Os canais no Reino Unido estão de novo na moda
Há cada vez mais gente a viver nas águas dos rios e canais por terras britânicas. O leitor Miguel Silva Machado conta-nos tudo sobre esta corrente.
É difícil ir a Londres e não ver os seus canais. Para nós, portugueses, pode causar admiração, se os procurarmos e seguirmos a surpresa será maior. Continuam uma realidade viva, ainda assim, longe daquilo que foi o complexo sistema de canais do Reino Unido. O seu uso está a crescer, novos troços são reabertos e à sua volta nascem zonas verdes – e empreendimentos imobiliários – onde antes as indústrias que lhes deram origem prosperavam.
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É difícil ir a Londres e não ver os seus canais. Para nós, portugueses, pode causar admiração, se os procurarmos e seguirmos a surpresa será maior. Continuam uma realidade viva, ainda assim, longe daquilo que foi o complexo sistema de canais do Reino Unido. O seu uso está a crescer, novos troços são reabertos e à sua volta nascem zonas verdes – e empreendimentos imobiliários – onde antes as indústrias que lhes deram origem prosperavam.
Uma atracção pessoal que não sei explicar pelos “barcos-casa”, melhor dizendo, narrowboats (barco estreito e comprido adaptado à navegação nos canais britânicos), levou-me a percorrer a pé (e de barco) alguns trechos dos canais de Londres e Manchester, e a descortinar a sua história no London Canal Museum (New Wharf Road, NI 9RT Londres). Aqui se percebe a enorme relevância que tiveram. Começaram a ser construídos no século XVIII, no seguinte já ligavam o Midlands à capital e em 1820 o Regent's Canal ligava vários locais em Londres, então o maior porto do mundo.
Estas infra-estruturas eram iniciativas privadas, sujeitas a aprovação oficial e constituíam o principal meio de transporte de todo o tipo de cargas. Aquilo que começou com a necessidade de exportar carvão para o porto de Manchester teve um enorme sucesso, mas o caminho-de-ferro, e depois as vias rodoviárias, prejudicaram cada vez mais o uso lucrativo dos canais. Nacionalizados após a II Guerra Mundial continuaram em declínio, mas um livro publicado ainda durante a guerra, em 1944, Narrow Boat, de Tom Rolt, acabaria por inspirar a criação, em 1947, de uma associação na sociedade civil com o objectivo de recuperar os canais, a Inlands Waterways Association.
Foi um sucesso, gradualmente motivou indivíduos e instituições, criou inclusive uma “força de trabalho” voluntário que ainda hoje ajuda a recuperar canais. Em Inglaterra e no País de Gales outra associação, a Canal River Trust, gere desde 2012 cerca de 3200 quilómetros de vias navegáveis, tendo substituído a estatal British Waterways, que na Escócia se mantém com o nome Scottish Canals e gere cerca de 220 quilómetros de canais.
Depois do museu, passeando ao longo do Towpaths do Regent’s Canal – caminho onde antes os cavalos puxavam os barcos – até Little Venice, passando por Camden Town, são seis quilómetros que mostram bem o uso actual destes caminhos por peões e ciclistas, os barcos acostados e o seu movimento nas comportas / eclusas, as quais são manobradas pelos próprios donos dos barcos.
No The Observer, a 30 de Maio deste ano, Miranda Bryant referia que, em Março de 2021, 35.130 pessoas tinham licença para viver em rios e canais, quando em 2012 eram 32.490. A pandemia aumentou a procura, com as vendas a aumentarem em cerca de 50%. Um narrowboat usado custa cerca de 50.000£ (59.000€) e um novo 140.000£ (165.000€). Revistas e até programas de televisão sobre esta “vida a bordo” têm estimulado o interesse da opinião pública.
A maioria dos novos habitantes nos canais têm entre os 45 e os 60 anos de idade, mas as questões ligadas ao ambiente estão a atrair gente mais nova, 25% dos novos proprietários de barcos já estão abaixo daquela faixa etária. Por outro lado, alguns sectores industriais continuam a usar barcaças de grande capacidade de carga onde tal é possível e defendem que o governo devia apoiar este tipo de transporte e melhorar os canais se quer mesmo combater as alterações climáticas no Reino Unido.
Miguel Silva Machado