Zombies sociais
Não deixa de ser irónico que nunca tivemos tantas razões para estarmos tão juntos e, contudo, nunca estivemos tão afastados. À medida que o tempo passa, ficamos cada vez mais conectados ao mundo virtual e cada vez mais desligados da realidade à nossa volta.
Numa tarde ensolarada, num café simpático, três mesas captaram a minha atenção. À direita, um casal na casa dos quarentas, com o seu bebé ao lado. Do outro lado, um par jovens namorados. Mais à frente, uma mesa com quatro jovens.
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Numa tarde ensolarada, num café simpático, três mesas captaram a minha atenção. À direita, um casal na casa dos quarentas, com o seu bebé ao lado. Do outro lado, um par jovens namorados. Mais à frente, uma mesa com quatro jovens.
Até aqui, nada de estranho. O fenómeno caricato viria logo a seguir: durante largos minutos, de nenhuma destas pessoas saiu qualquer palavra. Em todos, o gesto robotizado e padronizado, que faria corar de vergonha o robô mais zeloso, era o mesmo: segurar o telemóvel com a mão esquerda, e deslizar o dedo indicador direito pelo ecrã.
Os seus corpos estavam fisicamente no mesmo espaço, mas as suas mentes não poderiam estar mais separadas, imersas que estavam nas profundezas das redes sociais e dos telemóveis que as proporcionam.
Não deixa de ser irónico que nunca tivemos tantas razões para estarmos tão juntos e, contudo, nunca estivemos tão afastados. À medida que o tempo passa, ficamos cada vez mais conectados ao mundo virtual e cada vez mais desligados da realidade à nossa volta.
(Abro um parêntesis porque, enquanto escrevo isto, o bebé parece estar prestes a partir o copo de vidro que está em cima da mesa; os pais, impávidos e serenos na sua postura de zombies, ainda não deram por nada…)
Os nossos telemóveis tornaram-se as nossas slot machines pessoais, privadas e portáteis. Já não precisamos de ir ao casino para ter o shot de dopamina que o jogo proporciona. Andamos com ele no bolso.
Viciamo-nos nas redes sociais, porque elas constituem uma forma preguiçosa e fácil de lidar com as nossas vidas reais. Se as anteriores gerações lidavam com os problemas à base de álcool e drogas, as novas gerações fogem dos seus problemas reais, atirando-se para as redes sociais e nelas construindo uma vida de fantasia. Com isso, temos vindo a dar passos numa cultura que nos transforma em autênticos zombies sociais, alheios à mais básica interacção.
Não me interpretem mal: não diabolizo as redes sociais nem a Internet. Os seus benefícios são fantásticos. O problema, como em quase tudo na vida, é a quantidade: jogar é divertido, demasiado jogo causa vício; beber é saudável, beber em demasia é perigoso. A Internet e as redes sociais resolveram velhos problemas económicos, mas, visto que não há almoços grátis, deixaram-nos como factura novos problemas psicológicos.
Enquanto me interrogo se nos teremos tornado vítimas do nosso sucesso civilizacional, ouço um som estridente – a criança finalmente atirou o copo no chão, desfazendo-o em mil pedaços. Só assim os zombies do café emergiram do estado letárgico-comatoso em que se encontravam e regressaram ao mundo real. Os pais estão escandalizados. Olham-se e perguntam mutuamente como foi possível não se terem apercebido do que estava a acontecer.
Sim… Como foi possível não se terem apercebido?