De gabinete a agência: mudam-se os tempos, mudam-se as vontades?
A realidade que temos presenciado (tendo viva a crise migratória de 2015) é a de que a dignidade humana não tem sido respeitada no acolhimento dos que fogem de conflitos e de violência por perseguição política, religiosa e/ou de orientação sexual — como se os valores e princípios da UE só fossem de e para europeus.
Mais de uma década depois da criação do Gabinete Europeu de Apoio ao Asilo (EASO), em 2010, e após uma gestão incoerente, a União Europeia (UE) poderá ter entendido a necessidade de se criar uma nova agência, por forma a lidar com o afluxo de migrantes e requerentes de asilo. Porém, o problema não reside apenas nessa nova configuração, mas sobretudo na implementação efectiva das políticas de asilo.
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Mais de uma década depois da criação do Gabinete Europeu de Apoio ao Asilo (EASO), em 2010, e após uma gestão incoerente, a União Europeia (UE) poderá ter entendido a necessidade de se criar uma nova agência, por forma a lidar com o afluxo de migrantes e requerentes de asilo. Porém, o problema não reside apenas nessa nova configuração, mas sobretudo na implementação efectiva das políticas de asilo.
Nos dias 14 e 15 de Outubro, em Malta (sede do EASO), realizou-se a conferência para a celebração dos dez anos desde que o gabinete se tornou operacional, ocasião que marcou, simultaneamente, o início da transição de gabinete para Agência Europeia para o Asilo (EUAA) de pleno direito, a ser concluída até ao final de 2021. Com essa mudança no horizonte, não se espera apenas uma reorganização, espera-se uma acção mais real.
Segundo os principais pontos sobre a nova composição, a agência desenvolverá padrões operacionais, indicadores, directrizes e melhores práticas, ou seja, simplificará a cooperação entre os Estados-membros e ajudará na aplicação de medidas convergentes de asilo. Contudo, e apesar de se apresentar como meio que descomplicará processos, a EUAA necessita de actuar em extensão no que diz respeito à dignidade humana.
No último relatório sobre o Pacto Migratório e Asilo apresentado pela Comissão Europeia, em Setembro, foram facultadas informações sobre os mais recentes avanços realizados no esforço do quadro legislativo, em que se apresentou uma visão global da cooperação com os países parceiros. Nele, destacou-se a necessidade de realizar progressos rápidos e construtivos, a fim de receber em “condições humanas aqueles que têm o direito de entrar e tratar os que não gozam desse direito com dignidade, em conformidade com os valores e princípios da UE”.
Porém, a realidade que temos presenciado (tendo viva a crise migratória de 2015) é a de que a dignidade humana não tem sido respeitada no acolhimento dos que fogem de conflitos e de violência por perseguição política, religiosa e/ou de orientação sexual — como se os valores e princípios da UE só fossem de e para europeus.
Em 2015, a UE presenciou uma das maiores crises das últimas décadas. Segundo a Agência das Nações Unidas para os Refugiados, mais de um milhão de pessoas fugiu em direcção à Europa. O que se viveu foi uma inércia por grande parte do número de líderes europeus, que preferiram passar ao lado da defesa dos direitos e da condição humana, tantas vezes utilizada como farol político.
Após uma visita à ilha grega de Samos, o ministro do Interior francês, Gérald Darmanin, referiu que o modelo agora adoptado pelas autoridades gregas na construção de novos campos de acolhimento e processamento de refugiados, de “acesso fechado [arame farpado] e controlado [torres de vigia]”, pode e deve ser aplicado em outros Estados-membros. Nessa última acção política, observo que se prefere resolver a questão de migração através da construção de Estados rodeados por “muros” com arame farpado, em vez de prosseguir uma solução efectiva e colectiva europeia.
Não podemos construir “muros” na defesa dos direitos dos refugiados, uma vez que vêem a Europa como a defesa desses direitos, nem permitir que se deparem com falsos moralismos e pertenças draconianas que não constituem o ideal de democracia e de direitos humanos que tanto defendemos nós, europeus.
O sentimento de pertença europeu é cada vez mais crescente. Já não fico, não ficamos, indiferentes ao que ocorre na Grécia, nos Países Bálticos, ou mesmo em França... Temos de agir.
A migração e os refugiados são um problema em que todos — Estados-membros, sociedade civil, políticos, eu e tu — devemos actuar energicamente nos eixos centrais: a defesa dos direitos humanos, acima de qualquer (des)interesse.
A construção de uma sociedade mais próxima não se constitui apenas por palavras; ela ganha vida por meio de acções efectivas. A nova agência só poderá festejar o seu aniversário daqui a mais dez anos não apenas se as acções materiais estiverem formadas, mas, sobretudo, se tiver cumprido a defesa de valores e princípios para todos.