Espanto e incertezas no último voo entre Moçambique e Portugal
Houve quem pagasse 4500 euros por bilhetes para a família; houve quem não soubesse que teria de cumprir quarentena à chegada a Portugal. Medida deve-se à variante Ómicron, mais contagiosa do que as restantes estirpes do vírus já identificadas.
Já era noite de sexta-feira em Maputo quando se soube que iam ser suspensos os voos para Portugal, mas Orlando Marques apressou-se e ainda conseguiu bilhetes de última hora para ele e duas filhas. Hoje apanhou o derradeiro voo para Lisboa, ao encontro da esposa, antes da suspensão dos voos entre os dois países anunciada para as 00h de segunda-feira, no âmbito do encerramento de portas da Europa à África Austral para prevenir a entrada de uma nova variante do vírus da covid-19.
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Já era noite de sexta-feira em Maputo quando se soube que iam ser suspensos os voos para Portugal, mas Orlando Marques apressou-se e ainda conseguiu bilhetes de última hora para ele e duas filhas. Hoje apanhou o derradeiro voo para Lisboa, ao encontro da esposa, antes da suspensão dos voos entre os dois países anunciada para as 00h de segunda-feira, no âmbito do encerramento de portas da Europa à África Austral para prevenir a entrada de uma nova variante do vírus da covid-19.
Para Orlando foi uma despesa inesperada de 4500 euros por três bilhetes só de ida na TAP, algo que “não estava minimamente nos planos”, mas “é uma situação de emergência”, no caso, de reunião familiar.
Uma despesa com outra agravante: ter vacina ou teste negativo não liberta ninguém de uma quarentena de 14 dias à chegada a Portugal, algo que, ainda assim, vê como “um mal menor”. O mal maior seria “ficar longe da família” na quadra festiva, porque depois do voo de hoje não se sabe quando haverá mais ligações para Portugal, apesar de as restrições preverem excepções, como voos humanitários ou de repatriamento — mas sem detalhes.
"Daqui para a frente, não se sabe"
Orlando Marques parte com as duas filhas enquanto no mesmo avião chegam de Lisboa Carolina e Rui Alves para trabalho humanitário de dez dias em Moçambique. Só quando aterraram é que souberam que os voos vão ser suspensos por tempo indeterminado, pelo que, agora, vão ter de perceber como vão viajar de volta para Portugal. “Tínhamos regresso marcado para dia 6, mas agora não sabemos”, refere Carolina.
As medidas são “o costume, é mais do mesmo”, desabafa Rui, com Carolina a acrescentar que a medida não parece a mais adequada num contexto com “pessoas vacinadas e fazendo teste” antes da viagem. As opiniões dividem-se.
Mário Marques estava em Moçambique por causa de negócios e na noite de sexta-feira correu para o computador para ainda conseguir bilhetes para o voo de hoje, porque “daqui para a frente, não se sabe” como vai ser. “São medidas que se justificam, sem dúvida, atendendo a esta nova variante e à época do ano em que há muita mobilização de pessoas. É preciso impedir um alastramento mais significativo” da covid-19, referiu.
Compreensão mesmo face aos prejuízos, porque teve de cancelar o programa de encontros que tinha em Moçambique e ao chegar a Portugal ainda vai ter de se adaptar a uma quarentena.
Um pouco atrás, à entrada no terminal internacional do aeroporto de Maputo está Fernando Amaral, com empresas em Moçambique e que já tinha ficado privado de estar no país por vários meses devido à pandemia. Agora viu-se obrigado a cancelar reuniões e regressar a Portugal mais cedo. “Tinha voo marcado para dia 4, mas ainda consegui este à meia-noite”, suportando o custo da antecipação e ficando a saber pela Lusa que vai ter de cumprir 14 dias de quarentena. “Acho isto um bocadinho exagerado, porque, estando as pessoas vacinadas acho que talvez se esteja com demasiadas cautelas”, diz.
Catarina Luz também não sabia da quarentena à chegada, nova medida anunciada na sexta-feira à noite. “Se for obrigada, vou ter de fazer. Tenho de ver com o meu trabalho como vou fazer”, disse a caminho da sala de embarque.
“Ficar de quarentena é o menos”
Uma situação que parece ser mais angustiante para alguns pais moçambicanos que se despedem dos filhos, que vão estudar para Portugal, e que também ficam a saber pela Lusa que há uma quarentena de 14 dias a cumprir à chegada. “Fica difícil. As aulas já começaram, já houve provas, estamos em atraso”, devido ao processo de atribuição de visto e acrescentar mais 14 dias ao cenário é avolumar incertezas, queixa-se Carla Bacar. “Eu não sabia da quarentena e ele nunca foi a Portugal”, lamenta, ao dar um último abraço ao filho.
Oelza Machava, outra estudante de partida para Portugal, acalma os ânimos: “Acho que os professores vão perceber”, diz a estudante de Arquitectura em Évora que está feliz por ter viagem marcada para o último voo antes da suspensão das ligações. “Sabendo que a partir de segunda-feira vão fechar portas, fiquei feliz” por ainda conseguir chegar a Portugal, pelo que “ficar de quarentena é o menos” e acredita que terá ajuda de colegas na logística de confinamento.
Mas não existe consenso. “Acredito que isto seja um bocadinho despropositado, porque apanha todos de surpresa. Seria mais fácil colocar lá uma brigada” a testar todos à chegada, sugere Luis Friães.
Ao lado, Dipak Govan fica a saber pela Lusa que a partir de segunda-feira os voos estão suspensos e reage com incredulidade. “Ai é? A TAP devia voar para Moçambique. Nós precisamos. Os PALOP [Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa] precisam da TAP”, destacou.
Herman Garcia está em trânsito para Barcelona e questiona as medidas. “As vezes há decisões apressadas, mas é uma situação extraordinária e há que ter paciência”, conclui.