“Vejo dentro do PS um fascínio por fazer do partido um ‘Bloco de Esquerda 2.0’”
Adalberto Campos Fernandes analisa o momento político do PS, considera que Marcelo Rebelo de Sousa falhou na análise à crise e na forma como tentou evitá-la e mostra a sua discordância com a política da saúde seguida por Marta Temido.
Militante do Partido Socialista, médico, ex-ministro da Saúde do primeiro Governo de António Costa. Adalberto Campos Fernandes falou com o PÚBLICO e a Rádio Renascença no programa Hora da Verdade um dia depois do chumbo do Orçamento do Estado na Assembleia da República e da precipitação de uma crise política. Quer um PS ao centro, longe dos partidos que, a seu ver, mostraram um egoísmo táctico ao chumbarem um Orçamento numa conjuntura ainda muito instável, quer social, quer economicamente.
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Militante do Partido Socialista, médico, ex-ministro da Saúde do primeiro Governo de António Costa. Adalberto Campos Fernandes falou com o PÚBLICO e a Rádio Renascença no programa Hora da Verdade um dia depois do chumbo do Orçamento do Estado na Assembleia da República e da precipitação de uma crise política. Quer um PS ao centro, longe dos partidos que, a seu ver, mostraram um egoísmo táctico ao chumbarem um Orçamento numa conjuntura ainda muito instável, quer social, quer economicamente.
Escreveu várias vezes contra a dedicação plena dos médicos no Serviço Nacional de Saúde (SNS) que o Governo colocou em cima das negociações com a esquerda. Porque discorda desta medida?
As medidas fazem sentido e podem ser úteis quando estão enquadradas com a realidade que estamos a viver. Aliás, eu comentei que, paradoxalmente, a dedicação exclusiva foi criada no final da década de 80 por uma ministra de um Governo de direita, Leonor Beleza, e depois foi eliminada em 2009 por uma ministra de um Governo de esquerda, Ana Jorge.
A realidade hoje é muito diferente, temos um sector privado muito competitivo, muito forte, que abrange quase quatro milhões de pessoas, temos nalgumas especialidades médicas carências que estão identificadas, e portanto o que nós precisamos é de encontrar para os médicos e para o conjunto de outros profissionais projectos mobilizadores que os façam sentir atraídos pelo SNS não numa lógica, digamos, de retenção administrativa ou até de “prisão”, mas numa lógica de projectos concretos.
Nas USF [Unidades de Saúde Familiar] existem unidades com incentivos, com compromissos de actividade e de desempenho e não existe dedicação exclusiva. E, no entanto, as remunerações são das mais elevadas no SNS. Portanto, nós precisávamos de desenvolver nos hospitais centros de responsabilidade integrada, como tivemos com o prof. Manuel Antunes em Coimbra, precisamos de repensar todo o edifício das carreiras profissionais da saúde, não apenas dos médicos, dos enfermeiros e dos outros técnicos de saúde.
Esta medida, se fosse levada ao extremo, faria com que ficassem no SNS os médicos que já lá estão e que aqueles que têm uma actividade dual privada intensa pedissem para sair. Isso teria consequências devastadoras não só na resposta assistencial, mas também na formação dos jovens médicos. Esta é a razão por que eu acho que a medida é extemporânea porque a realidade de 2021 não é nem a de 89 nem a de 2009.
Mas a medida proposta no estatuto do SNS que, entretanto, entrou em consulta pública, tem alguma flexibilidade. É voluntária, os médicos dizem se querem ou não, e nem sequer é exclusiva. Mesmo os médicos com cargo de chefia podem continuar a ter actividade no privado. Como é que isto se resolve? O bastonário da Ordem dos Médicos revelou que quase metade dos médicos que existem em Portugal não trabalha no SNS...
Descreveu, quanto a mim, uma medida perfeitamente inconsequente. É uma medida-emblema, que foi utilizada para, nesta refrega orçamental recente, criar algumas pontes para o apoio parlamentar. Ser voluntária, ser à medida, ser apenas para dirigentes quando nos cuidados de saúde primários regimes com incentivos não têm dedicação exclusiva; eu pergunto qual é o objectivo final de tudo isso? Nós temos de encontrar formas que sejam duradouras e daí que eu tenha referido várias vezes que era importante olhar para as carreiras profissionais no seu conjunto porque o sector público nunca conseguirá ser competitivo no pagamento de remunerações como paga o sector privado mas pode ter remunerações base mais dignas e ter remunerações baseadas em incentivos ligados ao desempenho e à qualidade.
Para si, a questão passa por aumentar os salários dos profissionais de saúde...
Não apenas dos médicos, é por isso que eu tenho dito que nesta matéria é preciso um acordo alargado que envolva partidos que vão ser governo mais tarde ou mais cedo e, portanto, não deve ser um acordo de sector ou sectorizado no Parlamento, deve envolver uma amplitude grande porque estas medidas têm implicações orçamentais no médio e no longo prazo e significam compromissos que não podem andar para trás e para a frente em função das maiorias conjunturais.
Muitas vezes a fixação dos médicos no SNS não tem tanto que ver com a questão remuneratória, tem que ver com as condições de trabalho, os equipamentos, a modernidade das instalações, as equipas. Temos de deixar, aliviar, esta retórica um pouco tóxica de que há um ónus sobre os médicos que trabalham no sector privado, que são maus profissionais no sector público ou vice-versa. Essa é uma questão que não faz qualquer sentido. No Reino Unido saiu agora um estudo que diz que médicos com actividade dual têm um excelente desempenho e até um melhor desempenho no sistema público. Essa é uma questão estratégica e como tal não deve ser tratada com medidas pontuais que se destinam apenas a satisfazer acordos de natureza meramente transitória.
Mas, para si, faz sentido que um director de serviço de um hospital público faça trabalho num hospital privado? Há casos em que são directores de serviço no privado. Isto é sequer possível?
Não faz nenhum sentido, mas não é com regimes de excepção alocados a uma profissão em concreto que se resolve um problema que é do código geral de ética das profissões. Em todas as empresas existe um código de conduta e, portanto, os funcionários públicos em geral estão obrigados a um código de conduta, portanto, não há que especializar o regime de comportamento das profissões. Há coisas que são por natureza inadmissíveis e nenhum director de serviço de um hospital privado que esteja simultaneamente no público o é sem ter tido uma autorização de acumulação de funções pela entidade patronal onde está a trabalhar. Portanto, que fique claro que esta não é uma questão que não possa ser resolvida no enquadramento legal actual e que tem muito mais que ver com o código de conduta e de ética das profissões em geral e dos agentes públicos do que com a estigmatização de uma profissão em concreto ou de um grupo socioprofissional em concreto, sejam médicos, enfermeiros, ou outros.
Uma medida positiva poderia ser a contratação directa de médicos pelos hospitais?
Essa é a questão central. Todo este pacote de medidas que foi anunciado recentemente em sede de negociação orçamental, que inclusive previa a criação de uma nova estrutura em cima de estruturas que já existem, uma direcção executiva...
Uma espécie de CEO do SNS...
Eu penso que é um toque de modernidade que foi feito para agradar a alguns sectores de opinião mas que não tem nenhuma utilidade prática sem se fazer a reforma administrativa e organizativa do sistema de saúde. Nós temos ARS, ACSS, EPE, ULS, vamos introduzir uma camada extra, provavelmente burocracia endogâmica, que vai fazer com que a autonomia de que os hospitais se queixam que não têm ainda fique mais agravada.
É tão simples quanto isso, o Parlamento tem instrumentos para o fazer com o Governo, atribuindo aos hospitais empresas (EPE) a autonomia que eles reclamam há tanto tempo. O Hospital de São João ou o Centro Hospitalar de Lisboa Central não pode estar três meses à espera de um despacho das Finanças para contratar um assistente operacional. Essa medida vale mais do que mais porção legislativa, mais camadas organizativas, mais lugares, mais decisores, que naturalmente vão incorrer em mais entropia e em menos eficiência.
Então, do que se conhece da proposta de estatuto do SNS, o que encontra de positivo?
Evidentemente que há aspectos positivos e há aspectos menos positivos e agora há um processo de discussão pública. É um documento que, aliás, recupera algumas medidas que estão completamente datadas no tempo e fora da actualidade, até das políticas mais modernas e da inovação da gestão organizacional em saúde. Mas naturalmente o debate público será útil e as organizações socioprofissionais, os agentes públicos, e outros podem pronunciar-se sobre ela.
O que me parece é que, mais do que a construção de um Estatuto do SNS, que tem uma orientação que é, diria, muito pouco em linha com o espírito dos temas de saúde modernos que precisam de colaboração, precisam de cooperação, precisam de um sentimento de partilha dos esforços em relação às capacidades que estão instaladas no terreno. Parece-me que essa carga está inscrita neste estatuto.
Às vezes, parece-me que há determinadas pessoas que pensam que é preferível manter um conceito, ainda que um conceito fora do seu tempo, muito rígido, muito unilateral, mantendo pessoas fora do sistema e fora da resposta, do que gerar as flexibilidades e a recuperação que naturalmente tem de existir com o domínio claro do Serviço Nacional de Saúde, enquanto estrutura central do sistema de saúde, como aliás a Constituição da República define, mas não num quadro de unilateralismo ou até mesmo de uma certa aproximação sectária à filosofia do SNS.
Tem esperança que a actual conjuntura e o actual calendário político leve a um repensar desta proposta de estatuto?
A questão do estatuto, no meio desta crise política, é talvez a menos importante de todas. Porque estamos perplexos, ainda passadas algumas horas sobre a votação do Parlamento [esta entrevista foi feita na quinta-feira, 28], de como é possível alguns partidos rejeitarem o orçamento num quadro em que estamos ainda a sair da pandemia, sem ter a certeza se a situação está resolvida, porque há sinais na Europa que nos deixam preocupados, num contexto internacional dominado por uma crise energética e por uma ameaça à estabilidade económica e financeira dos países que nos deixa a todos muito inquietos. E ficamos perplexos como é que, afinal, aquilo que se pensava que era uma maioria política se esgota numa maioria aritmética, onde os egoísmos tácitos se sobrepuseram ao interesse nacional. Isto tem muito mais importância que qualquer Estatuto do SNS, porque o que está aqui em causa é o futuro do país e a estabilidade que o país necessitaria para ter recuperação.
Quando fala de egoísmos tácticos, está a referir-se ao PCP e ao Bloco de Esquerda, presumo...
Qualquer português que acompanhe minimamente a política e a actividade política, não pode ter outra leitura: houve uma sobreposição, por razões que antevejo que sejam diferentes. Naturalmente o PCP por razões mais estratégicas, porque é um partido mais estruturado, é um partido que faz uma leitura mais avançada do processo político. Mas houve de facto um tacticismo por parte do Bloco de Esquerda, que é um partido pouco confiável, é um partido que efectivamente trabalha muito a sua acção política, muito na espuma dos dias, e que de facto deu uma prova de que esta solução política tinha as fragilidades que tinha. E comprovou-se que, efectivamente, os interesses nacionais ficaram naquele momento da votação um pouco esquecidos dos interesses partidários objectivos.
E acha que PCP e Bloco serão penalizados nas urnas ou também pode haver uma penalização para o PS?
Não faço futurologia nessa matéria. Em termos de análise, direi que o povo português tem uma sensatez que é historicamente reconhecida e sempre, em processos políticos, ela foi revelada. Obviamente que isso vai ter custos eleitorais para os agentes políticos todos. É imprevisível saber quais serão, mas aqueles que foram a causa primeira, a causa próxima da ruptura desta maioria e da rejeição do Orçamento – um Orçamento que foi, do meu ponto de vista, enquanto membro do PS, até longe de mais, tendo em conta aquilo que é a preocupação que devemos ter com as próximas gerações, porque o país não se esgota hoje.
Longe de mais em quê?
Quando entramos, como aconteceu, num leilão orçamental, em que não há um acordo escrito, e sob pressão na tentativa de obtermos o apoio parlamentar e o apoio dos votos, se vai cedendo de cedência em cedência, o que acontece a um Orçamento? Perde consistência. Já não sabemos se o Orçamento que foi desenhado à partida tem relação com aquele que estava para ser aprovado, quantas são as linhas ou os pontos de contacto que definem a sua coerência.
E o que percebemos é que provavelmente o projecto político do médio prazo pode estar aqui e ali a ser prejudicado por um projecto de médio prazo, de curto prazo. Não sendo economista, sou suficientemente interessado nas questões económicas para perceber que o PS foi um partido responsável. Sempre foi um partido que pensou o país a médio-longo prazo, sempre foi um partido que teve e tem como desígnio a integração europeia, a responsabilidade orçamental. Aliás, o primeiro-ministro tantas vezes referiu a questão das contas certas... E quando vamos de passo em passo em cedências, que em alguns casos manifestamente me pareciam exageradas, corremos riscos de desvirtuar essa consistência orçamental.
Então, para si, o PS não foi tacticamente egoísta...
O PS tem a responsabilidade maior perante o país. Quem tem o Governo e detém o poder executivo neste momento é o PS. O PS foi desprovido ou foi expurgado de um instrumento essencial de governação que é o Orçamento do Estado num quadro em que temos o PRR [Plano de Resolução e Resiliência] para ser aplicado, num quadro em que há necessidades na área da saúde, e noutras, de despesas correntes que não podem ficar comprometidas pela governação em duodécimos. Acho que o PS terá sido ingénuo ao confiar demasiado de que na 25.ª hora o bom senso prevaleceria e o bom senso não prevaleceu.
Acho que esse é um adjectivo que nunca ninguém usou com António Costa, ingenuidade...
Sabe que mesmo as pessoas com grande inteligência e com grande profundidade no seu pensamento por vezes são surpreendidas pelos factos, pela vida e a vida política tem disto. Se nós estivéssemos aqui a conversar há 15 dias, provavelmente todos diríamos que seria uma improbabilidade enorme não haver Orçamento do Estado. Portanto, é isso que a política tem, é o momento.
Agora que parece que tudo indica que vamos para eleições, acha que o PS deve apelar ao voto de forma a ter uma maioria absoluta e assim evitar dificuldades de governabilidade, de um Parlamento ainda mais fragmentado?
Não tenho dúvida nenhuma de que ao PS, neste momento, não lhe resta outra coisa que não seja falar claro, apresentar um programa político próprio, restaurar a sua identidade programática e a sua identidade estratégica. Quer dizer, acenar agora aos portugueses com uma reedição de uma solução política que termina desta maneira, com um desalinhamento e uma quebra de confiança, creio que isso não é positivo. O PS tem estrada para percorrer e pode percorrê-la sozinho, não precisa de se meter por atalhos. Naturalmente que é bom que abra a possibilidade da colaboração com os outros partidos políticos, que abra a possibilidade de entendimentos pós-eleitorais, mas acho que tem de falar muito claro e os portugueses têm de ser confrontados com aquilo que o PS quer.
Portanto, acha que não deve ser colocado como possibilidade, pelo menos no período eleitoral, uma nova “geringonça”...
Eu acho que não faria nenhum sentido. Se há uma quebra de confiança e se há um resultado que foi o que tivemos ontem, os próprios portugueses não perceberiam muito bem que fôssemos reeditar algo que foi destruído pela confiança, pela incapacidade de dialogar. Acho que agora há que “fazer um reset” ao sistema, os partidos têm de apresentar as suas propostas, os seus programas. Para ser um actor de políticas de qualidade, sociais, que modernizam o país, que perseguem a justiça social, o PS não precisa de certo tipo de ajudas.
... até se pode sentir mais livre, mais sozinho...
Com certeza. Ir a jogo, apresentar o seu programa, assumir aquilo que correu menos bem – houve coisas que correram menos bem – assumir o que foi positivo e foi muita coisa, como é reconhecido pela generalidade das pessoas, e devolver aos portugueses a capacidade de escolher. Eu noutro dia escrevi: pior que uma estabilidade pela estabilidade é uma estabilidade instável. Há que recuperar o sentido da estabilidade sólida e produtiva em relação ao futuro.
Fez uma publicação nas redes sociais um tanto crítica de Marcelo Rebelo de Sousa, depois daquela ida ao Multibanco. Acha que o Presidente também precipitou a crise ao colocar logo em cima da mesa as eleições, retirando tranquilidade a este processo?
Eu tenho alguma dificuldade em criticar o Presidente da República, aliás uma das pessoas por quem tenho muita estima e que sempre apoiei. Mas tenho de reconhecer que, nesta crise que estamos a viver... Nós em algum momento não percebemos bem se o excesso de protagonismo não seria pior do que aquilo que nestes momentos de crise se pede à Presidência da Republica, que é uma maior reserva, menor intervenção pública, menor participação naquilo que é a responsabilidade dos partidos, o debate, as negociações. Creio que a preocupação do Presidente da República era tão grande com a instabilidade e a com a crise política, que ele, na sua própria natureza – todos o conhecemos, é uma pessoa muito generosa, muito aberta –, em certa medida aqui e ali terá talvez ido um pouco longe de mais.
Tem faltado sentido de Estado ao Presidente?
Não quero dizer isso. Cada Presidente tem o seu estilo, agora acho que o sentido de Estado, às vezes, falta um bocadinho a todos. Todos nós, às vezes, nos esquecems de que o sentido de Estado é tão bom e tão útil para defender as instituições democráticas. E o sentido de Estado não é algo antigo, não é algo que esteja fora do seu tempo. É algo que significa que a responsabilidade pública e política é demasiado importante para ser banalizada e para ser relativizada. Nós tivemos, ao longo da nossa história, muitos exemplos de Presidentes e de primeiros-ministros que tiveram uma vocação maior para essa cultura de Estado, outros que tiveram menos.
O que acha que pode fazer mais mossa ao PS? Um PSD liderado por Rui Rio ou por Paulo Rangel?
Não faço a mínima ideia. Acho que do ponto de vista do PS a última coisa que o partido deve fazer é estar preocupado com o que vai acontecer no centro direita e com as lideranças com que se vai confrontar. Como também me parece profundamente errado que agora se inicie o exercício de acenar com o fantasma do Chega ou dos extremismos de direita. O PS tem de apresentar o seu caminho, tem que falar do trabalho que fez, tem de projectar o futuro e tem de afirmar o seu projecto político. E não tem de se preocupar muito se a liderança é do dr. Rui Rio ou do dr. Rangel. Naturalmente que são estilos diferentes, o dr. Rui Rio afirmou sempre que buscava os consensos com o PS e o centro. A minha preocupação não é com o PSD, porque eu não sou militante do PSD, sou do PS, a minha preocupação é que o PS abandone o centro. Essa é a maior preocupação que eu tenho e tive ao longo dos últimos meses, porque quando o PS abandona o centro, e sempre que abandonou o centro, afastou-se dos portugueses.
Acha que o PS estava a abandonar o centro?
Vejo aqui e ali, mesmo dentro do PS, uma atracção que eu diria às vezes mesmo uma atracção fatal, um certo fascínio por fazer do PS uma espécie de “BE 2.0” e esse não é o meu Partido Socialista e não é o de muitos milhares de militantes e muitos milhares de homens e mulheres que fazem o PS. Nós temos muito respeito pelas posições do Bloco de Esquerda, do Partido Comunista Português, mas o PS é um partido europeu, que fundou a liberdade em Portugal e que tem uma história de desencontro, diria até mais de desencontros do que encontros no seu passado, com algumas das soluções de que agora se quer aproximar. A clareza é importante e eu espero sinceramente que o PS se mantenha num espaço de grande moderação.
Coloca Marta Temido, que é agora sua camarada de partido, nesse lote mais à esquerda do PS?
Não sei. Não lhe conheço o pensamento político e, portanto, o que tenho visto das últimas declarações que tem feito é uma afirmação mais à esquerda, citando aliás até cantores de intervenção e autores políticos mais à esquerda. Respeito, como respeito a posição de outros camaradas dentro do partido e isso não me permite matéria suficiente para fazer um juízo sobre qual é o posicionamento.
Mas falou várias vezes da necessidade de se abandonar a retórica ideológica da saúde...
Sobretudo a que não é do Partido Socialista.
Que é qual?
O PS é um partido fundador da democracia, que privilegia o diálogo social, a concertação social, o entendimento entre trabalho e empresas.
Mas onde é que Marta Temido falha nisso?
Não estou a dizer que falha. Essa questão que me coloca e que me deixa alguma dificuldade, porque não queria estar a comentar uma pessoa que me sucedeu no Governo. Mas eu acho que não falha. As pessoas têm os seus enquadramentos políticos, têm as suas opções e dentro do Partido Socialista há muita gente que está numa posição ideologicamente mais à esquerda, outros mais ao centro.
Mas a saúde foi uma dessas áreas?
Respondo-lhe de outra maneira. Eu não acho boa ideia que reformas estruturais que têm implicações no futuro do país a médio-longo prazo, como sejam a justiça, a segurança social, o trabalho e a saúde, sejam feitas de forma balcanizada. Ou seja, criando um muro entre aquilo que são as soluções do Governo alternativas no país. Estas reformas não devem estar expostas ao risco de uma mudança de Governo fazer a reversão dessas mesmas medidas. Portanto, estas grandes reformas que envolvem os grandes serviços e os grandes sistemas do país devem ser discutidas com uma amplitude democrática parlamentar de espectro muito maior do que aquela que recentemente tem sido feita.
O Conselho Económico e Social tinha-lhe pedido um grande estudo sobre o SNS. Já está feito?
Está atrasado e a culpa é minha. Já pedi desculpa ao presidente do Conselho Económico e Social e aos colegas que estão envolvidos. Estamos a arrancar com o estudo, a criar os grupos de trabalho. Vamos fazer um evento público que provavelmente vai ter de ser adiado para Janeiro. Estava previsto para agora, mas todo este contexto recomenda que seja adiado. Ao longo de 2022, creio que ainda no primeiro semestre, nós teremos o trabalho concluído.