Agentes usados na quimioterapia afectam indirectamente o sistema nervoso central

O estudo lança uma “nova luz” sobre os mecanismos neurológicos subjacentes à dor e aos sintomas da neuropatia induzida pela quimioterapia.

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O estudo avaliou a questão da neuropatia, isto é, a dor induzida pelo tratamento de doentes com cancro com agentes citostáticos ANGIOLA HARRY/UNSPLASH

O sistema nervoso central é indirectamente afectado pela lesão dos nervos periféricos, causada pelos agentes usados no tratamento de doentes com cancro, concluíram investigadores da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP).

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O sistema nervoso central é indirectamente afectado pela lesão dos nervos periféricos, causada pelos agentes usados no tratamento de doentes com cancro, concluíram investigadores da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP).

Em declarações à agência Lusa, Isaura Tavares, docente da FMUP, revelou que o estudo, um dos distinguidos com o Prémio Grunenthal Dor 2020, pretendeu avaliar a questão da neuropatia, isto é, a dor induzida pelo tratamento oncológico com agentes citostáticos. A neuropatia caracteriza-se por um aumento da sensibilidade a estímulos dolorosos, mas também aos que não deveriam causar dor. Esta complicação é comum no tratamento do cancro e afecta significativamente a qualidade de vida dos doentes. 

“Este é um assunto por vezes esquecido, porque, quando uma pessoa está a lutar contra um problema oncológico, o foco é o cancro e muitas vezes esquecemo-nos de que as pessoas deixam de poder ser tratadas porque os citostáticos têm muitos efeitos colaterais, sendo um deles destruir os nervos periféricos”, afirmou. 

Os agentes citostáticos, usados em função do tipo de cancro e de acordo com deadlines estabelecidas, impedem que as células cancerosas se repliquem. No entanto, ao mesmo tempo, estes agentes “vão destruir os componentes das células do sistema nervoso periférico, acabando por produzir sensações de dor” no doente oncológico. “As pessoas ficam desesperadas, não conseguem pôr a mão debaixo de água porque é doloroso, é um aspecto que afecta a qualidade de vida do doente quando ele está a ser tratado e muitas vezes isto persiste nos sobreviventes de cancro”, salientou Isaura Tavares. 

Com o intuito de perceber como é que o “cérebro controla a dor”, os investigadores têm vindo, desde há cinco anos, a estudar a questão em vários modelos animais, nos quais mimetizam um ciclo de quimioterapia. “Ao fim de algum tempo, estudamos os nervos dos animais, como é que é o seu comportamento em relação aos estímulos e analisamos partes do cérebro para perceber como é que estão os sistemas que controlam a dor”, observou a investigadora. 

O estudo, que lança uma “nova luz” sobre os mecanismos neurológicos subjacentes à dor e aos sintomas da neuropatia induzida pela quimioterapia, concluiu que o sistema nervoso central é “indirectamente afectado pela lesão dos nervos periféricos”. “Entre as áreas do cérebro afectadas estão áreas envolvidas no controlo da dor”, explicou. Por esse motivo, Isaura Tavares sugeriu o desenvolvimento de novos fármacos que, ao combinar mecanismos de acção diversos, “aumentem a eficácia do tratamento da neuropatia”. 

A investigadora revelou ainda que outra parte do estudo, que ainda não foi publicada, mostra que a ansiedade é activada nos modelos animais como consequência do comportamento do cérebro. “É muito interessante porque quando pensamos no doente oncológico, pensamos que ele pode estar com uma enorme ansiedade e todas as comorbidades associadas por causa do cancro, mas pode acontecer, os próprios citostáticos por si, pelas alterações que induzem, podem contribuir para este fenótipo da ansiedade”, esclareceu.

O objectivo dos investigadores é agora perceber se as pessoas que são expostas aos agentes citostáticos podem, mais tarde, vir a alterar a sua percepção à dor e como é que o sistema nervoso se adapta a longo prazo. “Queremos estudar estes animais a longo prazo para ver como é que o sistema nervoso se adaptou, se se readaptou, se voltou ao normal ou se simplesmente fica afectado para sempre”, acrescentou. 

A investigação desenvolvida por Isaura Tavares foi um dos trabalhos distinguidos com o Prémio Grunenthal Dor no valor de 7500 euros.