Um fotógrafo da Reuters assistiu ao (íntimo) ritual funerário de um chefe indígena

Um fotógrafo da Reuters foi o único jornalista convidado para as celebrações fúnebres do chefe Aritana, do povo yawalapiti. Na ausência de um líder forte, novos problemas se avizinham: “O nosso principal desafio é unirmo-nos outra vez para salvar as nossas terras.”

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Quando morre um grande chefe na reserva indígena do Xingu, as tribos reúnem-se para um ritual funerário único chamado Kuarup. Usando pinturas corporais e penas de pássaros, juntam-se em danças cerimoniais, combates e festas para celebrar a vida, a morte e o renascimento.

A perda do chefe Aritana do povo yawalapiti devido à covid-19 em Agosto abalou o Xingu, deixando as suas tribos sem um líder forte e um mediador capaz de as unir contra as crescentes pressões na fronteira agrícola do Brasil, que avançou para o cerrado e para a floresta tropical amazónica.

Cercadas por madeireiros ilegais, criadores de gado, produtores de soja e até mineiros de ouro, as comunidades do Xingu enfrentam uma crescente degradação do seu habitat natural e o desafio de preservar a sua rica biodiversidade para as gerações futuras, diz o filho de Aritana e provável sucessor, Tapi Yawalapiti.

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“Hoje não estamos unidos. O Xingu já não tem alguém que possa organizar todos os chefes”, disse Tapi à Reuters, sentado num ramo de árvore nas margens de um afluente do rio Xingu, que, teme, pode estar a secar por causa da agricultura.

“O nosso principal desafio é unirmo-nos outra vez novamente para salvar as nossas terras”, disse ele.

Um fotógrafo da Reuters foi o único jornalista convidado para as celebrações fúnebres do mês passado, que duraram vários dias e reuniram mais de mil membros de tribos vizinhas.

A próxima geração de líderes no Xingu procura a unidade num momento crítico, uma vez que o Presidente  brasileiro, de extrema-direita, Jair Bolsonaro, está a minar os direitos indígenas, ao encorajar a agricultura comercial e a mineração em terras protegidas com o apoio dos poderosos lobbies políticos de Brasília.

No Xingu, alguns foram tentados a vender madeira ou a arrendar terras agrícolas a forasteiros, mas ainda são uma minoria, numa reserva que ocupa mais terra do que Israel.

As alterações climáticas também estão a secar a floresta e a aumentar o risco de incêndios, disse Tapi, apelando à ajuda externa. “Precisamos de salvar o ambiente para manter o nosso modo de vida e a nossa cultura, e por toda a humanidade.”

Visto de cima, há um contraste impressionante entre as florestas verdes do Xingu e os campos castanhos cultivados que hoje se erguem nas fronteiras da reserva no Oeste do Brasil.

Os pesticidas estão a poluir as nascentes do Xingu e rios próximos, cujos níveis caem ainda mais todos os anos à medida que os produtores de soja extraem mais água para rega, diz a antropóloga Claudia Franco.

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O peixe, a principal fonte de proteínas das tribos, é tão vital para a existência das populações do Xingu que os xamãs fazem ritos religiosos para proteger os pescadores dos jacarés antes de lançarem as redes no rio.

Os aldeões banqueteiam-se então com o peixe cozinhado numa grande fogueira e servido em panquecas chamadas beiju, feitas pelas mulheres a partir da mandioca. Os homens queixam-se que, todos os anos, há cada vez menos peixe, à medida que o rio tem cada vez menos água, ao aproximar-se da fronteira agrícola.

A reserva foi criada nas margens superiores do rio Xingu em 1961, após a campanha de Orlando e Claudio Villas-Boas, dois irmãos que protegeram as tribos do avanço dos colonos, obtendo protecção legal para a primeira grande área indígena na América do Sul.

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Desde então, os yawalapiti passaram de 40 sobreviventes de uma epidemia de sarampo na década de 1950 para cerca de 300 pessoas que vivem hoje em grandes casas comunitárias de colmo.

Aritana foi escolhido para ser o chefe geral das tribos do Xingu por Orlando Villas-Boas devido à sabedoria e capacidades de liderança e diplomáticas, disse o filho Tapi. Foi uma das 12 pessoas da comunidade que morreram com covid-19, a maioria delas anciãos que levaram consigo o conhecimento do passado dos yawalapiti, incluindo as histórias e canções que mantiveram viva a sua cultura.

Todos os adultos da comunidade foram agora vacinados contra o novo coronavírus.

As mulheres choraram durante dias a morte de Aritana e de três outros anciãos tribais. Os homens desfilaram pela praça da aldeia soprando longas trombetas de bambu.

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Os espíritos dos mortos foram homenageados com quatro troncos de árvores pintados, colocados no centro da aldeia circular.

Os homens pintaram os corpos com tinta preta do jenipapo e um corante vermelho brilhante feito com sementes de urucum, que é cozido para formar uma bola de pasta.

Há uma sensibilidade contemporânea misturada com tradição. A pintura facial de um rapaz evocava a némesis do Batman, Joker, e no seu peito estava escrita uma mensagem política: “Fora Bolsonaro.”

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O ritual Kuarup chega ao clímax com uma competição de artes marciais entre guerreiros coloridos de nove tribos, que primeiro andam pela zona central da aldeia numa dança de guerra, antes de começarem a lutar.

“Após horas de choro e lamentos, antes do nascer do dia, as almas dos mortos partem dos troncos das árvores para se juntarem aos seus antepassados no submundo”, disse Franco.