Uma viagem às Selvagens desaguou num manual SOS para a ansiedade e o stress

Uma quinzena nas desabitadas ilhas Selvagens, na Madeira, serviu de base para um manual SOS intuitivo com “exercícios simples” para situações de stress e ansiedade. É parte de um projecto de arte e saúde mental que explora a dicotomia “entre ser e estar sozinho”.

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Carolina Caldeira

Em Janeiro de 2020, Carolina Caldeira pensou no quão bom seria poder simplesmente isolar-se. A trabalhar num projecto onde tinha de estar constantemente a vender-se, como a artista diz, estava “exausta socialmente”. O trabalho terminou antes de ser forçado a uma interrupção precoce quando, em Março, a pandemia de covid-19 forçou mesmo meio mundo a fechar-se em casa. Muitos sozinhos.

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Em Janeiro de 2020, Carolina Caldeira pensou no quão bom seria poder simplesmente isolar-se. A trabalhar num projecto onde tinha de estar constantemente a vender-se, como a artista diz, estava “exausta socialmente”. O trabalho terminou antes de ser forçado a uma interrupção precoce quando, em Março, a pandemia de covid-19 forçou mesmo meio mundo a fechar-se em casa. Muitos sozinhos.

“Nessa altura, só via mensagens a dizer ‘que saudades de um abraço’, ‘do convívio’ e eu não sentia nada disso. Senti que precisava de estar só comigo. O meu primeiro impulso foi achar que estava algo de errado comigo”, conta. Formada em Psicologia, começou a pesquisar sobre “esta idade de solitude”.

“Solitude para mim é a perspectiva boa de estar isolada, de estar sozinha. É a experiência positiva”, diz, acrescentando que nem sempre será tão fácil assim separar as águas. “Entre uma e outra, entre a solidão e a solitude, vai um caminho muito grande. Esse caminho tem muitas variáveis que ainda não consigo definir todas.”

Não por falta de tentativas. Durante os confinamentos que se alastravam atrás do vírus, Carolina Caldeira começou a pensar em quem já antes se isolava por causa do seu trabalho — curiosidade semelhante à que nutríamos, por exemplo, pelos astronautas que inspiraram os primeiros guias de sobrevivência ao isolamento.

A artista, no entanto, tinha um exemplo bem mais perto de casa, um subarquipélago desabitado perdido algures no Atlântico. Visitou primeiro as Desertas, e quando voltou preparou a candidatura a um apoio da Direcção-Geral das Artes para projectos de arte e saúde mental que teria como base os 18 dias que três artistas — a própria Carolina Caldeira, André Moniz Vieira e Juliana Lee —​ passariam nas Selvagens, o ponto mais a sul de Portugal, e um dos mais remotos, em convivência com os vigilantes do Instituto das Florestas e Conservação da Natureza (IFCN).

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Carolina Caldeira

“Queria perceber qual a diferença entre estar sozinho e estar só”, diz. Através da observação dos vigilantes, propôs-se a estudar “os efeitos do isolamento e as estratégias que cada um tem para o combater”.

Sem dar por isso, Carolina Caldeira percebeu as estratégias que os vigilantes utilizam, como “a contemplação, a respiração, o exercício físico, o estar em movimento”. “Na verdade, têm acesso a uma data de elementos naturais que são naturalmente suavizantes”, comenta. Partilhou tudo isto com a Rumo, a plataforma online de cuidados de saúde mental que construiu o manual para “sair da espiral mental provocada pela ansiedade”.

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Carolina Caldeira DR

Nas Selvagens, os vigilantes trabalham por quinzenas e quando estão na reserva natural ficam “longe da família e dos amigos”, “sem terem comunicação por Internet ou telefone muito facilitada”. “Nas Selvagens estás constantemente a ouvir o mar. Estás rodeada de mar e silêncio”, descreve: “É quase voltares às raízes pré-tecnologia.”

Um jantar, uma sessão de cinema caseira ou até uma música “são sempre acompanhados de silêncio e de contemplação”. Estranhou a falta de interrupções para espreitar o ecrã do telemóvel, quase como num filme pouco fiel à realidade.

“A partir do momento em que estás hiper-conectada através das tecnologias e redes sociais parece que perdes o contacto contigo própria e com as pessoas à tua volta, ali parece que regressas a esses tempos. A tempo de Nokia”, resume.

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Os retratos de Carolina Caldeira, em conjunto com os vigilantes da Natureza

Muitos dos exercícios propostos no manual gratuito, com linguagem acessível e disponível online são “exercícios simples que podem ser feitos em qualquer lugar e mexem com a observação”. Estão por estes dias em exposição no Funchal, em conjunto com os trabalhos fotográficos dos artistas, na Fundação Cecília Zino. “São mais um controlo mental que ajuda a suavizar os sintomas físicos da ansiedade e do pânico, como taquicardia ou respiração ofegante”, explica, notando que não dispensam “o acompanhamento terapêutico em situações de crise e disfunção regular”.

“Quando comecei a estudar Psicologia, em 2008, era um tópico tabu”, comenta. A pandemia tornou impossível ignorar sintomas de ansiedade e depressão e trouxe a saúde mental para a saúde, para a televisão, as conversas entre amigos. “As pessoas já começam a integrar a saúde mental como algo necessário e presente na nossa vida”, diz. “É isso que gostava que as pessoas conseguissem fazer mais habitualmente: olhar para si próprias e perceber as suas próprias razões, os seus próprios mecanismos e pedir ajuda, se for o caso disso.”