanas desde a morte da minha mãe e seria bom que metesse mãos ao trabalho antes que a necessidade de escrever sobre ela (...)”. As semelhanças formais ficam-se por aqui. E este facto seria despiciendo, resultado talvez de uma coincidência, se um dos temas fortes do romance de Camus não fosse a ideia de “absurdo”, assim nomeada pelo próprio. Mas deixemos isto lá mais para diante neste texto.