Metade das famílias apoiadas pela Cáritas na pandemia nunca tinha pedido ajuda

Entre o dia 1 de Maio de 2020 e o dia 1 de Outubro de 2021, a Cáritas apoiou 18.097 pessoas, o que representa 6610 famílias, sendo que quase metade destas (3042) pediu ajuda pela primeira vez.

Foto
LUSA/RODRIGO ANTUNES

Metade das famílias apoiadas pela Cáritas na pandemia pediram ajuda pela primeira vez, para pagar a renda, a água ou a luz, e isso demonstrou a necessidade de um plano de resiliência para responder a outra crise, defende a presidente da instituição de solidariedade.

Entre o dia 1 de Maio de 2020 e o dia 1 de Outubro de 2021, a Cáritas apoiou 18.097 pessoas, o que representa 6610 famílias, sendo que quase metade destas (3042) pediu ajuda pela primeira vez.

Em entrevista à agência Lusa, a presidente da Cáritas destacou o facto de 50% das famílias apoiadas por esta organização da Igreja Católica nunca terem pedido ajuda antes e trazerem pedidos “completamente diferentes”.

“Estamos a falar de pedidos para rendas de casa, água, luz... Na primeira fase em que estávamos todos confinadosaté a Internet passou a ser uma primeira prioridade. Os miúdos para estudar precisavam de ter internet e as famílias não tinham condições para ter esse acesso”, lembrou Rita Valadas.

Prestes a completar um ano à frente da Cáritas Portuguesa, Rita Valadas apontou que estas famílias não eram as mesmas que habitualmente recorriam às Cáritas em busca de ajuda e que isso foi a evidência de como era preciso criar um programa de apoio diferente.

Foi criado um apoio “a duas mãos”, havendo, por um lado, um apoio financeiro para situações como as que a presidente da Cáritas descreveu e, por outro lado, os vouchers alimentares.

Segundo Rita Valadas, os vouchers demonstraram ser muito importantes em dois tipos de situações: “uma quando é preciso uma dieta especial”, que os alimentos dos cabazes não garantem, e para os casos de famílias vítimas da pobreza conjuntural, que, sublinhou, “muitas vezes entravam pela porta de quem doa e que de repente se vêem na necessidade de elas próprias serem apoiadas”.

Criado em Abril de 2020 para actuar durante apenas uns meses, o programa “Inverter a curva da pobreza em Portugal” acabou prolongado até ao final do ano e ainda está em vigor, tendo sido aplicados quase 443 mil euros no apoio às mais de 18 mil pessoas.

Só através do apoio de emergência a Cáritas ajudou 3603 pessoas (1486 famílias) com 230.408 euros, tendo também ajudado 14.494 pessoas através de vales de bens essenciais no valor total de 212.010 euros.

Em 62% dos casos as famílias pediram ajuda para pagar a renda da casa, 15% para fazer face a despesas de saúde, mas também para pagar as contas da luz (13%), água (5%), gás (2%) ou telecomunicações (1%).

RSI e abono não bastam

Rita Valadas defende que o Rendimento Social de Inserção (RSI) ou o abono de família são insuficientes para combater a pobreza e que estas medidas são apenas um custo quando desarticuladas, apontando que é preciso estratégia e ambição.

“São tudo medidas que desarticuladamente são puramente um custo e não vão ter nenhum resultado, por isso eu acho que devemos ter estratégias que devem dizer o que se vai medir e que recursos vamos alocar para conseguir atingir os objectivos”, sublinhou. “Temos que ser ambiciosos naquilo que queremos”, acrescentou.

Defendeu, por isso, que as medidas de política social merecem “um olhar sério e desapaixonado”, de modo a conseguir-se “realismo na avaliação”.

Disse, por outro lado, que lhe “custa muito ver a medida abono de família transformada num método para resolver os problemas da pobreza” quando se trata de uma medida criada para resolver um outro problema, o da baixa natalidade, sublinhando que “uma baixa natalidade não tem classe social”.

“O abono de família concorre com outras medidas para combater a pobreza, então vamos todos trabalhar para isso em vez de dizer que há medidas de apoio à família independentemente da classe social porque não há”, criticou.

Admitiu ficar também “um bocadinho” preocupada quando ouve dizer que “se vai resolver o problema da pobreza aumentando o valor do RSI”. Para Valadas, o RSI devia ser uma prestação social “toque e foge”, ou seja, em que se avança para uma família ou um beneficiário, faz-se um diagnóstico e define-se as áreas de actuação, seja a saúde, educação, emprego ou segurança social.

“O que for preciso que permita que a pessoa saia. Se [o apoio] não permite que a pessoa saia, alguma coisa aqui não está certa”, defendeu.

Apesar de ainda não haver estatísticas pós-pandemia e de os números mais recentes serem relativos aos rendimentos de 2019, Rita Valadas acredita que há mais pobres, tendo em conta que a Cáritas sentiu um aumento de 20% no número de atendimentos entre 2019 e 2020 chegando aos 120 mil.

Base de dados sobre pedidos de apoio

A base de dados da Cáritas, que junta informação sobre todos os pedidos de apoio no país, começa em Janeiro a trabalhar com dados reais, concluída a fase de testes.

A presidente da Cáritas revelou que a fase de testes está concluída e que em Janeiro de 2022 arranca a fase de instalação da base de dados e o início da recolha de dados reais. O objectivo é permitir fazer uma “leitura da realidade a nível nacional”, de modo a “antever e intervir com mais conhecimento”.

O trabalho das Cáritas diocesanas permite ter uma resposta de grande proximidade, com “antenas” que podem imediatamente alertar para situações que merecem preocupação assim que ocorre uma crise, seja, por exemplo, um incêndio, ou uma pandemia.

Foto