Um festival para tirar Hans Otte da sombra

Numa programação partilhada por Joana Gama e por Ingo Ahmels, a pianista e o ex-assistente do compositor alemão espalham a obra de Otte por Lisboa, Évora, Guimarães e Viseu, através de concertos, conferências, uma exposição e uma peça de teatro musical. Uma itinerância que começa agora e se prolonga até Abril.

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Hans Otte (1926-2007) DR

Há um ano, quando Joana Gama interpretou na Culturgest O Livro dos Sons, uma das obras fundamentais do compositor alemão Hans Otte (1926-2007), esse concerto era a concretização possível de um plano muito maior que deveria ter tomado a forma de um festival. Quis a pandemia, no entanto, trocar as voltas ao gesto mais ambicioso que a pianista vinha preparando com o antigo assistente de Otte, Ingo Ahmels. Só que ao invés de ficar a saborear apenas a frustração, Joana Gama aproveitou para ensaiar um primeiro momento de apresentação da música deste compositor de nome pouco sonante e de obra pouco extensa. O adiamento permitiu, no entanto, robustecer o Festival Hans Otte, que se inicia este sábado com a inauguração de uma exposição na galeria Brotéria, em Lisboa, e se prolonga até Abril de 2022, com programação espalhada por quatro cidades – à capital juntam-se Évora em Dezembro, Guimarães em Janeiro e Fevereiro, e Viseu em Março e Abril.

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Há um ano, quando Joana Gama interpretou na Culturgest O Livro dos Sons, uma das obras fundamentais do compositor alemão Hans Otte (1926-2007), esse concerto era a concretização possível de um plano muito maior que deveria ter tomado a forma de um festival. Quis a pandemia, no entanto, trocar as voltas ao gesto mais ambicioso que a pianista vinha preparando com o antigo assistente de Otte, Ingo Ahmels. Só que ao invés de ficar a saborear apenas a frustração, Joana Gama aproveitou para ensaiar um primeiro momento de apresentação da música deste compositor de nome pouco sonante e de obra pouco extensa. O adiamento permitiu, no entanto, robustecer o Festival Hans Otte, que se inicia este sábado com a inauguração de uma exposição na galeria Brotéria, em Lisboa, e se prolonga até Abril de 2022, com programação espalhada por quatro cidades – à capital juntam-se Évora em Dezembro, Guimarães em Janeiro e Fevereiro, e Viseu em Março e Abril.

“O festival entretanto cresceu”, confirma a pianista ao PÚBLICO. Não apenas com o acrescento de Viseu – depois de a directora artística do Teatro Viriato, Patrícia Portela, dar ordens ao segurança da sala para não deixar a pianista sair do edifício antes de poder perguntar-lhe que música era aquela que tinha estado a ensaiar durante uma manhã inteira (antes do concerto da Culturgest em 2020), mas também com a novidade de passar a incluir uma peça de teatro musical concebida por Ahmels e Lou Simard, e que colocará em palco Erik Satie, John Cage e Hans Otte enquanto personagens de um divertimento entre a cozinha e o piano.

“O Ingo Ahmels diz que é um repasto culinário-musical”, conta Joana Gama, “em que John Cage e Hans Otte estão em casa do primeiro a cozinhar uma refeição de cogumelos e, de repente, aparece Erik Satie a dizer que tem fome.” A peça J-CHOES - J’ai Faim terá estreia mundial no Teatro Viriato a 8 de Abril de 2022, seguindo depois para o Goethe Institut, em Lisboa (dia 11), e será protagonizada por Ahmels, Gama e a pianista Margaret Leng Tan.

Concerto Oriente: Ocidente

Joana Gama e Margaret Leng Tan, discípula de John Cage, asseguram ainda um outro momento fundamental da programação através da recriação do concerto Oriente:Ocidente – Cage:Otte, na Culturgest (6 de Novembro), estreado em 2006 e novamente em torno da relação entre os dois compositores, com “dois pianos afastados e em que o público, como se assistisse a um jogo de ténis, vai virando a cabeça para cada uma das pianistas que toca”. A cargo de Leng Tan estarão as Sonatas e Interlúdios para Piano Preparado – 45 notas “alteradas” por parafusos, porcas, borrachas e peças de plástico que exigem três horas de preparação do instrumento – de Cage, enquanto Gama ficará responsável por excertos de O Livro dos Sons e O Livro de Horas de Otte. “São peças que simbolizam o Hans Otte extremamente alicerçado na herança da música clássica europeia”, explica a pianista, “e o John Cage que rompeu completamente e que cria quase um novo instrumento a partir do piano preparado, soando como um gamelão, numa peça assente na filosofia hindu.”

Gizado numa colaboração estreita entre Joana Gama e Ingo Ahmels, o Festival Hans Otte chega a cada uma das cidades com um concerto (Oriente: Ocidente acontece apenas em Lisboa, mas a pianista portuguesa apresenta O Livro dos Sons nas restantes paragens, obra que será transmitida também este domingo pela RTP2, a partir de uma gravação registada no Jardim Botânico de Coimbra), uma conferência sobre Cage e Otte e a exposição Hans Otte: Sound of Sounds – que, depois da Brotéria (onde estará até 27 de Novembro), seguirá para a Igreja de São Vicente, em Évora (4 a 31 de Dezembro), para o Centro para os Assuntos de Arte e Arquitectura em Guimarães (8 de Janeiro a 26 de Fevereiro) e para o Teatro Viriato, em Viseu (4 de Março a 8 de Abril).

Composta por obras de Hans Otte, Ingo Ahmels e Silvia Otte (fotógrafa, filha do compositor), a exposição incide sobretudo em duas instalações sonoras do alemão, Ich – Atemobjekt (1970) e Namenklang (1995): a segunda, enquanto “homenagem a várias personalidades que ele admirava”; a primeira a partir da simples ideia de ter “duas colunas a respirar – uma inspira e a outra expira”. Acrescem ainda partituras de O Livro das Horas, desenhos de Hans Otte relativos a essa obra, alguns aforismos, um poema dedicado ao som e fotografias da sua filha.

Tudo parte deste compromisso que Joana Gama tem assumido na sua carreira de divulgação da obra de compositores como Erik Satie, Fernando Lopes-Graça e agora Otte, associando à apresentação da obra uma reflexão que lhes confira uma maior visibilidade e contrarie o “afunilamento sempre nos mesmos autores quando se fala de música contemporânea”.