A entrada no ensino superior exige atenção para a saúde mental
À entrada no ensino superior, muitos estudantes reportam novas dificuldades e preocupações, que se mantêm ao longo do percurso académico. O início de uma vida independente traz novos conflitos interpessoais e a gestão do tempo torna-se um novo desafio, obrigando a conjugação do trabalho universitário com as responsabilidades domésticas.
O tema da saúde mental é cada vez mais discutido por força do confinamento decorrente da pandemia da covid-19, mas já era um problema prevalente que apenas foi agravado. Por ser uma realidade que me é próxima, vou-me focar na saúde mental daquelas que são a raison d'être das instituições de ensino superior: os estudantes dos primeiros ciclos. Embora a saúde mental dos restantes elementos da academia (docentes, investigadores e alunos de pós-graduação) não possa ser descurada, esta apresenta dificuldades ímpares que carecem de uma discussão específica.
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O tema da saúde mental é cada vez mais discutido por força do confinamento decorrente da pandemia da covid-19, mas já era um problema prevalente que apenas foi agravado. Por ser uma realidade que me é próxima, vou-me focar na saúde mental daquelas que são a raison d'être das instituições de ensino superior: os estudantes dos primeiros ciclos. Embora a saúde mental dos restantes elementos da academia (docentes, investigadores e alunos de pós-graduação) não possa ser descurada, esta apresenta dificuldades ímpares que carecem de uma discussão específica.
À entrada no ensino superior, muitos estudantes reportam novas dificuldades e preocupações, que se mantêm ao longo do percurso académico. O início de uma vida independente traz novos conflitos interpessoais e a gestão do tempo torna-se um novo desafio, obrigando à conjugação do trabalho universitário com as responsabilidades domésticas. O tempo livre dos estudantes é constantemente sacrificado devido à desvalorização do direito ao descanso, com constantes trabalhos a realizar durante fins-de-semana e férias, o que, juntamente com uma gestão de tempo inadequada, resulta muitas vezes em privação de sono e consequente declínio na saúde mental.
A entrada no ensino superior é marcada também pelo início ou aumento do comportamento sexual de risco e do consumo de substâncias como o álcool, o tabaco ou outras drogas. Mesmo em meses sem festas académicas, em que não se esperaria um elevado consumo de bebidas alcoólicas, um estudo de estudantes do ensino superior de Coimbra revelou que 36,6% dos estudantes apresentam risco de consumo excessivo e 40,2% um consumo superior ao máximo diário recomendado.
Existem ainda muitos outros factores de stress, entre os quais, problemas financeiros, uma maior competitividade entre pares, incentivada pela sociedade que exige o sucesso, o afastamento de pessoas significativas, a preocupação com o emprego após a conclusão do curso e uma melhor consciência da própria identidade e orientação sexual.
Muitos destes problemas foram agravados com a pandemia de covid-19, levando a que, de acordo com um inquérito de âmbito nacional, 55% dos estudantes reportassem um declínio no seu estado de saúde mental. O confinamento levou também a um aumento da gravidade dos distúrbios alimentares, muito presentes nestas faixas etárias.
As razões descritas acima levam, em muitos casos, ao aparecimento ou recorrência de patologias psiquiátricas, os mais reportados o burnout, a depressão e a ansiedade. Alguns estudos revelam que a prevalência destas doenças é superior em estudantes universitários em comparação com os seus pares com a mesma idade e sexo, mas que não frequentam o ensino superior.
Um estudo de 2020 reportava que o número de estudantes numa situação de burnout representava já 50% e estava a aumentar. No que diz respeito à depressão, resultados de estudos indicam que cerca 17% os estudantes apresentam sintomatologia depressiva acima do normal, sendo a prevalência a nível nacional de 7,9%. Em relação à prevalência de sintomatologia ansiosa em estudantes do primeiro ciclo, esta é de 15,6%, sendo a prevalência nacional de 16,5%.
O percurso académico coincide também com a faixa etária (18-25 anos) em que têm início os primeiros sintomas de perturbações da saúde mental como a esquizofrenia, perturbação bipolar, perturbação obsessivo-compulsiva, perturbações de personalidade, entre outras, que beneficiam de uma identificação e intervenção precoce.
Num inquérito feito em 2018, 16,8% dos alunos entrevistados assumiram que lhes foi diagnosticada uma doença mental durante o percurso académico. O aumento do acesso ao ensino superior observado nas últimas décadas leva também a um aumento na entrada de alunos com patologia psiquiátrica prévia que beneficiam de uma intervenção continuada e próxima, assim como acomodações adequadas. Devido a obstáculos acrescidos, como dificuldades em manter a concentração, a assiduidade e a motivação, disfunções executivas com dificuldades no planeamento e organização, e estigma associado, estas doenças têm efeito na prestação académica.
Embora o incentivo à prática desportiva e a realização de actividades culturais ou de lazer no campus, iniciativas já tomadas por algumas das instituições de ensino superior, sejam importantes para manter a saúde mental, é imprescindível apostar também na identificação precoce e na intervenção em situações de risco.
Muitas destas instituições em Portugal já têm gabinetes e serviços de apoio psicológico ou psiquiátrico, mas cerca de 62% dos estudantes afirmam não ter conhecimento destas soluções. Esta informação demonstra que tem de haver um maior esforço destas unidades para se aproximar dos estudantes e divulgar a sua actividade.
Citando João Marôco, professor do ISPA-Instituto Universitário e investigador nesta área: “Os serviços de apoio psicológico têm de ter uma atitude mais pró-activa. Os técnicos têm de sair dos gabinetes para conseguirem levar por diante um diagnóstico precoce, porque já adiantará pouco tentar recuperar um aluno que desapareceu durante um semestre.”
Em 2018, algumas instituições reportavam já um aumento nos pedidos de apoio psicológicos, que se tornaram superiores aos recursos disponíveis levando a atrasos incomportáveis. Este número tornou-se ainda maior devido à pandemia de covid-19, com o aparecimento de novos problemas de saúde mental e agravamento dos já existentes. Teresa Espassandim, representante da Ordem dos Psicólogos, considera que mesmo que existisse um psicólogo em cada universidade, este número não seria suficiente para satisfazer as necessidades dos alunos.
Muitas das instituições já desenvolvem também, formal ou informalmente, programas de tutoria (mentoring) onde alunos mais velhos ajudam na integração dos alunos recém-chegados. Sendo estes pares quem lida mais de perto com os novos alunos, seria benéfico que obtivessem formação na identificação de sinais de alarme e a quem recorrer nesses casos, assim como na escuta activa e na promoção de uma vida saudável. Os docentes beneficiariam também de uma formação equivalente para poderem intervir juntos dos seus alunos e dos seus próprios pares.
Para se poderem tomar decisões informadas são também cruciais avaliações internas frequentes aos membros das universidades e politécnicos (docentes, investigadores, alunos, funcionários) da prevalência de problemas de saúde mental, da literacia na área de saúde mental e das barreiras e estigmas sentidos. A implementação de reformas curriculares para respeitar o tempo livre do estudante, evitando a acumulação de trabalhos ou exames durante épocas breves, diminuindo também o cansaço intelectual dos alunos, é especialmente urgente.
E, mais importante do que tudo, os alunos devem ser incentivados a pedir ajuda. A redução do estigma e uma melhor saúde mental depende de toda a comunidade académica.