O paradigma da mobilidade
A mobilidade tem de se alterar rapidamente, a incapacidade das cidades receberem o elevado número de automóveis é nítida. A solução não passa por remover o carro da cidade totalmente; está sim na promoção de alternativas para quem pode abdicar do automóvel, protegendo o ambiente e contribuindo para uma qualidade de vida na cidade.
Nas últimas décadas, a aposta em políticas de mobilidade foi centrada no automóvel. A construção de infra-estruturas, onde se incluem centenas de quilómetros de auto-estradas, percorria o país, sendo a moeda de troca a falta de investimento nos transportes públicos rodoviários e ferroviários, em deterioração significativa. Anos depois o cenário é assustador.
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Nas últimas décadas, a aposta em políticas de mobilidade foi centrada no automóvel. A construção de infra-estruturas, onde se incluem centenas de quilómetros de auto-estradas, percorria o país, sendo a moeda de troca a falta de investimento nos transportes públicos rodoviários e ferroviários, em deterioração significativa. Anos depois o cenário é assustador.
As cidades foram tomadas pelo automóvel, os paquímetros nascem de uma necessidade de controlar o estacionamento selvagem, existem cada vez mais acessos à cidade, sendo cada vez menos eficazes no escoamento do trânsito - são apenas locais sobrelotados de automóveis diariamente. As cidades não têm capacidade para tanto automóvel que retira qualidade de vida a quem lá reside. As avenidas apinhadas de trânsito deixam de ser locais dignos para viver - são apenas locais onde a poluição atmosférica e sonora se misturam. E os municípios, com receio do impacto eleitoral, afastam qualquer medida que seja penalizadora para o automóvel, que é dono e senhor da cidade.
O aumento dos combustíveis esclareceu uma certeza antiga: a importância do automóvel, mesmo quando se poderia dispensar. As pessoas recusam abdicar de uma ideia de liberdade que lhes foi vendida. Os jovens procuram a aquisição do título de condução como se fosse imperioso, enquanto as políticas de mobilidade teimam a chegar e muito timidamente, fruto da falta de coragem política.
Lisboa é das poucas cidades que rasga o modelo de mobilidade centrada no automóvel e inicia uma demanda na construção de ciclovias que permitam o aumento de utilizadores de bicicleta e a sua segurança, mas rapidamente as alternativas são vistas como um “perigo” para quem não abdica do automóvel. O debate sobre a rede de ciclovias entra no exagero, ouvem-se apelos ao perigo que é ter bicicletas junto aos passeios, os mais arrojados falam no comum acidente que coloca as velhinhas como vítimas dos doidos que pedalam. Há quem defenda que as ciclovias deveriam ser retiradas aos utilizadores de bicicleta porque as pessoas se adaptaram a passear nas mesmas, mas não admitem que lhe seja retirado qualquer metro de asfalto em nome da sua mobilidade e dos direitos que os assistem como donos de um veículo.
A mobilidade tem de se alterar rapidamente, a incapacidade das cidades receberem o elevado número de automóveis é nítida. A solução não passa por remover o carro da cidade totalmente; está sim na promoção de alternativas para quem pode abdicar do automóvel, protegendo o ambiente e contribuindo para uma qualidade de vida na cidade. São necessárias mais ciclovias bem organizadas e uma aposta no transporte público, principalmente ferroviário, e na sua organização para que em resposta exista redução de automóveis no espaço urbano.
Não podemos manter a protecção à cultura dominante do automóvel e esperar que medidas verdes tenham efeito, nem aceitar discursos de autarcas que julgam o meio ambiente como questão de liberdade de escolha.