A natureza sabe cuidar de si própria: uma visão económica

Manter “paisagens humanizadas” é gado doméstico ao invés de herbívoros selvagens, arame farpado e campos agrícolas ao invés de uma paisagem livre e dinâmica, é menos espaço para espécies que criam conflitos como o lobo ibérico. Algo dependente da mão humana e subsídios não só não é sustentável no longo prazo, como é uma pior solução para a vida selvagem.

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Teresa Pacheco Miranda

A natureza sabe cuidar de si própria. Durante milhões de anos, a natureza regulou-se e evoluiu sem o ser humano. Com a caça e o começo da agricultura, o ser humano alterou dinâmicas e funções na paisagem, substituiu animais selvagens por domésticos e trocou o mosaico de habitats com zonas de floresta e clareiras por mosaicos agrícolas.

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A natureza sabe cuidar de si própria. Durante milhões de anos, a natureza regulou-se e evoluiu sem o ser humano. Com a caça e o começo da agricultura, o ser humano alterou dinâmicas e funções na paisagem, substituiu animais selvagens por domésticos e trocou o mosaico de habitats com zonas de floresta e clareiras por mosaicos agrícolas.

Quando os ecossistemas estão completos, cada animal desempenha uma função, herbívoros controlam a quantidade e estrutura da vegetação, predadores mantêm o equilíbrio das populações de herbívoros e necrófagos previnem o aparecimento de doenças. Processos naturais moldam a paisagem, cheias criam novos caminhos para rios e restauram zonas húmidas, incêndios reiniciam o ciclo florestal e erupções vulcânicas criam novo solo.

A análise económica estuda o mundo natural através do prisma dos serviços dos ecossistemas, benefícios que a natureza fornece ao ser humano livre de custo, e que em caso de perda irá exigir alternativas muitas vezes dispendiosas. Contudo, existe uma outra perspectiva, custos de gestão da paisagem que já existem hoje que podiam ser evitados se o ecossistema estiver em harmonia. O primeiro são estimativas, o segundo são custos reais

Dois exemplos para demonstrar o conceito: o programa de cabras sapadoras, com um orçamento de um milhão de euros, e o programa de restauro fluvial, com um fundo de 12 milhões de euros. O primeiro visa replicar o impacto das localmente extintas cabra-montesa e camurça (Capra pyrenaica e Rupicapra rupicapra) na pastagem em zonas acidentadas, e o segundo, do castor (Castor fiber), na manutenção e restauro de rios e ribeiros. Ambos os programas muito provavelmente seriam supérfluos caso os animais estivessem presentes e o ecossistema estivesse completo e em harmonia. Existem outros exemplos de funções perdidas: limpar matos e manter zonas abertas porque não há herbívoros, controlar o número de javalis e veados através da caça porque não há predadores, destruir carcaças de animais domésticos porque não há necrófagos. Existem muitos outros programas em que o ser humano continua a substituir e replicar funções com custos elevados que, caso a natureza fosse restaurada, seriam livres de custo e a mão humana desnecessária.

Ao invés de pagar para manter estas funções de uma maneira artificial, porque não restaurar as peças em falta do puzzle e poupar fundos? É contraproducente para a meta de 30% de áreas protegidas bem geridas financiar práticas agrícolas ou florestais em zonas pouco produtivas e não competitivas que, com tempo, podiam transformar-se em zonas ricas em vida selvagem. Os novos pagamentos por serviços de ecossistemas correm o risco de ser subsídios agrícolas disfarçados.

Manter “paisagens humanizadas” é gado doméstico ao invés de herbívoros selvagens, arame farpado e campos agrícolas ao invés de uma paisagem livre e dinâmica, é menos espaço para espécies que criam conflitos como o lobo ibérico. Algo dependente da mão humana e subsídios não só não é sustentável no longo prazo, como é uma pior solução para a vida selvagem. Jóias da coroa da conservação da natureza como o parque de Yellowstone, nos Estados Unidos da América, o do Serengueti, em África, ou o de Kaziranga, na Índia, não são paisagens humanizadas, são paisagens selvagens onde a natureza pode ser verdadeiramente natureza.

É uma escolha transformar as zonas agrícolas marginais, um activo degradado, num património natural rico na forma de áreas protegidas. Soluções de ontem não vão resolver os problemas de hoje nem os desafios do futuro. Urge repensar pressupostos antigos e criar ideias novas. Renaturalizar zonas agrícolas marginais, deixar a natureza tomar conta de si e criar novas e melhores áreas protegidas para benefício das pessoas, clima e biodiversidade é uma dessas ideais.