Criminalizar ou sensibilizar para a violência obstétrica? Duas propostas esperam a próxima legislatura
Joana Mortágua (BE) e Cristina Rodrigues querem que o Parlamento aja com rapidez sobre esta forma de violência contra as mulheres. Os caminhos propostos são muito diferentes.
Sem querer, duas deputadas recorreram à estratégia do bom e do mau polícia para traçar políticas de combate à violência obstétrica. Joana Mortágua (BE) e a deputada não-inscrita Cristina Rodrigues têm já prontos dois diplomas legislativos que visam reforçar a lei actual e colocar na agenda política um tema sensível de violência contra as mulheres, mas por caminhos bastante diferentes.
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Sem querer, duas deputadas recorreram à estratégia do bom e do mau polícia para traçar políticas de combate à violência obstétrica. Joana Mortágua (BE) e a deputada não-inscrita Cristina Rodrigues têm já prontos dois diplomas legislativos que visam reforçar a lei actual e colocar na agenda política um tema sensível de violência contra as mulheres, mas por caminhos bastante diferentes.
Joana Mortágua segue pelo caminho da sensibilização, do estudo e da responsabilização dos profissionais de saúde para a temática, enquanto Cristina Rodrigues aposta na criminalização de práticas clínicas comuns, já constatadas em relatórios do Observatório Português dos Sistemas de Saúde e da Organização Mundial de Saúde e em inquéritos da Associação Portuguesa pelos Direitos da Mulher na Gravidez e Parto (APDMGM).
Estes últimos inspiraram a deputada bloquista a preparar um anteprojecto de lei no qual se propõe a criação de uma Comissão Nacional para os Direitos na Gravidez e no Parto que assegure a produção de relatórios, com dados oficiais e de campanhas de informação contra a violência obstétrica e pelos direitos na gravidez e no parto.
“O objectivo é reunir representantes de várias entidades com os Ministérios da Saúde e o que tiver a tutela da igualdade de género com vista a garantir a humanização e o respeito pela mulher na gravidez e no parto”, afirmou Joana Mortágua ao PÚBLICO. Pretende-se também “reforçar a vigilância e proibição de práticas médicas desnecessárias ou violentas, como a episiotomia (corte na zona do períneo), desnecessária durante o parto.
Por outro lado, consciente de que nem sempre certas atitudes são identificadas como violência e objectificação da mulher, propõe-se que estes temas entrem na formação de profissionais de saúde e na disciplina de educação sexual nas escolas.
O diploma do Bloco define a violência obstétrica como “a acção física e verbal exercida pelo pessoal de saúde sobre o corpo e os processos reprodutivos das mulheres ou de outras pessoas gestantes, que se expressa num tratamento desumanizado, num abuso da medicalização e na patologização dos processos naturais, desrespeitando o regime de protecção na pré-concepção, na procriação medicamente assistida, na gravidez, no parto, no nascimento e no puerpério.
Por seu lado, Cristina Rodrigues distingue dois tipos de violência obstétrica, a física e a psicológica, descrevendo com exemplos o que pode caber dentro de cada uma. No primeiro caso inclui, por exemplo, o recurso à força ou a restrições físicas, a indução do parto, a excessiva medicação ou a negação do alívio da dor.
Já a utilização de linguagem imprópria ou atentatória da auto-estima da mulher, a desconsideração dos pedidos e preferências da parturiente ou a omissão de informação sobre o parto e a proibição da permanência do acompanhante cabem dentro da violência psicológica.
A sua proposta é que ambos os tipos de violência sejam criminalizados e punidos com pena de prisão até um ano ou multa, devendo a pena ser agravada em casos específicos, como no caso de a mãe ou a criança serem portadoras de deficiência e em casos de pessoas particularmente frágeis ou vulneráveis.
Se as intervenções clínicas resultarem na mutilação genital da mulher, em violação das leges artis e criarem um perigo para a vida ou perigo de grave ofensa para o corpo, a moldura penal prevista é a de prisão até dois anos ou multa até 240 dias.