À espera da ministra
Basta uma assinatura corajosa para que as crianças e jovens em Acolhimento Residencial não tenham de esperar mais por um futuro melhor.
As 6043 crianças e jovens em Acolhimento Residencial neste país continuam à espera.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
As 6043 crianças e jovens em Acolhimento Residencial neste país continuam à espera.
Esperaram nascer numa família onde pudessem ser amados e protegidos. Esperaram que o país onde nasceram, sendo signatário da Convenção Sobre os Direitos das Crianças, garantisse a implementação generalizada de medidas de prevenção, incluindo programas contra a pobreza, de promoção de competências parentais e de informação e sensibilização contra os maus-tratos e abusos de crianças.
Esperaram uma comunidade atenta, solidária, que apoiasse devidamente a sua família, ajudando-a a desempenhar o seu papel. Esperaram, ainda, que entidades como a junta de freguesia, a escola, o centro de saúde ou a polícia sinalizassem atempadamente a sua situação de risco. Esperaram por equipas especializadas e de proximidade em número suficiente para que, continuadamente, no terreno, pudessem evitar, sempre que possível, a sua retirada do contexto familiar.
Esperaram, na inevitabilidade de terem de ser temporariamente afastados das suas famílias para sua própria proteção, ser colocados numa família de acolhimento. No entanto, só 3% das crianças ou jovens a quem foi decretada uma medida de colocação estão em Acolhimento Familiar, contrariando todas as recomendações da ONU e da União Europeia e tudo aquilo que a legislação em vigor desde 2015 preconiza. Esperaram que não os deixassem ficar a viver numa instituição demasiado tempo mas, em média, ficam três anos e meio em Acolhimento Residencial e muitos crescem institucionalizados.
Esperaram pela nova redação da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP) desde 1999 até 2015. Continuaram à espera da sua Regulamentação durante quatro anos, quando deveriam ter sido apenas três meses. A sua publicação era imprescindível para que, finalmente, os direitos das crianças e jovens em Acolhimento Residencial e a sua proteção fossem devidamente acautelados e a LPCJP cumprida. Contudo, o Decreto-Lei n.º 164/2019 de 25 de outubro remetia os termos e as condições da aplicação do regime de execução para uma portaria que deveria ser aprovada pela ministra do Trabalho e da Segurança Social no prazo de 90 dias. Janeiro de 2020 já passou há muito, mas as crianças e jovens em Acolhimento Residencial continuam à espera... agora da referida portaria.
Como uma luz ao fundo do túnel, no passado dia 3 foi levada, pelo PAN, à discussão na Comissão de Trabalho e Segurança Social uma recomendação ao Governo (projeto de resolução n.º 1008/XIV/2.ª) para que a portaria do Acolhimento Residencial fosse finalmente publicada, pondo fim a este grave impasse. Pode ouvir a discussão aqui: https://youtu.be/FGq8F8Y8rqo .
Esta resolução foi aprovada por unanimidade, congregando todos os deputados da comissão, incluindo os do PS, nesta vontade de requerer ao Governo a publicação da Portaria. Também foram unânimes em exigir que, no seu texto, ficassem garantidos aspetos essenciais do respeito pelos interesses e direitos das crianças e jovens acolhidos, salvaguardando que as casas de acolhimento possuam um ambiente de cariz familiar, assegurando que sejam mistas, que os cuidadores possuam formação de base adequada e realizem formação contínua específica na área, que a existirem unidades estas sejam totalmente independentes e que a figura do supervisor externo se torne obrigatória.
A sra. ministra do Trabalho e Segurança Social tem demonstrado sensibilidade e conhecimento aprofundado sobre este assunto. É, pois, cada dia mais incompreensível o porquê de, ao fim de mais de dois anos, esta portaria ainda não estar publicada. Todos ouvimos a sra. ministra a declarar que a desinstitucionalização destas crianças e jovens era o legado que gostaria de deixar. A transição do paradigma do Acolhimento Residencial para o do Acolhimento Familiar tem que acontecer, é certo, mas a sra. ministra não pode deixar (pelo menos para já) o legado que gostaria, porque a concretização desse ideal ainda vem longe.
O Governo caiu. A sra. ministra ainda se mantém em funções. No aqui e no agora, temos mais de seis mil crianças à espera de melhores condições de vida em Acolhimento Residencial. A sra. ministra ainda pode fazer sair a portaria que permitirá melhorar a qualidade do Acolhimento Residencial no nosso país, tal como, por unanimidade os deputados da Comissão do Trabalho e Segurança Social lhe recomendam.
Não há razão para fazer as crianças e jovens em Acolhimento Residencial (e os seus cuidadores) esperar ainda mais. Deixar esta portaria por publicar pode implicar continuar a adiar, por tempo ilimitado, a mudança que tanto tarda no Acolhimento Residencial em Portugal. Manter a esperança acesa ainda é possível: basta uma assinatura corajosa para que as crianças e jovens em Acolhimento Residencial não tenham de esperar mais por um futuro melhor.