O PS está profundamente dividido
Em defesa do diálogo com o PSD temos Costa, César e Alegre; contra uma nova geração. O PS está profundamente dividido e o dia seguinte às eleições não vai ser bonito de se ver
O conflito à direita, com congresso ou sem ele, e o grandioso espectáculo que PSD e CDS estão a dar em “prime time” tem escondido outra realidade: o PS que vai a eleições a 30 de Janeiro está profundamente dividido. Se tem sido discreto a mostrar essas divisões, é porque, desde o consulado Sócrates, todas as divergências estratégicas dentro do partido passaram a ser “castigadas” – veja-se o que aconteceu a Francisco Assis quando se opôs à criação da geringonça e foi praticamente ostracizado porque a linha justa, em 2015, não era essa.
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O conflito à direita, com congresso ou sem ele, e o grandioso espectáculo que PSD e CDS estão a dar em “prime time” tem escondido outra realidade: o PS que vai a eleições a 30 de Janeiro está profundamente dividido. Se tem sido discreto a mostrar essas divisões, é porque, desde o consulado Sócrates, todas as divergências estratégicas dentro do partido passaram a ser “castigadas” – veja-se o que aconteceu a Francisco Assis quando se opôs à criação da geringonça e foi praticamente ostracizado porque a linha justa, em 2015, não era essa.
Mas agora aconteceu aquilo que alguns previam e muitos desejavam. Se não tiver a maioria absoluta a que aspira, António Costa está pronto para reeditar um bloco central com outro nome qualquer ou o famoso entendimento Guterres/Marcelo, que teve alguns custos para o país, como atrasar a despenalização do aborto quase 10 anos.
Aos 29 minutos da entrevista à RTP da última segunda-feira, o primeiro-ministro abriu a porta a governar com o apoio do PSD a seguir às eleições. Quando confrontado com o que disse ao Expresso no ano passado – no dia em que estivesse dependente do PSD, o Governo caía – apressou-se a responder: “Este Governo”. Foi um momento clarificador, numa entrevista mefistofélica em que, enquanto afirmava “não querer abrir feridas” com Bloco de Esquerda e PCP, ia desancando a torto e a direito nos velhos parceiros – sem o pudor de não recorrer a falsidades, como quando afirmou que a líder do Bloco de Esquerda “diz todos os dias que é preciso tirar António Costa da liderança do PS para poder haver entendimento à esquerda” e proclamando que “quem manda no PS são os militantes do PS”. Por acaso, Catarina Martins não disse isso, mas tudo serve agora a Costa para “abrir feridas” com aqueles que lhe permitiram ser primeiro-ministro em 2015. Por muito que continue a repetir que em 2014 se apresentou às primárias do PS disposto a acabar com “o arco da governação”, restam hoje a qualquer cidadão poucas dúvidas de que a solução – se é verdade que correspondia a um anseio da maioria do Parlamento – tinha para Costa o interesse “ideológico” de transformar a derrota frente à dupla Passos/Portas numa vitória.
A entrevista foi sintomática porque revelou que António Costa só tem dois planos e meio: o primeiro e mais desejado é a maioria absoluta; o segundo é o bloco central com outro nome; o “meio plano” é “obrigar” os parceiros de esquerda, depois de devidamente humilhados nas eleições, a “reconhecerem o erro”. Ou, nas palavras mais coloridas de Costa: veremos “se é com maioria absoluta, se é obrigando o Bloco de Esquerda e o PCP a repensarem o que fizeram e a darem condições de governabilidade”.
Num texto publicado no PÚBLICO, Porfírio Silva, dirigente nacional próximo de António Costa, vice-presidente do grupo parlamentar, veio pôr água na fervura e corrigir o discurso do secretário-geral que tanto tinha festejado, na mesma entrevista, a recente adesão de Manuel Alegre à opção de “falar com o PSD”. Escreveu Porfírio Silva: “Devemos procurar esse acordo à esquerda e exigir que seja claro, para todas as partes, em que condições esse caminho será barrado, como foi agora com o chumbo do OE. Essa clareza é necessária, porque o país não pode perder mais tempo”.
Também a líder parlamentar do PS, Ana Catarina Mendes, na Circulatura do Quadrado, fez questão de afirmar que “o PS não se deve desviar de uma política à esquerda e do centro-esquerda” e ontem, em declarações ao Expresso, o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares afirmou que sem maioria absoluta o PS espera sair reforçado das eleições “para desbloquear o diálogo à esquerda e aumentar a hipótese de governabilidade de um Governo PS”. Cordeiro tenta não abrir feridas, evitando as frases do chefe – fazer com que BE e PCP “repensem o que fizeram” –, mas fala em “desbloquear”.
Em defesa do diálogo com o PSD temos Costa, César e Alegre; do outro, dirigentes de uma nova geração. Pedro Nuno Santos tem andado calado mas fez dois exercícios coreográficos nos últimos 15 dias. No dia do chumbo do Orçamento, entrou mais cedo no plenário da Assembleia para cumprimentar os líderes e os chefes da bancada do PCP e do Bloco de Esquerda, dando uma espécie de sinal político do género “comigo não seria assim”. Dias mais tarde, antes de Costa abrir a porta ao acordo com o PSD, estava a dizer que a geringonça funciona e “não foi um parêntesis". Temos um PS profundamente dividido. O dia seguinte às eleições não vai ser bonito de se ver.