COP26: expectativas razoavelmente cumpridas, diz ministro do Ambiente. “Blá, blá, blá”, diz Greta

Guterres afirma que conclusão de “compromisso” não atrasa catástrofe e Greta Thunberg resume a conferência a “blá, blá, blá”. Ecologistas consideram acordo “demasiado pobre”.

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Matos Fernandes apontou como bons resultados o facto de se ter resolvido “de uma vez por todas” o livro de regras, “com boas soluções para a transparência, claras, iguais para todos” Reuters/YVES HERMAN

O ministro do Ambiente e Acção Climática, João Pedro Matos Fernandes, considerou este sábado que as expectativas da cimeira do clima em Glasgow (COP26) foram “razoavelmente cumpridas” e que, ainda que se pudesse ter ido mais longe, há um acordo.

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O ministro do Ambiente e Acção Climática, João Pedro Matos Fernandes, considerou este sábado que as expectativas da cimeira do clima em Glasgow (COP26) foram “razoavelmente cumpridas” e que, ainda que se pudesse ter ido mais longe, há um acordo.

“Foram razoavelmente cumpridas as expectativas da COP, que era anunciada como a COP mais importante depois de Paris. Estamos a falar de um exercício multilateral, e, ainda que haja algumas partes deste acordo em que manifestamente devíamos ter ido mais longe, eu começo por dizer uma coisa: há acordo, coisa que não tivemos em Madrid, não tivemos em Katovice [as duas anteriores reuniões da ONU], disse o ministro.

Em declarações à Agência Lusa, João Pedro Matos Fernandes apontou como bons resultados o facto de se ter resolvido “de uma vez por todas” o livro de regras, “com boas soluções para a transparência, claras, iguais para todos”, com boas soluções também para as contribuições de cada país para reduzir os gases com efeito de estufa (as chamadas NDC), a cada cinco anos e projectadas a 10.

E depois também um artigo sobre os mecanismos de mercado, “que de alguma forma limitam aquilo que era a quantidade de créditos atribuídos em anos passados”. “Além disto há claramente a meta de 1,5ºC (graus Celsius), com compromisso de reduzir até 2030 em 45% as emissões comparadas com 2010, isto fica escrito e é da maior importância”, disse o governante, acrescentando: “Manifestamente trabalhou-se bem nestes 15 dias”.

Sobre o fim do carvão e dos combustíveis fósseis o ministro disse que Portugal preferia, “obviamente”, a primeira versão, que falava do desaparecimento do carvão, em vez da aprovada, que fala da redução. “Mas seja como for isso nunca tinha sido escrito. E há um acordo de todos os países para tal”, observou.

Quanto ao financiamento, João Pedro Matos Fernandes considerou que se está no caminho dos apoios de 100 mil milhões prometidos, e disse que esse vai ser o grande tema da próxima cimeira, no Egipto, porque se os países ricos não conseguirem este valor os países em vias de desenvolvimento vão ter boas razões para se queixar. “E uma coisa que eu considero muito importante e que nos batemos desde o primeiro dia, é que o dinheiro para a adaptação duplica”, já com verbas para perdas e danos do passado, disse ainda o ministro do Ambiente, concluído que “as partes estiveram à altura do compromisso”.

E acrescentou: “Não saímos daqui certamente com 1,5ºC assegurados (...) mas com um caminho para o 1,5ºC muito bem desenhado, e a fortíssima expectativa é que cinco anos depois de Glasgow, ou 10 anos depois de Paris, o somatório das NDC então já correspondam a 1,5ºC”.

Guterres afirma que conclusão de “compromisso” não atrasa catástrofe

O secretário-geral das Nações Unidas alertou que “a catástrofe climática continua a bater à porta” apesar da aprovação de uma declaração final na cimeira do clima (COP26) que considerou cheia de contradições.

Em comunicado, António Guterres considerou que a 26.ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas “deu passos em frente que são bem-vindos”, mas ressalvou que se trata de “um compromisso” cheio de “contradições”. “Ainda não chega”, afirmou sobre o consenso a que se conseguiu chegar em Glasgow, apontando que “os textos aprovados são um compromisso, reflectem os interesses, as condições, as contradições e o estado da vontade política no mundo de hoje”.

Guterres lamentou que “infelizmente, a vontade política colectiva não tenha sido suficiente para ultrapassar algumas contradições profundas” e defendeu que “é altura de entrar em modo de emergência antes que a chance de chegar à neutralidade carbónica chegue a zero” e “o fim dos subsídios aos combustíveis fósseis”.

“Acabem com o carvão”, exortou, usando a expressão “phase out”, justamente a que foi retirada da declaração final a pedido da Índia, que preferiu a expressão “redução” ("phase down"). O secretário-geral da ONU apontou que não foi em Glasgow que se conseguiu cumprir o compromisso de 100 mil milhões de dólares anuais em financiamento climático, mas salientou que se conseguiram “alicerces para progresso”.

Saudou que se tenha fechado o “livro de regras” de aplicação do Acordo de Paris para combate às alterações climáticas, com decisões sobre o mercado de licenças de emissões e a transparência no cálculo de créditos de carbono, mas frisou que “ainda não chega”. “A ciência diz-nos que a prioridade absoluta deve ser a redução rápida, profunda e sustentada de emissões durante esta década”, concretamente, “um corte de 45 por cento em 2030, em relação aos níveis de 2010”, defendeu António Guterres.

Mesmo que sejam cumpridas as contribuições nacionalmente determinadas — com compromissos de redução de emissões e de prazos para a neutralidade carbónica — “as emissões aumentarão esta década, num percurso que levará a um aquecimento global bem acima dos dois graus no fim do século em comparação com os níveis pré-industriais”.

“Já fui primeiro-ministro do meu país. Imagino-me hoje no lugar do líder de um país vulnerável”, disse Guterres, citando problemas como a escassez de vacinas contra a covid-19, a depressão económica, o aumento da dívida e os recursos internacionais para a recuperação que são “completamente insuficientes”.

Argumentou que “proteger nações de desastres climáticos não é caridade, é solidariedade e interesse próprio esclarecido”, apontando a outra “crise climática” que surge actualmente, o “clima de desconfiança” global a que não ajuda o falhanço no cumprimento dos compromissos de financiamento climático aos países menos desenvolvidos. “Sei que muitos de vocês estão desapontados”, disse António Guterres, dirigindo-se “à juventude, às comunidades indígenas, a quem lidera o exército da acção climática”. Contrapôs que “o caminho do progresso não é sempre linear, às vezes há desvios, às vezes há valetas” e frisou que “a COP27 começa agora”.

Greta Thunberg resume conferência a “blá, blá, blá"

A activista sueca Greta Thunberg lamentou as conclusões alcançadas na cimeira da Nações Unidas sobre o clima (COP26), em Glasgow, na Escócia, resumindo-as a “blá, blá, blá”. “O verdadeiro trabalho continua fora dessas salas. E nunca, jamais, desistiremos”, disse a fundadora do movimento greve climática estudantil, numa mensagem divulgada no Twitter, a propósito do fim da COP26, após duas semanas de trabalhos e um dia depois do previsto.

A jovem activista sueca já tinha advertido que classificar o acordo climático como “pequenos passos na direcção certa”, “fazer algum progresso”, ou “ganhar gradualmente” era o “equivalente a perder”.

Ecologistas consideram acordo “demasiado pobre” em ambição

Organizações ecologistas consideraram “demasiado pobre” e “fraco em compromissos firmes e concretos”, para atingir as metas do Acordo de Paris, o compromisso alcançado na cimeira COP26 de Glasgow, no Reino Unido.

Para a associação ambientalista Amigos da Terra, a COP26 foi a cimeira “mais excluidora da História”, tendo a responsável Cristina Alonso, assinalado uma “falta de ambição no acordo”, que irá conduzir a “um aumento da temperatura global muito superior ao que a ciência determina, e ao que a sociedade civil de todo o mundo reclama”. “Estamos a ficar sem tempo para actuar”, alertou.

David Howell, da SEO/BirdLife, assinalou, no encontro, que, globalmente, o resultado da cimeira é “totalmente insuficiente” porque, apesar de figurarem no acordo o abandono dos combustíveis fósseis e os subsídios associados, “ficou expresso em termos demasiado tímidos para impulsionar a transformação colossal necessária”.

Na opinião do ambientalista, o limite de aquecimento global de 1,5 graus “está ainda longe”, e este ano deram-se “passos modestos”, quando “deveriam ter sido dados passos de gigante”, pelo que nos próximos anos “terão de ser dados passos muito maiores e com custos mais elevados”. Howell criticou ainda os “atrasos no financiamento” dos países mais vulneráveis perante a emergência climática, com a vida e o sustento de milhões de pessoas “em grave risco permanente”.

Por seu turno, a associação ambientalista Greenpeace advertiu que a decisão saída da COP26 “é débil”, e criticou o facto de a Índia ter introduzido, no último momento, uma modificação em que se fala de “redução progressiva”, em vez da eliminação do carvão. A directora da Greenpeace Internacional, Jennifer Morgan, assinalou que “apesar do acordo reconhecer a necessidade de reduzir as emissões nesta década, esses compromissos foram adiados para o ano que vem”.

Marcelo saúda “pequeno passo” lamentando falta de consenso “mais ambicioso"

O Presidente da República português, Marcelo Rebelo de Sousa, saudou o “pequeno passo” dado na cimeira do clima em Glasgow (COP26), lamentando que “não tenha sido possível um consenso mais ambicioso”.

Embora lamentando que não tenha sido possível um consenso mais ambicioso, nomeadamente no que diz respeito aos combustíveis fósseis, à redução de emissões, aos prazos para atingir os objectivos limitados em discussão, ao apoio financeiro aos países menos desenvolvidos, para se adaptarem às mudanças que aí estão e mitigarem os efeitos para os seus povos, o Presidente da República saúda o pequeno passo dado pelo COP26 em Glasgow, que ainda assim representa um avanço, tímido, na luta contra as alterações climáticas”, lê-se num comunicado hoje divulgado no site oficial da Presidência da República Portuguesa.

Vice-presidente da Comissão Europeia afirma que “perfeito é inimigo do bom” e saúda acordo

O representante europeu na cimeira do clima da ONU (COP26) saudou o acordo atingido hoje em Glasgow como “muito bom” apesar das cedências de última hora, afirmando que “em política, o perfeito é inimigo do bom”.

Em declarações aos jornalistas à saída do plenário final da cimeira, o vice-presidente da Comissão Europeia, Frans Timmermans, afirmou que a comunidade internacional pode estar satisfeita com o compromisso conseguido e que se pode dizer que em termos de aquecimento global até fim do século, se sai da COP26 com “uma oportunidade de ficar bem abaixo dos dois graus e ainda com uma hipótese de ficar em 1,5 graus”.

“Tivemos que concordar com isto. Se tivéssemos dito que não, poderíamos não ter acordo nenhum”, afirmou, referindo-se à emenda de última hora que a Índia, apoiada por outros países, forçou na versão final da declaração que sai de Glasgow, que troca “acabar” por “reduzir” no parágrafo sobre o uso de carvão para produção de energia.

Timmermans argumentou que se se tivesse insistido em recusar a alteração, “isso seria tão inaceitável [para os países que apoiavam a emenda] que teriam feito cair o acordo inteiro e aí teríamos perdido uma oportunidade”.

Admitiu que teria gostado mais de manter os termos da versão do texto que foi posta a aprovação do plenário, mas considerou que se tratou de “uma pequena concessão”. “Obviamente, estou desapontado, mas também temos que nos lembrar que há um par de meses, ninguém queria falar de carvão. Claro que as pessoas estão a apontar que isto é menos do que tínhamos na versão anterior, mas é muito mais do que alguma vez tivemos”, declarou.

Considerou que se trata de “um acordo muito bom, que ninguém pensou que fosse possível”, salientando que “para alguns países em desenvolvimento, é uma mudança tremenda” encarar a perspectiva de deixar de usar carvão para produção de energia, que considerou estar “de saída, porque não compensa, numa perspectiva económica”.

O vice-presidente da Comissão Europeia ressalvou que está preocupado com o que se segue às conclusões de Glasgow: “se nos relaxarmos, mesmo por alguns meses, nunca chegaremos a 1,5 graus, temos que manter o ritmo e a mesma determinação para transformar as sociedades”. “Espero que toda a gente compreenda isto. Estamos numa crise muito profunda e a lutar pela sobrevivência da humanidade”, apelou.