Quando estamos exaustos tudo irrita

Mesmo em situações em que um dos pais está disposto a mudar a sua forma de acção, é preciso dar-lhe a oportunidade de ganhar essa destreza.

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@designer.sandraf

Querida Mãe,

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Querida Mãe,

Já falámos sobre como é difícil educar filhos. Ainda mais quando é preciso gerir “bocas” e “bitates” das pessoas à nossa volta, mas pior do que tudo isso é quando é o pai e a mãe que não estão de acordo em questões de parentalidade.

A quantidade de vezes que já ouvi de tantas mães queixas como “A mim não me chateiam as birras do meu filho, o problema é discutir com o meu marido sobre como as resolvi” ou “Mais difícil do que o bebé acordar 20 vezes por noite é ter o meu marido aos gritos de que “Isto não pode continuar assim”. Do outro lado da barricada, escutei-os a eles a lamentarem-se de que “O miúdo faz dela gato-sapato”, ou “Ficou um menino da mãe, só a quer a ela!”. São generalizações, evidentemente, mas ilustram como é complicado quando a nossa própria casa se torna num campo minado, em que cada interacção com os nossos filhos está a ser avaliada e julgada pelo outro.

Mãe, não sei qual é a sua opinião, mas a mim parece-me que há dois grandes momentos de tensão:

1. Logo no pós-parto, com as questões da amamentação e do sono, e a eventual dificuldade do pai em encontrar um espaço seu. Sim, é verdade que, às vezes, as mães “fecham a porta” ao pai, porque estão numa relação tão simbiótica que lhes é difícil dar lugar a um terceiro, mas, muitas vezes, são mesmo os bebés que ainda não estão disponíveis para os “outros”. E ficar de fora dói. Confesso-lhe que só percebi o quão duro pode ser quando a M. mudou completamente e queria o pai. Até eu, que sabia que era normal e achava-me perfeitamente capaz de gerir estas emoções, dei por mim irritada e triste quando ela desatava aos gritos para que fosse o pai a vesti-la ou a dar banho.

2. A segunda “crise” dá-se pelos 2/3 anos, quando começa a fases de maiores birras e o casal é levado ao limite. Mas quando um dos pais escolhe uma linha de disciplina mais firme, quando acredita em castigos ou palmadas, e o outro pai é completamente contra, como se gere? É que agora que, felizmente, incluímos os homens em todas as decisões, em que queremos tanto viver os filhos a dois, como se resolve quando há duas opiniões opostas? É óbvio que não é preciso que os pais estejam sempre 100% de acordo, mas é complicado um casal sentir-se unido e respeitar-se mutuamente quando sempre que um interage com a criança, recebe do outro um olhar de desilusão e reprovação.

Como é que se resolve a crise 1 e a crise 2? Suspeito que a solução passará sempre por conversarem um com o outro, e estarem disponíveis para ouvir os respectivos pontos de vista. Ajuda se ambos lerem os mesmos livros, falarem juntos com os mesmos especialistas, porque é muito comum ser a mãe a encarregar-se da “investigação”, acabando por fazer um caminho de desenvolvimento pessoal, mas a sós, deixando-o a ele a sentir-se ainda mais um outsider.

Por isso é preciso calma, paciência e tempo para falarem. Porque mesmo em situações em que um dos pais está disposto a mudar a sua forma de acção, é preciso dar-lhe a oportunidade de ganhar essa destreza.

Mas e se a comunicação for impossível? Mãe, como sabe, sou a favor de que se acabe rapidamente com o preconceito de que os terapeutas de casal são para “sepultar casamentos” — é uma estupidez não pedir apoio a tempo e horas a quem possa ajudar-nos a mediar um impasse e a comunicar melhor (o coaching não é só para as empresas).

Espere, não quero acabar esta carta, sem lhe falar de um livro que descobri há pouco tempo e que tem o título genial de How Not to Hate Your Husband After Kids​ ("Como não odiar o seu marido depois de ter filhos!”, ainda não está traduzido para português). A autora Jancee Dunn recomenda que digamos “obrigada” frequentemente! Segundo os investigadores da Universidade da Georgia o que permite prever o sucesso de um casamento não é a frequência das discussões mas a forma como o casal se respeita no dia-a-dia — e as manifestações de gratidão são o melhor dos indicadores. A outra dica é difícil de por em prática, mas fundamental: “Não partam do princípio que o vosso marido vos vai ler os pensamentos.”

Assina por baixo?

Beijinhos!


Querida Ana,

Assino por baixo, mas acrescento mais um ponto à ordem dos trabalhos: diz-me a experiência que mais de metade dos problemas dos casais com filhos resulta da falta de horas de sono. Só isso.

Quando achar que já não tem nada em comum com ele, quando se perguntar a si mesma o que viu naquele homem, e embirrar com tudo o que ele diz e faz, inclusivamente na forma como lida com as crianças, recorra rapidamente aos avós, e deite-se a dormir. Quando estamos exaustos tudo irrita.

Beijos

PS. Vou ler imediatamente o livro.


No Birras de Mãe, uma avó/mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, começaram a escrever-se diariamente, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. Mas, passado o confinamento, perceberam que não queriam perder este canal de comunicação, na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. Facebook e Instagram.