Acabou a produção de electricidade a partir do carvão em Portugal
Esgotamento das reservas de carvão antecipou o fim da produção de energia na Central do Pego, em Abrantes. Cerca de 150 trabalhadores enfrentam desemprego. Para a associação ambientalista Zero, 20 de Novembro passa a ser uma “data histórica”.
Já se sabia que a Central do Pego, em Abrantes, iria fechar até ao fim de Novembro, mas a falta do carvão como matéria-prima antecipou por alguns dias o inevitável: acabou a produção de electricidade a partir do carvão em Portugal.
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Já se sabia que a Central do Pego, em Abrantes, iria fechar até ao fim de Novembro, mas a falta do carvão como matéria-prima antecipou por alguns dias o inevitável: acabou a produção de electricidade a partir do carvão em Portugal.
A notícia foi avançada este sábado pelo jornal mediotejo.net. O ministro do Ambiente, numa reacção citada pelo semanário Expresso, resumiu o facto da seguinte forma: "Antecipámos as metas da descarbonização de forma justa.” Depois, em entrevista à RTP, considerou o fecho do Pego "uma muito boa notícia", prometeu “toda a protecção social” aos trabalhadores e a criação de muitos postos de trabalho com as renováveis, contrariou a ideia de que o país vai ficar mais dependente do exterior e ainda garantiu que a factura eléctrica vai ficar mais barata em 2022 graças ao contributo de decisões como esta.
Para a associação ambientalista Zero, 20 de Novembro passa a ser uma “data histórica”. “Durante muitos anos, a Central Termoeléctrica do Pego foi a segunda maior responsável pelas emissões de dióxido de carbono em Portugal a seguir à Central Termoeléctrica de Sines”, fechada em Janeiro deste ano.
“Entre 2008 e 2019, a Central do Pego representou, em média, anualmente, 4% das emissões totais nacionais de gases com efeito de estufa (...) Em termos absolutos, a média anual foi de 4,7 milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente”, calcula a Zero, segundo um comunicado emitido neste domingo.
Anunciada há dois anos, pelo primeiro-ministro, António Costa, na tomada de posse do Governo que agora está a prazo, a decisão de encerrar as centrais a carvão em Portugal (Sines e Pego) abrem um novo ciclo para o país, que passa a depender das renováveis e das centrais a gás natural para a produção de electricidade.
“Com a retirada agora consumada das duas centrais a carvão (Sines e Pego), Portugal deverá registar uma enorme quebra de emissões de carbono, dado que o recurso a centrais de ciclo combinado a gás natural (...) se traduz em emissões de pouco mais de um terço por cada unidade de electricidade produzida em comparação com o carvão”, descrevem os ambientalistas.
A central do Pego tinha uma potência de 628 megawatts. Além das outras fontes, Portugal terá de recorrer à importação de energia de outros países, como Alemanha, Espanha ou França, que ainda continuarão a produzir com base no carvão. Portugal entra assim no pequeno lote dos países que não recorre ao carvão, cuja queima é uma das maiores fontes de emissões de CO2 para a atmosfera.
O futuro do Pego depende agora do concurso lançado pelo Governo em Setembro e que levará um júri de cinco membros a escolher um projecto de reconversão.
Além do corte nas emissões de CO2, a central a carvão do Pego “era também uma fonte significativa de emissão de diversos poluentes, como os óxidos de azoto, dióxido de enxofre, partículas e metais pesados, cujas quantidades lançadas para a atmosfera em Portugal sofrerão uma redução importante”, sublinha a Zero.
Mas nem tudo são rosas no imediato. Este desfecho traz também um problema laboral que urge resolver, como reconheceu Matos Fernandes, nas mesmas declarações. Isto porque cerca de 150 trabalhadores da central Tejo Energia (detida pela Trustenergy e Endesa) ficam agora sem trabalho e, segundo o ministro, é preciso “proteger os direitos dos trabalhadores”. “É fundamental garantir o enquadramento dos trabalhadores directa e indirectamente afectados, para além da promoção de soluções que não ponham em causa os ganhos ambientais conseguidos”, observa também a Zero. Há cerca de duas centenas de trabalhadores que podem ser indirectamente afectados por este fim.
Segundo José Grácio, presidente da Trustenergy, os trabalhadores mais qualificados estão a ser apoiados por uma empresa de outplacement e deverão sair de Abrantes. Em declarações ao mediotejo.net, o mesmo responsável confirmou que tem havido saídas negociadas ao longo dos últimos dois meses. É o caso de alguns trabalhadores com maior antiguidade na empresa, que poderão assim receber indemnizações e propor-se a reformas antecipadas. Os restantes transitarão para o fundo de desemprego a partir de 30 de Novembro.
Há 224 milhões de euros do Fundo de Transição Justa para distribuir pelo Norte (onde a Galp fechou a refinaria de Matosinhos), Alentejo Litoral (onde se encerrou a central a carvão da EDP em Sines) e no Médio Tejo. Segundo a versão preliminar do acordo de parceria para o programa de fundos Portugal 2030, 60 milhões irão para a região Norte/Matosinhos, 74 milhões para o Alentejo Litoral e 90 milhões de euros para o Centro, sendo que este último montante terá de ser repartido entre o Médio Tejo (a área territorial da central do Pego) e a faixa do Centro Litoral (Leiria/Coimbra/Aveiro), onde estão instaladas unidades industriais dos sectores do vidro e cerâmica. É uma repartição que preocupa os autarcas ouvidos esta semana pelo PÚBLICO.
O presidente da Câmara Municipal de Abrantes, Manuel Jorge Valamatos (PS), diz que a divisão de parte do cheque com o Centro Litoral é uma “grande injustiça”.
Segundo trabalhadores do Pego ouvidos pelo mediotejo.net, a Central Termoeléctrica do Pego deixou de queimar carvão no ciclo de produção de 17 a 19 de Novembro. Falta saber o que acontecerá à central, tema que tem dividido os accionistas da Tejo Energia e o Governo, com interpretações divergentes sobre a propriedade.
A Trustenergy entende que aquele activo lhe pertence, tendo proposto reaproveitar a central como unidade de queima de biomassa florestal. Uma opção que desagrada aos ambientalistas da Zero.
Já o Governo considera que, o fim do contrato de concessão acarreta a “caducidade das licenças correspondentes e a subsequente perda da capacidade de injecção” na rede nacional.
Face ao “divórcio” entre a Trustenergy e a Endesa, que tinham planos diferentes para a central, o ministro Matos Fernandes disse, em Junho, à Lusa, que “a partir do momento em que os accionistas se separam, aquele ponto de ligação à rede é perdido e, portanto, nenhum dos accionistas tem direito sobre ele”.
Como tal, o Governo anunciou a 15 de Julho um concurso para “proceder à atribuição deste ponto de injecção”. Uma decisão que mereceu críticas quer por parte do accionista maioritário da Tejo Energia, a Trustenergy, quer por parte de autarcas daquela região, maioritariamente afectos ao próprio PS.
O concurso teve início a 20 de Setembro. O prazo para entrega de propostas terminava inicialmente a 18 de Outubro, segundo o despacho do secretário de Estado Adjunto e da Energia, João Galamba, mas foi prolongado até 17 de Janeiro de 2022.