Álvaro Siza desenhou uma casa para os jardineiros de Serralves
Edifício terá zona para usufruto dos jardineiros do parque e será também usado pelo serviço educativo. Uma homenagem a um ofício “central” em Serralves e a refutação da “ideia de que a arquitectura é uma coisa para as elites”, diz Álvaro Siza
Quando Ana Pinho convidou Álvaro Siza para desenhar uma casa para os jardineiros do parque de Serralves estava convencida que levaria uma nega do prémio Pritzker. Mas a resposta surgiu sem hesitações. “Disse-me logo ‘claro que estou interessado’”, contou a presidente da fundação ao lado do arquitecto, na inauguração de um espaço que completa uma “nova centralidade” em Serralves, junto à Casa do Cinema Manoel de Oliveira (também com projecto de Siza) e o Treetop Walk, passadiço ao nível da copa das árvores do parque.
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Quando Ana Pinho convidou Álvaro Siza para desenhar uma casa para os jardineiros do parque de Serralves estava convencida que levaria uma nega do prémio Pritzker. Mas a resposta surgiu sem hesitações. “Disse-me logo ‘claro que estou interessado’”, contou a presidente da fundação ao lado do arquitecto, na inauguração de um espaço que completa uma “nova centralidade” em Serralves, junto à Casa do Cinema Manoel de Oliveira (também com projecto de Siza) e o Treetop Walk, passadiço ao nível da copa das árvores do parque.
A Casa dos Jardineiros, antigo armazém de máquinas e conhecido como Aido ou Casa das Ferramentas, era uma peça há muito em falta em Serralves. A equipa interna que todos os dias cuida dos 18 hectares do parque, conservando o projecto paisagístico, andava há vários anos com a casa às costas. Primeiro instalada nos edifícios que acabariam por ser ocupados pela Casa do Cinema, depois em armazéns no espaço agora recuperado. “O espaço dos jardineiros foi sempre provisório. Muitas destas pessoas estão cá antes de 1989. É uma equipa central para aquilo que fazemos e por isso é com muita alegria que simbolicamente demos o nome de Casa dos Jardineiros a esta estrutura”, disse Ana Pinho, em jeito de homenagem.
Sendo uma “peça central”, reforçou Helena Freitas, coordenadora da equipa directiva do parque, a materialização dessa importância estava por fazer. Em Serralves tal como fora dele. “Nas últimas décadas tendemos, lamentavelmente, a esquecê-los. São funções que deixamos de reconhecer como nobres na criação da cidade. Mas estes são os artistas que vamos precisar nas novas cidades, que terão de olhar para as áreas naturais de forma cada vez mais simbiótica.”
O pequeno edifício com exterior em granito - “o material justo a usar no meio da mata” - servirá agora de apoio à equipa de jardinagem, com zona de arrumos, armazenagem de ferramentas, oficina e garagem para tractores e máquinas agrícolas, no rés-do-chão, e balneários, vestiários e zona de refeições e convívio – com um pátio apetecível com vista para os passadiços de Carlos Castanheira –, no primeiro andar. Mas o espaço será também aberto ao público.
Com uma função “complementar” para o serviço educativo, a Casa dos Jardineiros vai ajudar a mostrar aos mais pequenos como trabalham estes artistas, que instrumentos usam, como cultivam. “Para as crianças perceberem ainda melhor que o leite não vem do pacote que está no supermercado e a alface não vem da prateleira”, exemplificou Ana Pinho.
A nobreza de um pequeno espaço
Álvaro Siza não encarou o antigo armazém como um “espaço técnico”. A “preocupação com o conforto dos trabalhadores” foi importante e desenhar o pequeno edifício vale tanto como burilar um qualquer projecto de grandes dimensões, garante: “Não há espaços secundários, não há espaços mais nobres do que outros. Isso era no tempo da monarquia”, graceja.
Dizendo-se “grato” por aquele que é o seu quarto projecto em Serralves – além do museu de arte contemporânea, é o autor da Casa do Cinema e da reabilitação da casa antiga –, o arquitecto destacou o prazer “especial” em fazer este edifício, capaz de contrariar “a ideia de que a arquitectura é uma coisa para as elites”. Para Álvaro Siza, ela deve ser o oposto disso: “A arquitectura contemporânea caracteriza-se, no seu melhor pelo menos, por se destinar a todos. Não é uma magia nem uma coisa inacessível.”
A cobertura verde do edifício e a Cimeira do Clima foram pretexto para o arquitecto comentar a “moda” da arquitectura sustentável. Nem sempre fácil de concretizar em cidades com topografias como a do Porto, mas de fulcral importância. “A beleza também te de ser sustentável”, defendeu. E se as mudanças prometidas na COP26 não passarem de conversa? “Para já, se calhar, vai ser blá, blá, blá. Mas depois talvez possa ser só blá. E depois talvez mude. São transformações que demoram muito tempo”, afirmou, mostrando um optimismo moderado. “Isto vai devagar. E oxalá que devagar se vá ao longe. Mas melhorias espectaculares eu já não vou ver e todos os presentes na sala também não.”