“Barrigas de aluguer”: aprovado novo prazo para desistir até ao registo e inclusão de parecer de psicólogo
Novo diploma que responde ao chumbo do Tribunal Constitucional foi aprovado na especialidade por PS, BE e PAN. Na sexta-feira, vai ao plenário.
O Bloco e o PAN tiveram nesta terça-feira o apoio do PS para aprovar na especialidade o texto de substituição aos seus projectos de lei que vai tentar contornar as falhas apontadas pelo Tribunal Constitucional que levaram ao veto da gestação de substituição há dois anos.
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O Bloco e o PAN tiveram nesta terça-feira o apoio do PS para aprovar na especialidade o texto de substituição aos seus projectos de lei que vai tentar contornar as falhas apontadas pelo Tribunal Constitucional que levaram ao veto da gestação de substituição há dois anos.
A versão final do texto prevê o alargamento do prazo para que a gestante possa desistir de ficar com o bebé até ao momento do registo, ou seja, até cerca das três semanas de vida (na redacção vetada não era permitida a desistência) - tal como o PÚBLICO noticiara em Novembro de 2020 -, a inclusão da Ordem dos Psicólogos no processo com tanto peso como o da Ordem dos Médicos, e a restrição ao acesso à gestação de substituição a cidadãos nacionais e a estrangeiros com residência permanente em Portugal.
A votação do novo texto na especialidade na Comissão de Saúde teve o voto contra do PSD, do CDS e do PCP, como tinha acontecido na generalidade, no plenário, em Outubro do ano passado.
O diploma reintroduz a possibilidade de a grávida revogar o seu consentimento para entrega do bebé aos pais biológicos, mas agora até ao momento do registo – na maternidade ou, até 20 dias depois do nascimento, em qualquer conservatória do registo civil. Ou seja, no fundo, permite-se que a grávida tenha o direito de ficar com a criança. Esta solução deverá permitir que o Presidente da República promulgue o diploma e, mesmo que este seja levado ao Tribunal Constitucional – que consiga passar pelo crivo dos juízes.
O primeiro chumbo do TC fora já direccionado para a norma da revogação do consentimento, que, na versão original, era permitida apenas no início dos processos terapêuticos de procriação medicamente assistida. O segundo ficou a dever-se ao facto de a lei ter saído “coxa” do Parlamento em Julho de 2019, por o PSD ter chumbado o artigo da lei que permitia que a gestante pudesse desistir da entrega do bebé – o que o tribunal também declarou inconstitucional, depois de Marcelo ter enviado o diploma para o Palácio Ratton.
Para além da questão fundamental do direito da gestante a desistir da entrega da criança, é também incluída no diploma a participação da Ordem dos Psicólogos ao mesmo nível que a Ordem dos Médicos: é necessária a audição de ambas pelo Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida no momento de instrução do processo de celebração do contrato para a gestão de substituição.
Outra clarificação importante e que procura responder aos críticos da proposta que apontam o dedo à possibilidade de Portugal se tornar um país de “barrigas de aluguer”, é o facto de o articulado especificar que só podem aceder à gestação de substituição os cidadãos nacionais e os estrangeiros com residência permanente em Portugal. Também se especifica que “a gestante de substituição deve ser, preferencialmente, uma mulher que já tenha sido mãe”.
De acordo com a lei aprovada no Parlamento e de que só alguns artigos foram considerados inconstitucionais (pondo em causa a aplicação de todo o regime), a gestação de substituição só é permitida a casais heterossexuais e casais de duas mulheres que não tenham útero ou apresentem lesões que impossibilitem gerar uma gravidez ou em situações clínicas que o justifiquem. O processo envolve um contrato que não pode incluir qualquer tipo de pagamento ou doação à grávida nem permite a existência de alguma relação de subordinação económica entre a gestante e os futuros pais e mães (não há, portanto, “barrigas de aluguer”, em rigor).
Sobre o material genético usado, a lei exige que se recorra a gâmetas de pelo menos um dos futuros beneficiários (progenitores) e proíbe a utilização de ovócitos da gestante. Além disso, o contrato também tem de prever o que fazer em situações de malformação, doença fetal ou eventual interrupção voluntária da gravidez.