OZ Energia quer adaptar automóveis poluentes ao hidrogénio
Presidente-executiva da empresa portuguesa defende que “não utilizar o parque automóvel actual para a mobilidade ‘verde’ é um contra-senso”.
A OZ Energia, uma empresa 100% portuguesa, está a desenvolver um sistema para adaptar motores poluentes ao hidrogénio, por considerar que o não aproveitamento do parque automóvel que existe actualmente na transição para a chamada mobilidade “verde”, mais ecológica, “é um contra-senso”.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
A OZ Energia, uma empresa 100% portuguesa, está a desenvolver um sistema para adaptar motores poluentes ao hidrogénio, por considerar que o não aproveitamento do parque automóvel que existe actualmente na transição para a chamada mobilidade “verde”, mais ecológica, “é um contra-senso”.
“Se não usarmos os carros que temos actualmente, é um contra-senso aquilo que estamos a fazer, porque estamos a poupar energia, ou estamos a promover a utilização de energias ‘verdes’, mas depois estamos a pedir às populações que renovem toda a sua frota automóvel. E a pegada ecológica da produção de automobilística também é muito grande”, defende a presidente-executiva da OZ Energia, Micaela Silva, em entrevista à agência Lusa.
Para a CEO, o caminho para uma mobilidade sustentável não se faz apenas descartando “produtos que estão dentro da sua vida útil” só para se ter “o selo de ‘verde’”.
“As famílias não trocam de carros de quatro em quatro anos. Quando é que nós conseguiríamos ter um parque automóvel mais sustentável? (…) Temos é que aprender a transformá-lo e entrar num ciclo da economia circular, que nos permite dar uma maior longevidade aos produtos que utilizamos”, aponta a CEO da empresa do Grupo Manuel Champalimaud, que actua no mercado de energia há cerca de 50 anos com a marca ESSO e, desde 2009, com o nome Oz Energia.
Neste sentido, a empresa iniciou há três anos o desenvolvimento de um sistema que permite transformar um carro a gasolina num carro bifuel, que utilize maioritariamente hidrogénio.
“Queremos ver fontes de abastecimento de hidrogénio ao longo do país e este foi o primeiro tema do desenvolvimento do hidrogénio. Depois, percebemos que, para que pudesse haver efectivamente uma transição para uma mobilidade ‘verde’ teríamos que esperar que a frota automóvel se renovasse ou então criar um sistema que permitisse transformar os actuais motores a gasóleo e gasolina em motores que consumissem hidrogénio”, explica Micaela Silva.
O projecto está ainda em fase de testes do electrolisador (equipamento que utiliza água para produzir hidrogénio) desenvolvido pela equipa de investigadores subcontratados pela OZ Energia.
“O sistema já existe e já temos um carro que anda a hidrogénio que foi adaptado. O que nós queremos, obviamente, é ter o sistema e depois levar esse conhecimento para o território, apoiando muito os nossos parceiros locais para que possam, de alguma forma, diversificar toda a sua actividade”, aponta.
Micaela Silva lembra que o consumo de gás tem vindo a decrescer, estimando-se que essa diminuição se acentue nos próximos tempos, por força da maior utilização de energias renováveis, daí a importância de capacitar as pequenas e microempresas do sector com novos produtos.
A aposta no hidrogénio “verde” é uma das estratégias da empresa, que tem como ambição aumentar em três pontos percentuais a sua quota de mercado até 2024, que actualmente é de 12%. Para tal, a empresa está a apostar na retenção dos clientes através da proximidade dos seus cerca de 160 parceiros com o cliente final e dos processos de digitalização que está a incutir em toda a rede, explica Micaela Silva.
Governo devia intervir menos
A presidente-executiva da OZ Energia, grupo que actua nos diversos segmentos do sector da energia, como o do GPL (gás de petróleo liquefeito), combustíveis rodoviários e para aviação e energias renováveis, defende ainda que “o Governo devia intervir menos” no mercado dos combustíveis, porque é liberalizado e não tem margens excessivas de comercialização, mas é “muito penalizado” pela quantidade de impostos.
“O Governo devia intervir menos, [porque] é um mercado liberalizado, um mercado que funciona, que se auto-regula e onde há uma concorrência perfeita”, diz, referindo-se à lei do Governo para limitar as margens na comercialização de combustíveis, que foi aprovada e entrou em vigor na passada sexta-feira.
De acordo com a lei, que vem alterar vários decretos que estabelecem os princípios gerais relativos à organização e funcionamento do Sistema Petrolífero Nacional, “as margens máximas” podem “ser definidas para qualquer uma das actividades da cadeia de valor dos combustíveis simples ou do GPL engarrafado, sendo fixadas por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas da economia e da energia, sob proposta da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos e ouvida a Autoridade da Concorrência”.
Para Micaela Silva, trata-se de uma medida que “não é bem vista à livre concorrência”, ressalvando que que “uma coisa é o intervir mais ou menos, outra coisa é a quantidade de impostos que [o Governo] aplica sobre o sector da energia”, que considera ser “muito penalizado”.
A presidente-executiva aponta que se, no passado, o Governo actuou de forma “muito agressiva” no agravamento do imposto sobre os combustíveis (ISP), porque o preço do petróleo estava baixo, agora, estando-se a viver a situação inversa, com os preços no mercado grossista a bater recordes sucessivos, “essa actuação devia ter sido a inversa e devia ter sido muito mais agressiva, porque um ou dois cêntimos de decréscimo [no adicional ao ISP], é muito pouco”.
A empresária sublinha que, penalizando as empresas poluidoras, “quem está a pagar a factura também são as famílias”. “Estamos a dar com uma mão e a tirar com outra. É politicamente correcto dizer que estamos a penalizar as empresas poluidoras, mas a economia não funciona sem combustíveis e vemos hoje em dia toda a contestação que está a ocorrer em torno do aumento dos combustíveis, porque isso vai afectar os meios de produção de várias empresas”, defendeu.
Para Micaela Silva, “os governantes não fizeram o trabalho de casa prévio e não perceberam que a economia não pode ficar desequilibrada”, porque, prosseguiu, primeiro há que criar as condições para uma economia “verde” e só depois “exigir às empresas e às populações que façam a transição para essa economia”.
“Para sermos bons alunos [na acção climática] temos de estar preparados para pagar a factura económica e Portugal não está preparado, porque a sua economia não é uma economia sólida”, argumenta.
Contra fixação de preços no gás de garrafa
Questionada sobre a fixação de preços no gás de garrafa, uma medida adoptada durante o período de confinamento devido à pandemia de covid-19, Micaela Silva defende que “não é o caminho certo a seguir”, uma vez que o gás de garrafa está no mercado liberalizado.
“Para nós, não faz sentido termos fixação de preços e sobretudo comparar com um mercado que é completamente diferente do mercado português”, afirma, referindo-se ao mercado espanhol, onde os preços da botija de gás são mais baixos, o que, segundo Micaela Silva, se explica pela diferença na qualidade do serviço e nos preços de aquisição.
“Eu entendo que não terá havido na rede nenhum abuso de aumento de preço para se aproveitar desta situação [de pandemia]. Não foi uma questão de margens elevadas, mas sim de acomodar custos para os quais não estávamos preparados, porque não foram orçamentados”, conclui, referindo-se aos custos com material de protecção individual, para que se pudesse continuar a entregar gás nas habitações.