O chef queria uma cozinha completamente vegan, mas o hotel prefere o foie gras

Daniel Humm, célebre por reinventar o seu Eleven Madison Park em Nova Iorque, três estrelas Michelin, com uma gastronomia à base de plantas, quis tentar o mesmo no luxo londrino do icónico Claridge’s. Nada feito: o hotel mantém-se carnívoro, o chef sai.

Foto
Daniel Humm quer “criar comida à base de plantas que seja deliciosa, mágica e luxuriante" - é “melhor para o planeta e para a nossa saúde” REUTERS/VINCENT WEST

O futuro para mim baseia-se nas plantas.” É com esta filosofia bem definida, e que já não é novidade nos planos de Daniel Humm, que o chef diz adeus à experiência de restauração Davies and Brook​, no hotel de luxo Claridge’s, em Londres. “Não é o caminho que desejamos seguir”, atirou o hotel numa nota à imprensa a explicar o fim da parceria com o célebre chef suíço, responsável pelo três estrelas Michelin Eleven Madison Park em Nova Iorque, que chegou a ser eleito em 2017 o melhor restaurante do mundo e que continua a ser um fine dining, mas agora 100% vegetal.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

O futuro para mim baseia-se nas plantas.” É com esta filosofia bem definida, e que já não é novidade nos planos de Daniel Humm, que o chef diz adeus à experiência de restauração Davies and Brook​, no hotel de luxo Claridge’s, em Londres. “Não é o caminho que desejamos seguir”, atirou o hotel numa nota à imprensa a explicar o fim da parceria com o célebre chef suíço, responsável pelo três estrelas Michelin Eleven Madison Park em Nova Iorque, que chegou a ser eleito em 2017 o melhor restaurante do mundo e que continua a ser um fine dining, mas agora 100% vegetal.

Como diz Humm no seu Instagram, “o mundo está a mudar e nós temos de mudar com ele”. Por isso, o cozinheiro optou por abandonar o projecto londrino em lugar de ceder à introdução de carnes nos seus menus.

Embora dizendo que o Davies and Brook foi “um sonho tornado realidade”, até porque a sua carreira começou precisamente no Claridge's, Humm não faz cedências. Uma cozinha com as plantas como base é “uma missão”, na qual a sua marca faz “finca-pé”. Mas essa, comenta, “não é a direcção” que o hotel “sente ser certa para si”. Assim, no final do ano, esta guerra das plantas culminará num divórcio amigável: “É com tristeza que decidimos anunciar de comum acordo que cada um seguirá o seu caminho”, adianta. 

“Apoiar esta missão e o que acreditamos é mais importante”, escreve o chef, e “não é algo que possamos comprometer”. “Nunca estive tão animado com a cozinha em toda a minha carreira e estou ansioso por tudo o que o futuro nos reserva”, diz a propósito da sua dedicação e devoção totais a uma cozinha onde produtos de origem animal não entram.

Algo complicado para uma instituição centenária como o icónico Claridge's, onde a tradição é pilar inabalável e o caviar ou o foie gras a preços de ouro não podem faltar. A Euronews pôs todos os ingredientes numa frase só, incluída num artigo sobre o tema onde até se titula “Homem vs. Tradição": “Essencialmente, um choque de ideologias culinárias. O Claridge's, em muitos aspectos, é famoso por nunca mudar”.

“Respeitamos e compreendemos totalmente o caminho culinário de um menu totalmente baseado em plantas que o Daniel decidiu tomar e defender e que agora quer apresentar em Londres”, explicou a administração do hotel em comunicado. “No entanto”, garante-se, “este não é o caminho que desejamos seguir no Claridge's neste momento”.

O restaurante Davies and Brook, sob direcção geral de Humm, abriu em 2019 e pouco depois teve de enfrentar as dificuldades da pandemia. O chef, que chegou a tornar o seu restaurante de Nova Iorque numa cozinha social integrada numa rede destinada a alimentar e ajudar os mais necessitados durante os primeiros meses da pandemia, comentava a propósito destes novos tempos, no simpósio The Power of Food que a Fugas acompanhou em Maio de 2020: “Viajámos pelo mundo, servimos os ricos, deixámo-nos levar. Somos todos culpados. O que podemos fazer para tornar isto melhor?”. 

Uma cozinha livre de produtos de origem animal e um maior investimento em solidariedade social são duas das respostas que o próprio cozinheiro encontrou para os seus dilemas. Dizia ele, sem virar as costas ao fine dining, inerentemente caro e portanto acessível a poucos: “Quero continuar a usar a comida como arte. É a minha paixão. Vamos continuar a alimentar os 1% do topo, mas temos que alimentar também os 10% que estão em baixo”. 

Essa vertente social e de não-compromisso em relação aos seus princípios volta agora a comprovar-se na sua decisão de não ceder às exigências do Claridge's. Os menus baseados em plantas continuarão a integrar apenas o seu restaurante nova-iorquino, tal como acontece desde o início do ano, algo pouco visto no restrito universo da restauração de luxo e, muito particularmente, na galáxia ainda mais restrita dos 3-estrelas Michelin – antes de Humm, a chef Dominique Crenn tinha tomado a mesma decisão e a Euronews recorda que já há duas décadas o também 3-estrelas Michelin Alain Passard já tinha refocado o seu restaurante para a cozinha de vegetais. 

Recentemente, o chef participou na Cimeira do Clima COP26. O The Guardian cita-o a garantir que a sua missão é “criar comida à base de plantas que seja deliciosa, mágica e luxuriante”, referindo que esta opção é “melhor para o planeta e para a nossa saúde”.

Quando anunciou a reformulação vegan, Humm comentou que não era lógico nem sustentável reabrir o mesmo restaurante após toda a experiência da pandemia.

Quanto ao restaurante do hotel londrino, este deverá anunciar em breve o novo comandante da sua cozinha, alguém menos revolucionário e mais carnívoro que Humm, isso é certo.