Fernando Santos, o seleccionador mais ou menos

O técnico de 67 anos é o único a dar um título a Portugal, mas o estado de graça não dura para sempre. Nos resultados, Fernando Santos não é o mais perdedor, mas também não é o mais ganhador. E é essa mediania, com tanto talento em mãos, que está a indignar um país apaixonado por futebol.

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Fernando Santos LUSA/MÁRIO CRUZ

“Portugal tem nas mãos a melhor geração de sempre”, “esta selecção é um desperdício de talento” e “Fernando Santos só joga para empatar”. Todas estas ideias têm sido veiculadas nos últimos meses, com maior ênfase nas últimas horas, depois da derrota frente à Sérvia que “roubou” o apuramento directo de Portugal para o Mundial 2022. Mas serão ideias com base de sustentação? Talvez nem todas.

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“Portugal tem nas mãos a melhor geração de sempre”, “esta selecção é um desperdício de talento” e “Fernando Santos só joga para empatar”. Todas estas ideias têm sido veiculadas nos últimos meses, com maior ênfase nas últimas horas, depois da derrota frente à Sérvia que “roubou” o apuramento directo de Portugal para o Mundial 2022. Mas serão ideias com base de sustentação? Talvez nem todas.

No que aos resultados diz respeito, Santos não é mais nem menos: é mais ou menos. O PÚBLICO foi comparar os últimos seleccionadores, usando a bitola do momento a partir do qual Portugal deixou de falhar fases finais de grandes competições – o Euro 2000. E há três prismas de análise: o dos jogos oficiais, o dos jogos oficiais frente a equipas de nível alto no futebol mundial e, por fim, o desempenho apenas em fases finais. A conclusão não é contundente: entre os seis treinadores de Portugal neste século, Fernando Santos não é o melhor em nenhuma das categorias, mas também não está na cauda de nenhuma delas.

A análise aos jogos oficiais coloca Humberto Coelho com 73% de vitórias e Carlos Queiroz com apenas 50%. Pelo meio estão António Oliveira, Paulo Bento, Luiz Felipe Scolari e Fernando Santos, este último com 65% de triunfos.

Entre estes jogos oficiais contam-se muitos frente a adversários frágeis como São Marino, Andorra, Liechtenstein, entre outros. Fernando Santos, de longe o seleccionador com mais jogos oficiais, será, portanto, um claro beneficiado pela amostra tão larga, por já ter jogado diversas fases de qualificação.

Faz sentido, então, encurtar a amostra. O actual ranking da FIFA não é um medidor 100% fiável, pelas flutuações de algumas equipas ao longo dos anos, mas permite afunilar um pouco mais o nível dos adversários, usando o top 30.

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Neste domínio, Fernando Santos segue com 49% de triunfos frente aos 30 melhores países (19 vitórias em 39 jogos), pouco abaixo de António Oliveira e Paulo Bento. Já Luiz Felipe Scolari e Carlos Queiroz têm valores ainda mais baixos – muito mais baixos, no caso de Queiroz, com nenhum triunfo em seis jogos –, enquanto Humberto Coelho tem 67% de triunfos, mas numa amostra manifestamente curta (apenas três partidas).

Há também quem aponte que é nas fases finais que mais se nota o perfil defensivo e pouco vitorioso de Fernando Santos. Aí, importa distinguir a realidade com e sem Liga das Nações, já que é uma prova que só o actual seleccionador pôde disputar, enviesando a comparação com os demais. Com Liga das Nações, Fernando Santos tem 50% de vitórias em fases finais – o mesmo que Paulo Bento e um pouco menos do que Scolari (53%).

Excluindo a recente competição criada pela UEFA, então o registo do seleccionador nacional agrava-se bastante. Cai para os 40%, ficando apenas acima dos 25% de Carlos Queiroz – uma vez mais, o dono do registo mais sofrível, mas com a atenuante, neste dado, de só ter disputado uma fase final (Mundial 2010).

Mais talento? Recentemente, sim

Mas se Fernando Santos tem estado na berlinda não é necessariamente pelos maus resultados – afinal, é o único seleccionador que deu títulos a Portugal. A névoa em torno do técnico está quase sempre assente no futebol de parca qualidade, sobretudo tendo em conta o talento disponível. Mas será exactamente assim? Depende da amostra que utilizarmos.

O PÚBLICO analisou todas as convocatórias para fases finais – mais o lote de 23 jogadores com maior utilização na qualificação para este Mundial –, registando quantos jogadores dos melhores campeonatos cada seleccionador levou às provas. Foi usada a bitola das “big 5”, apontando aos atletas em equipas nos sete primeiros classificados do campeonato anterior ao Europeu ou Mundial em causa.

Fernando Santos é, de longe, o seleccionador com mais soluções de primeiro nível desde 2020, mas não tanto em 2018 e 2016, quando até foi campeão europeu. Em média, os anteriores seleccionadores levaram sete jogadores de equipas no top 7 das “big 5”. Fernando Santos pôde levar oito ao Euro 2016, sete ao Mundial 2018 e… 16 ao Euro 2020.

É, portanto, a partir do último Europeu que as contas mais “pisam” o trabalho de Fernando Santos, que levou mais do dobro dos jogadores de primeiro nível, comparado com os antecessores. Para 2022, a fartura mantém-se muito alta, com 14 jogadores dentro do espectro analisado.

Em suma, falando de jogos e vitórias, Fernando Santos não é o mais perdedor, mas também não é o mais ganhador. O registo mediano nos resultados é, porém, enevoado pela análise ao talento: aí, o técnico de 67 anos é aquele que mais talento teve em mãos, sobretudo desde 2020.